Entrevista

“Já fui chamado de eco-louco e até eco-xiita por ser ambientalista no Amapá”

Ele já sofreu até ameaças de morte por sua atuação como ambientalista. Foram tempos difíceis, segundo conta Mamede Leal, que recorda ser uma prática comum no início dos anos 90 rotular gente como ele de “eco-loucos” ou ainda “eco-xiitas”. Superou a todas essas dificuldades, galgou novas funções públicas e hoje é um conceituado técnico do estado, acima de tudo um ambientalista atuante, tendo acumulado na bagagem a participação em diversos eventos do setor em várias partes do Brasil e do mundo. Ele é membro titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema). Ele falou dessa trajetória em uma entrevista ao programa Conexão Brasília, da Diário FM, apresentado pelo jornalista Cleber Barbosa. Os principais trechos o Diário do Amapá publica a seguir. Acompanhe o bate-papo.


Diário do Amapá – Falar de meio ambiente é com o senhor mesmo, não é?
Mamede Leal – Tudo bem, é um prazer poder falar dessa causa que no meu entender deveria ser todo ambiente e não meio ambiente… [risos]

Diário – Boa tirada essa.
Mamede – Sim, pois meio ambiente é todo ambiente mesmo, seja dentro da nossa casa, o ar que respiramos, o caminhar, o pisar, enfim, a vida na natureza.

Diário – Em que fase da sua vida o senhor se descobriu um ambientalista?
Mamede – Olha, muito me honra ser filho de pescador, vim para cá aos sete anos de idade e tudo começou com meu pai, que tinha plantado uma grande floresta na [em] Vigia (PA). Meus avós vieram em 28 [1928], meu pai veio em 48 [1948], voltou e depois veio com a gente em 63 [1963], quando ele foi para a proa da canoa e eu fui com ele aos 17 anos para o mar, pescar. Vi que não era legal, não era pra mim, sabe? Então recebi um convite da professora… Que Deus a tenha, eu até me emociono, a saudosa professora Ester Virgolino.

Diário – Como foi isso?
Mamede – Esse anjo apareceu na minha vida e me trouxe para minha tia, Ofélia Ataíde, que me criou e devo muito a ela também. E depois a um ser humano que também já está no alto, que foi o padre Antônio Couto, que muitos conselhos me deu. Depois conheci o professor Camilo Viana e comecei com isso [meio ambiente] em 1990, já militando. Construímos o Partido Verde (PV), construímos o Movimento Verde Vida e que depois ficou muito tempo no esquecimento.

Diário – Então o começo de sua trajetória se deu às vésperas da Eco 92, no Rio de Janeiro? O senhor foi para aquela conferência?
Mamede – Exatamente, mas eu não fui. Depois fui a Estocolmo e depois estava com passagem tirada para ir a Istambul, mas acabei não indo para aquela outra conferência. Mas depois tive a portas de participar de outros seminários. Aí veio um chamado mais urgente que era de participar já pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente. Em 1993 conheci a Mari [Alegreti] e também conheci em vida o Chico [Mendes] e foi aqui, escrevi até um artigo sobre isso, pois ele faleceu em 22 de dezembro de 1988 e depois a caminhada à espiritualidade me deu essa condição de lutar pelo meio ambiente.

Diário – O senhor também acabou se notabilizando pelo que escrevia, como era isso?
Mamede – Sim, escrevi vários artigos, muitos deles publicados aqui mesmo neste Diário. Uma vez a própria Folha de São Paulo publicou um texto desse, o que muito me honra. Depois fui convidado pelo governador Capi [João Capiberibe] para assumir um cargo na Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), pois eu era da Seplan (Secretaria Estadual do Planejamento). E lá estou há mais de vinte anos da Sema, hoje IMAP, muito honrado também, pois faço isso com muito amor. Mas eu já sofri muito desgosto, desaforo e até a minha vida já foi ameaçada.

Diário – Ameaça de morte?
Mamede – Sim, inclusive uma vírgula de um juiz, de um deputado e depois de um pistoleiro, mas que tinha matado a fome dele por felicidade no Jari. Esse fato estou relatando pela primeira vez, acho que porque Deus me deu essa coragem através dos seus anjos para relatar isso aqui, eu nunca tinha falado nada a respeito, só em família, por isso me emociono…[pausa]

Diário – Não foi um começo tranquilo.
Mamede – Sim e naquela época a gente era taxado como “eco-louco”, “eco-xiita”, enfim, foram vinte anos, só que agora mais amadurecido, responsável, convicto do que falo, do que defendo, do que trabalho. Mas também contribuo muito, eu tenho certeza disso, senão não seria respeitado, pois eu respeito as pessoas. Mas não foi fácil porque a gente não agrada a todos.

Diário – E como era a sua relação com o Projeto Jari?
Mamede – Lá eu não tive problema. Ao contrário, me chamaram, sentamos à mesa e hoje o projeto está aí. Eu deixei uma marca no Jari, pois fui secretário do meio ambiente lá, devo muito à sociedade jarilense isso. Depois fui transferido por causa de problemas provocados por uma passeata, um protesto bastante efusivo contra os passivos ambientais que até hoje temos. Eu devo muito à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, que com muito carinho engavetou esse processo, com análises químicas, com a veracidade dos casos, de um projeto grande que neste momento está atravessando dificuldades.

Diário – Qual projeto Mamede?
Mamede – Essa volta da Jari. Estão tentando recuperar, pois cinco mil funcionários foram demitidos, mas a volta não garantiu o emprego de todos eles. O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social) está com certeza batendo na porta deles, pois o projeto Jari tem um grande passivo ambiental e que a sociedade hoje está pagando caro por isso, principalmente Vitória do Jari. Também atuei como gerente de uma unidade de conservação que está cravada naquela região do Vale do Jari que é a Reserva do Iratapuru.

Diário – É uma longa caminhada então?.
Mamede – É uma ciência. A questão ambiental hoje deixou de ser dos loucos para ser uma ciência, que temos várias universidades, vários doutores que são militantes da questão ambiental.

Diário – E qual o papel do Conselho Estadual do Meio Ambiente?
Mamede – Ele é um órgão supletivo e que a sociedade deveria se apropriar mais dele, indo às nossas reuniões mensais, que são públicas. O Coema foi criado através da Lei 065 de 18 de agosto de 1994, então completou esse ano, sua maioridade digamos assim. Ele está sofrendo mudanças.

Diário – O senhor já presidiu uma reunião do Coema, o que se discute lá?
Mamede – Sim, coincidentemente naquela ocasião foi sobre a fábrica da Coca-Cola, lá em Santana. Nós do Movimento, juntamente com o companheiro Capela [Geraldo Capela] solicitamos a presença do Imap para dirimir algumas questões sobre uma multa aplicada à Coca-Cola de R$ 1 milhão e que ainda tem um passivo enorme com relação ao Igarapé Corrêa. Também foi convidado o presidente da Associação Extrativista e Ambientalista do Igarapé Corrêa.

Diário – Como deve ser o trâmite de uma denúncia sobre dano ambiental?
Mamede – A denúncia deve ser factível, responsável e com provas.

Diário – Obrigado pela entrevista.
Mamede – Eu que agradeço e até uma outra oportunidade para falarmos desse tema.

Perfil…
/Entrevistado. Paraense de Vigia (PA), filho de pescador, também ensaiou seguir a carreira de buscar o pescado no mar aberto, atividade que diz jamais ter tido a menor vocação, acabou virando funcionário público. Mamede Leal Siqueira se tornou um dos mais atuantes ambientalistas no Amapá, onde por sua aguerrida postura foi para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e depois IMAP, onde atua por mais de vinte anos. Chegou a ser secretário municipal do Meio Ambiente em Laranjal do Jari. Atualmente é membro titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), um colegiado que é a máxima autoridade neste importante segmento da sociedade local. Também foi gerente da da Reserna Natural do Iratapuru, no Sul do Amapá.


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