Dom Pedro Conti

No começo


Quando Deus estava todo ocupado na criação do mundo, cinco anjos se aproximaram dele e, segundo a própria especialização, procuraram satisfazer suas curiosidades.

 – O que o Senhor está fazendo? – perguntou o primeiro.

 – Por que está fazendo tudo isso? – perguntou o segundo.

 – Posso ajudar – disse o terceiro.

 – Quanto vai custar tudo isso? – quis saber o quarto.

O primeiro anjo era um cientista, o segundo era um filósofo, o terceiro um filantropo, o quarto um comerciante. O quinto anjo olhava encantado e batia palmas. Era um místico.

Com três cenas, se assim podemos chamá-las, o evangelista Mateus nos apresenta, neste domingo, o início da vida pública de Jesus, depois do batismo dele no Rio Jordão, as tentações no deserto e a prisão de João Batista. Assim tomamos conhecimento por onde começa a missão dele, na Galileia, e em que consiste. É o primeiro anúncio do Reino. Em seguida, andando na beira do mar, ele chama os primeiros discípulos, escolhidos entre os pescadores, e os adverte que fará deles “pescadores de homens”. Por fim, o evangelist a faz o resumo da atividade de Jesus: “ensinava nas sinagogas, pregava o evangelho do reino e curava todo tipo de doença e enfermidade do povo”.

Em poucas linhas, Mateus nos dá a entender muitas coisas. A “missão” inicia longe de Jerusalém. Por medo? Por prudência? De fato, tudo concorre para que a Boa Notícia comece e ser proclamada, hoje diríamos, a partir da periferia, ou, mais ainda, a partir dos pagãos. Uma maneira simples para dizer que essa Boa Notícia não tem fronteiras; terá que ser levada até os confins da terra. Também não vai ter exclusão de pessoas ou de crenças, apesar de Israel continuar a ser o povo eleito por Deus. A alegria do Evangelho será oferecida a todos e caberá a cada um acolhe-la ou não. O “reino dos céus” anunciado não é uma organização ou uma estrutura de poder. É uma nova condição de Deus agora presente, com Jesus, perto das pessoas, querendo fazer parte de suas vidas, ocupando o lugar que deve ser somente dele. Os outros “reinos” são humanos; faraós, reis, e imperadores são confundidos e idolatrados como se fossem deuses. Esses “poderosos” recorrem à força das armas para se sustentar.

O Reino que Jesus anuncia só precisa da adesão do coração humano. É o reino do amor de Deus, agora, definitivamente manifestado na história humana. A Boa Notícia é envolvente, mexe e muda a vida das pessoas. Pescadores deixam barcos e redes, mas continuarão pescando. Serão enviados a satisfazer outra fome do povo, a fome de Deus, da sua Palavra, da fraternidade e da partilha. Mas antes tem que andar com Jesus, acompanhá-lo, conhecê-lo, amá-lo. Iniciam uma nova vida. O caminho será difícil. Ainda disputarão poder, ter& atilde;o medo, fugirão na hora da cruz. Somente após da Páscoa, com a força do Espírito Santo, cumprirão a missão até o fim.

Essa missão continua, até quando? Só o Pai sabe. O que cabe a nós, comunidade de Jesus de hoje, é ser fieis ao mesmo compromisso: o “reino do céus”, o reino de Deus, nunca o nosso. Como Jesus foi humano, a Igreja é feita de pessoas humanas e existe na história. Podemos ser tentados a identificá-la com uma organização. Como uma firma qualquer, uma empresa, uma multinacional, mais ou menos grande, com perdas e ganhos. Na realidade, a Igreja – como Jesus, Deus encarnado- é um “mistério” de amor. Não cabe em es tatísticas e nem entre paredes. É feita de santos e pecadores. Prega a conversão à sociedade, mas sabe que também sempre precisa de consertos e reformas. É enviada a ter compaixão e misericórdia, mas é a primeira que deve experimentar a alegria do perdão e da reconciliação. Anuncia a comunhão para toda a humanidade, mas cada dia deve costurar as suas próprias divisões. Promove e defende a vida, a verdade e a justiça. Ainda tem muitos mártires nas suas filas. Cientistas, filósofos, filantropos e comerciantes podem ajudar, mas para entender a Igreja-Comunidade de Jesus precisamos ser, sobretudo, místicos, capazes ainda de nos maravilhar e de bater palmas pela obra de Deus.