José Sarney

As Domingas do Advento


O cristianismo se define em dois momentos: a vinda de Cristo e a Páscoa, o nascimento e a ressurreição. Em torno desses marcos gira o ano litúrgico. Tudo começa com a chegada do Menino Jesus, que se celebra em quatro semanas e quatro domingas, resumo de uma expectativa milenar, anunciada ao longo da Bíblia.

Essas domingas — os ofícios dos domingos — foram sempre tempo de grande chamamento à penitência, pois, celebrando “a palavra, que acaba de acontecer” (Lc 2, 15), nos preparamos para a palavra anunciada pelo próprio Cristo. O Padre Antonio Vieira deixou vários sermões de domingas do Advento, seguindo a antiga tradição de Santo Agostinho. Neles, ele é severo com o homem, especialmente — pregava na Capela Real ou em São Roque, a igreja dos Jesuítas em Lisboa — com a corte. Chama a atenção para a fragilidade da vida terrestre, quando o que importa é a vida eterna; e a vida eterna depende de nós: “porque não trabalharemos muito por nascer muito honradamente?” E, respondendo à doutrina do “sola gratia” (somente a graça) de Lutero, explica: “Para um homem se converter, não basta só vida, e saúde, e juízo, mas é principalmente necessária a graça de Deus. [Mas] parece-vos que é boa diligência multiplicar as ofensas a Deus para granjear a graça de Deus?”

Uma das referências do Advento é São João Batista, que, com o batismo, limpa o homem para o encontro futuro, e com uma limpeza a que se submete, enquanto homem, Deus. Esse lavar não é apenas a purificação ritual que precede o sacrifício, mas o despojamento, pelo homem, do mal. Vieira lembra que o importante não é o primeiro nascer, mas o segundo. A referência é justamente o Batista, “entre os nascidos das mulheres nenhum ressuscitou maior” (Mt 11,11): “Ser o maior dos nascidos, enquanto ressuscitado, isso é verdadeiramente ser o maior, e na nossa mão está, se o quisermos ser.”

Essa vontade de transformação interior, que se torna exterior por, ao abrirmos os olhos para nos vermos por dentro, deixarmos de ver uma coisa por outra e abandonar a cegueira, é o efeito do batismo, o que não sei se poderíamos chamar de preparação para a ressurreição.

Mas ponhamos os pés na terra. Aqui fora o mundo se contorce, enquanto nossos corações se afligem no contraste entre a expectativa, a esperança da chegada do Menino Jesus e a guerra, a fome, a violência, a injustiça. Como podemos suportar o martírio de Alepo? O que fazer? Afastar a indiferença, para nós, que estamos tão distantes que o gesto material se dissolveria no espaço, é estender e aprofundar nossa fraternidade. Se não podemos chegar a Alepo, cumprir o simples mandamento: “amai ao próximo”.

Amando ao próximo, em toda a extensão de seu significado, é que estaremos preparados para Sua vinda, para a chegada do Menino Jesus.