Dom Pedro Conti

Uma só refeição


Certo dia, Abraão convidou para almoçar com ele, na sua tenda, um pobre que lhe pedia esmola. Antes da refeição, fizeram a costumeira oração de agradecimento. O homem, porém, começou a blasfemar, dizendo que o nome de Deus lhe era insuportável. Abraão ficou indignado com tanta ousadia e o expulsou da sua tenda. Aquela noite, quando estava orando, escutou a voz de Deus que dizia: “Abraão, aquele homem me xingou e amaldiçoou por cinquenta anos e eu nunca deixei de lhe dar o que comer todos os dias. E tu não conseguiste suportá-lo por uma só refeição?”

Chegamos ao último domingo de fevereiro e em pleno clima de Carnaval. Quarta-feira próxima iniciaremos o caminho da Quaresma. Quando retomarmos o Tempo Comum, já não iremos mais ler o que ainda resta do “Discurso do Monte”. Assim, o evangelho deste domingo é quase um final de quanto Jesus já nos propôs nos domingos passados. Faltaria ler o capítulo 7 do evangelho de Mateus, que se conclui com a famosa comparação entre quem constrói a casa sobre a rocha e quem a constrói sobre a areia. As tempestades da vida são as mesmas, mas o homem prudente escuta e pratica as palavras de Jesus e a “casa” não cai. A rocha sobre a qual alicerçar a nossa vida são, justamente, os ensinamentos do Mestre. Precisa entendê-los e transformá-los em vida. Está em jogo o sentido da nossa existência, o que nos preocupa tanto e o que estamos procurando, todos os dias, com tanto esforço.

Para Jesus não tem dúvida. Quem busca, acima de tudo, as coisas materiais não entendeu nada daquele Deus que ele veio nos revelar. Um Deus Pai bondoso que ama a todos, até os que não o conhecem e os que o amaldiçoam. Com efeito, o sol resplandece para todos e a chuva cai também sobre a roça deles. Este Deus Pai é também “providente”, porque não deixa faltar a beleza às flores e nem o alimento aos pássaros que vivem sem plantar e sem colher. Não é, evidentemente, um convite à preguiça, mas à confiança. Se faltam alimentos no mundo não é culpa de Deus que fez mal as coisas. É porque alguns de nós se preocupam demais com o que comer e com o que vestir. Assim pensam somente em juntar riquezas para si e não deixam nada, ou quase, para os outros. O que Jesus repreende é a acumulação; aquela excessiva preocupação que parece dar ao ser humano a ilusão de ter garantida, para sempre, a sua sobrevivência. Isso é puro engano: a vida é um dom e ninguém consegue negociá-lo por preço algum.

O convite de Jesus é simples e grandioso ao mesmo tempo. Nos diz para buscar, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça e todas as outras coisas nos serão dadas por acréscimo. É uma proposta simples, porque é algo que cada um pode fazer, pobre ou rico, em qualquer lugar do mundo. Basta desistir da cobiça e da ganância. Basta ver no outro a imagem de Deus, respeitar a sua – e nossa – vida. Construir amizades e não barreiras e divisões. É o Reino que começa nos pensamentos, no coração de cada um. No interior da pessoa, onde cada um decide o que é mais importante e o que o é menos. Esse Reino é feito de gestos simples e fraternos: uma porta que se abre para acolher, uma refeição partilhada, um trabalho em mutirão, um ombro amigo para se apoiar. Ao mesmo tempo, porém, o Reino é algo de grandioso, porque pode mudar tudo: as leis de um país, a economia mundial, a convivência numa cidade e entre as nações, a história ainda sangrenta da humanidade.

Quem vai continuar a empreitada do Reino que Jesus começou? Os discípulos dele, cristãos ou não. Tantos homens e mulheres de boa vontade de todas as raças, línguas e religiões, os que são perseguidos ou apontados como loucos sonhadores, porque decidiram não servir mais ao deus dinheiro, porque têm fome e sede de justiça, porque buscam o bem e a verdade. A questão é que nós, ainda, quando conseguimos ser bons, o somos com os que pensam e rezam como nós, do mesmo partido e da mesma cor. Ainda não aprendemos a sermos irmãos, filhos do mesmo Pai.