Dom Pedro Conti

O último


No paraíso foi organizada a maior ceia de todos os tempos. Todos os santos e santas tinham a vaga marcada com um bilhete dourado. Não faltava ninguém. Era o dia da solene inauguração dos “novos céus e da nova terra”. Um acontecimento esperado por séculos e séculos. O cheiro incomparável da comida chegava das cozinhas celestiais. Até os santos eremitas não conseguiam mais disfarçar a ansiedade e já davam sinais de impaciência. Todos esperavam o sinal para começar. Mas Jesus, sentado na cabeceira da mesa, esperava, esperava… O silêncio era absoluto. O que estavam esperando? Por que não começavam? A grande porta do céu, que parecia fechada para sempre, abriu-se. Um homem aparentando um aspecto triste e como quem vindo de tempos antigos, entrou com passo hesitante. O rosto de Jesus ficou radiante, abriu os braços e correu para abraçar o homem exclamando: “Judas, meu amigo, estávamos esperando somente a ti!”.

Uma história imaginária, como sempre. No entanto, muito fiel aos ensinamentos e ao exemplo de Jesus. Infelizmente, a nossa experiência nos diz que é mais fácil ter inimigos e adversários do que amigos e companheiros de caminhada. É instintivo, talvez até natural, revidar quem nos bate. Pensamos que seja sempre melhor bater um pouco mais, para o outro não pensar somos fracos ou dispostos a apanhar. Andar espontaneamente mais do que formos forçados a fazer nos parece, no mínimo, loucura. A lei do máximo proveito com o mínimo esforço funciona demais. Vale no cumprimento das obrigações da profissão, dos horários no trabalho, dos deveres na escola. Quem fizer algo mais do previsto no regulamento é considerado bajulador, alguém que quer aparecer, traidor da classe trabalhadora ou, simplesmente, diferente, do qual é bom ficar longe. Quem grita por justiça, muitas vezes, quer vingança porque, no fundo, quer ver o outro sofrer. Rezar pelos perseguidores? Um absurdo! O que tem que pedir a Deus é o castigo para eles. Assim pensamos, assim agimos. Vivemos na defensiva. Podemos não ter armas nas mãos, mas o nosso coração é pior que um tanque de guerra: solta fogo a toda hora e em todas as direções. São palavras grosseiras, julgamentos, ameaças, gritarias. No melhor dos casos chegamos à indiferença e ao desprezo; muito dificilmente oferecemos a reconciliação, o abraço, a conversa amiga e fraterna.

Posso ter exagerado, mas os noticiários nos espantam, o medo nos torna violentos e a nossa “humanidade” fica, cada vez mais, “desumana”. Teríamos condição de pensar e agir de maneira diferente? Não seria este mais um exagero de Jesus pedindo-nos o impossível? A resposta dele é clara: Deus Pai “faz nascer o sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). Ou seja, Ele ama a todos e a todos oferece a possibilidade de serem melhores. Os filhos verdadeiros só podem assemelhar-se ao Pai! Esse Pai é bondoso e misericordioso. Assim deveriam ser os filhos. Se acontecer o contrário, os que ainda não conhecem o Pai poderiam pensar que Ele é cruel e vingativo, que gosta mais de fazer sofrer do que de resgatar sempre de novo a dignidade dos seus filhos. Acabariam acreditando num Deus falso ou deixariam mesmo de acreditar. Se nem Deus é bom, a que serve a bondade? Por exemplo: perdoar, em certas circunstâncias, pode parecer um ato de heroísmo. No entanto deveria ser natural para os que se declaram filhos de um Pai que perdoa. Suportar incômodos para que os que causam isso entendam e se corrijam, antes de armar o barraco ou devolver o troco, deveria ser normal para quem diz ser filho de um Pai paciente e carinhoso. Assim acontece que, em lugar de aprender com Jesus a sermos “perfeitos” como o Pai é perfeito, chegamos a pensar que seja Ele o errado. Continuamos a dar-lhe sugestões para que nos ajude nos nossos planos, nada fraternos, de castigo, vingança e poder. Como sempre, os que devem mudar são os outros. Po r que nunca pensamos que os “Judas” poderíamos ser nós mesmo? Ainda bem que Jesus aguarda sempre a nossa volta. Ele não tem inimigos, só pobres “amigos” confusos.