Dom Pedro Conti

CF 2017: “Cultivar e guardar a criação”


Iniciamos, na Quarta Feira de Cinzas, o tempo litúrgico da Quaresma, tempo que nos prepara para a vivência da Páscoa de Jesus, a sua paixão, morte e ressurreição. A vida dele foi um constante convite à “conversão”. Foi com estas palavras que iniciou a sua missão: “Convertei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo” (Mt 4,17). Estas palavras também são repetidas no rito da imposição das cinzas sobre a nossa cabeça. Em geral, quando dizemos de acreditar em Deus, entendemos que “conversão” deve ser algo que pede alguma mudança. Talvez seja necessário pensar um pouco mais nEle, rezar mais, ir mais na Igreja. Também um pouco de “penitência” quaresmal, como comer ou beber menos, não fa z mal. Sempre podemos recuperar nos meses seguintes. Ajudar algum pobre também nos faz sentir altruístas e melhora a nossa autoestima. No entanto estes são somente os primeiros passos da “conversão”. Não porque Jesus seja tão exigente e nos peça algo de heroico. Não, a questão é outra. Deus respeita a nossa liberdade e ama a todos porque é um Pai que não sabe fazer outra coisa a não ser amar os seus filhos, também aqueles que já o excluíram dos seus pensamentos e projetos de vida. Se queremos ser cristãos precisamos aprender a pensar e a olhar as coisas da vida com o mesmo pensar e olhar de Deus, assim como Jesus veio nos ensinar. Esta é a verdadeira “conversão”. Deve ser algo que mexe com toda a nossa vida pessoal e social: ideias, valores, decisões, afetos e sonhos. Quem reza o Pai Nosso, sempre repete: “S eja feita a vossa vontade”. A “vontade” de Deus só pode ser o bem de todos porque o nosso Deus é amor (1Jo 4,8). Somente se temos esta visão grande e bonita de Deus entendemos porque os cristãos não podem ficar indiferentes com o que acontece aos seus irmãos e à própria natureza. A paternidade universal de Deus nos impele para uma fraternidade universal e a sua providência nos convoca para sermos colaboradores com ele dando continuidade à criação e transformando-a para que seja sempre bela e generosa.

Sem estas considerações e sem lembrar as preocupações expressas pelo Papa Francisco na Carta Encíclica “Laudato Sí” sobre o cuidado da casa comum, não entenderíamos porque a Campanha da Fraternidade deste ano nos convida, mais uma vez, a sermos mais responsáveis com as condições do planeta Terra. De maneira especial devemos prestar atenção às riquezas únicas com que a natureza presenteou o nosso Brasil. Temos seis “biomas” naturais que devem ser respeitados e preservados: a Mata Atlântica, a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga e o Pampa. “Bioma”, explica o Texto Base da Campanha, “é um conjunto de vida (animal e vegetal) constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguo s e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria” (n.4). Cada “bioma” tem seu equilíbrio, seu jeito de se sustentar e sua própria função no conjunto global da região. Não só; a sobrevivência ou o desaparecimento destes “biomas” vai influenciar o clima e o equilíbrio ecológico do restante do planeta. Como sempre, estamos mais interligados do que conseguimos perceber: “somos cidadãos globais”. As condições da vida humana dependem também e cada vez mais da maneira como são usados, explorados ou preservados estes “biomas” com suas riquezas, suas limitações e fragilidades. O lucro das empresas ou o bem-estar de alguns poucos não podem ser mais as únicas motivações para o aproveitamento destes lugares. Está em jogo o futuro dos próprios biomas, das populações, das espécies animais e vegetais que deles tiram o seu sustento. Por isso falamos também de “conversão ecológica”. Precisamos mudar costumes, interesses e leis, se for necessário, antes que seja tarde demais. Devemos fazer isto em nome da nossa fé, se acreditamos que a Mãe Natureza é dádiva de Deus, ou em nome da própria Vida se temos a honestidade de admitir que somos somente hospedes de passagem neste planeta e que, portanto, não temos o direito de destruir o que, afinal, não nos pertence.