José Sarney

Divagações sobre a paciência


Meu avô Assuero, quando eu entrei para a Academia Maranhense de Letras, ficou muito feliz. Ele era um lavrador do interior, nordestino que tinha emigrado do Ingá do Bacamarte, na Paraíba, cidade que só perdia, na fama de matar gente, para o Catolé do Rocha; o velho era uma força da natureza. Falava por provérbios. Fiz-lhe uma carta dizendo da minha glória provinciana. Ele a recebeu, soltou foguetes e ficou só alegria. Dona Tudinha, sua vizinha, vendo-o dessa maneira, perguntou-lhe por que tanta festa. Ele respondeu:

– Meu neto José entrou para a Academia.
– E o que é Academia, seu Assuero?
O velho respondeu:
– Não sei, dona Tudinha, mas sei que é coisa grande.

Nunca soube ao longo da vida de definição melhor. Lembrei-me dele ao indagar-me sobre a paciência.

O que é a paciência? A gente sabe o que é, ou mesmo não sabe, mas sabe que é coisa difícil.

É uma virtude que nos “permite suportar com resignação as infelicidades da vida, as injúrias, as ações dos outros”. Sem dúvida é uma virtude cristã perto do perdoar, longe da lei mosaica. De Gaulle dizia que ela era a virtude do estadista, e muitas vezes ele não a teve. Pompidou, este sim, teve demais e louvou a paciência como ninguém. Dela eu sempre fui devoto. Não faz mal a ninguém. Na paciência está a calma, a prudência, “a doçura que prepara os espíritos”, a “pureza de intenção e a piedade”, a “força que resiste aos obstáculos”, expressões de Talleyrand, citadas por Orieux.

Plutarco, em sua “Vidas paralelas”, ao falar de Péricles, chama-o de “admirável homem, não só pela brandura e suavidade, senão por sua grande prudência, e entre suas boas ações, a melhor, não ter dado poder à inveja e à ira nem olhado nenhum dos seus inimigos como irreconciliáveis”. E gloriosamente consagra-o como “digno da natureza dos deuses”.

Todos que tiveram responsabilidade de decisão, de uma maneira ou de outra, falaram da paciência. Não a arte de saber esperar, a calma de revide. Mas a virtude da prudência que, como diz um provérbio africano, “não é um remédio que se possa engolir”. É uma qualidade, uma conduta de vida.

Na minha última mensagem ao Congresso dediquei um título à “Paciência e Liberdade”, afirmando que “semeei o exemplo da paciência e da compreensão; preferi ser injustiçado a cometer injustiças, silenciar, a fazer calar, para que o país reencontrasse, na paz, o caminho da reconciliação de uma sociedade dividida pelo ódio, pelo ressentimento, pela amargura, pela prepotência”. Da paciência ninguém se arrepende; da impaciência, muitas vezes. Magalhães Pinto, um dia, disse-me um brocardo que não esqueci: “Nunca me arrependi das coisas que não fiz. A gente só se arrepende do que faz”. Da impaciência não me arrependerei, porque Jamais foi santa do meu altar.

Paciência, também, é o nome de uma planta europeia. Uma erva comestível, de cor verde, gostosa. Segundo os botânicos, é a única que contém “enxofre livre”. Não sei avaliar o que isso significa. Já o enxofre solto pelo vulcão Pinatubo nós sabemos que espalhou a morte e a devastação. Neste caso, por impaciência das forças da natureza. Também não sei a relação do enxofre com a impaciência, a não ser que é de enxofre a fumaça do Inferno.

E quem mora nos infernos? A paciência ou a impaciência? Mistérios do Céu.