Dom Pedro Conti

O segredo da coragem


Uma antiga lenda da Ásia Menor conta a história de Manuela, uma jovem que teria estado com outras mulheres aos pés da cruz de Jesus no Calvário. Manuela era muito tímida. Ficava calada o tempo todo, era muito difícil lhe arrancar algumas palavras. Também estava sem coragem para qualquer iniciativa. Tinha medo de tudo e de todos. Ficava parada, só escutando. Um dia, escutou também Jesus na beira do lago de Tiberíades. Ficou encantada com as palavras que saíam de sua boca. Todas elas suscitavam confiança e coragem. Assim, quando soube da ressurreição do Senhor, não precisou de aparições ou confirmações. De repente, levada por uma audácia nunca experimentada antes, transformou-se numa peregrina que anunciava a Boa Notícia de Jesus a todos os que encontrava. Tinha sido ele a lhe ensinar “o segredo da coragem”. Agora, não tinha mais medo de nada. Andava de aldeia em aldeia e reunia as mulheres. Os homens, pensava, não a teriam entendido. Não buscava as praças, mas lugares afastados: de baixo de uma árvore, perto de um forno para assar o pão, à beira de um poço ou de um riacho onde as mulheres lavavam a roupa. As palavras saiam fortes e claras da sua boca. Nunca preparava os discursos. Sabia que não era ela a escolher as palavras, mas o Espírito Santo. Certo dia, uma mulher, impressionada por tanta força, perguntou-lhe:

– Diga-me, qual é o segredo da sua coragem?

– A humildade, como ensinou Jesus – respondeu Manuela.

– Mas o que é a humildade? – insistiu a mulher.

– É ser a primeira a dizer: “Eu te amo”.

Sempre, chegando ao final do ano litúrgico, encontramos evangelhos que nos falam de acontecimentos pavorosos. O grandioso Templo de Jerusalém será destruído. Haverá guerras, revoluções, terremotos, fomes e pestes. Os discípulos serão odiados e perseguidos, aprisionados e levados perante os tribunais. Haverá muita confusão e alguém se apresentando como o novo Messias. Como não ter medo de tantas provações? No entanto, Jesus diz para não duvidar, para permanecer firmes. “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”. “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida”.

Para entender as palavras de Jesus, que ficaram nos evangelhos, precisamos lembrar que muitas partes deles foram escritas após a destruição do Templo de Jerusalém, acontecida no ano de 70 d.C., e ainda durante várias perseguições aos cristãos. Aqueles discípulos apavorados e duvidosos que arriscavam a própria vida para ser fiéis a Jesus, precisavam de palavras de exortação e conforto. Os resultados foram surpreendentes: a fé cristã não foi abafada e nem apagada. Desde aquele tempo até hoje, podemos dizer, sem medo, que o sangue dos mártires é, de verdade, semente de novos cristãos. Aquelas palavras de Jesu s ficaram nos evangelhos não para afastar da fé e do seguimento dele, mas, ao contrário, para lembrar aos cristãos que críticas, perseguições e martírio, os acompanharão sempre. Afinal, todo cristão é discípulo de Alguém que foi crucificado!

Bastaria olhar um pouco para a história da humanidade e a contribuição que os cristãos deram à civilização e à humanização da sociedade para entender, mais ainda, os alertas dos evangelhos. Se depois abrimos o horizonte para tantas outras situações de perseguição de pessoas, de grupos, de povos inteiros – ameaçados e mortos por causa das crenças religiosas, das raças e da cobiça de invasores e colonizadores – reconhecemos a luta incansável entre o bem e o mal. Já aprendemos que, muito dificilmente, a verdade está do lado dos vencedores. Eles, depois, contam os fatos conforme o seu poder e as suas ideologias. É fácil, porque a voz dos mortos já foi silenciada. Só que “um morto ressuscitou” e a força do bem e da verdade não se cala mais. É uma força diferente. Cresce com a fraqueza e a humildade. Não mata, prefere morrer. Não persegue, aceita ser perseguida. Vence pelo testemunho do amor, da misericórdia e do perdão. Por isso, é invencível. Temos a coragem de acreditar? Chega de medo e timidez!