Pe. Claudio Pighin

O perigo é pensar que Deus não existe


Diariamente, eu penso que, se não tivesse a experiência de Deus, minha vida seria vazia e limitada demais. Imagino minha incapacidade de enfrentar a vida com o sentido que vai além do perceptível, do sentimento e da limitação humana. O que teria sido de mim sem essa experiência de Deus, em relação a mim mesmo, aos outros, a mãe natureza? Veja o salmo 52 das Sagradas Escrituras o que nos fala:

“Diz o insensato em seu coração: Não há Deus. Corromperam-se os homens, seu proceder é abominável, não há um só que pratique o bem. O Senhor, do alto do céu, observa os filhos dos homens para ver se, acaso, existe alguém sensato que busque a Deus. Todos eles, porém, se extraviaram e se perverteram; não há mais ninguém que faça o bem, nem um, nem mesmo um só. Não se emendarão esses obreiros do mal? Eles que devoram meu povo como quem come pão, não invocarão o Senhor? Foram tomados de terror, não havendo nada para temer. Porque Deus dispersou os ossos dos que te assediam; foram confundidos porque Deus os rejeitou.

Ah, que venha de Sião a salvação de Israel! Quando Deus tiver mudado a sorte de seu povo, Jacó exultará e Israel se alegrará.”

É um salmo, segundo a linguagem bíblica, do ‘tolo’, do ‘inconsciente’. O ateísmo no antigo oriente é para se entender mais no sentido prático e existencial. Não é como a nossa cultura moderna que focaliza mais no sentido teórico-especulativo. Esse ateu, descrito neste salmo, é convencido de que Deus não está nem aí por aquilo que acontece na história da humanidade, mas fica sossegado no seu mundo do céu, no seu trono celestial. É indiferente para a vida das pessoas. É por isso que a história é marcada e designada pelos mais poderosos, arrogantes que se tornam os dominadores dela.

Nesse sentido, o autor desse hino quer contestar essa concepção de vida e mostrar como Deus intervêm, na verdade, para fazer justiça. Porém, não como nós queremos mas como Ele quer. Os desígnios Dele, presentes na nossa história, não são os nossos: “Deus dispersou os ossos dos que te assediam”. Isto é, Ele derrota sempre os ímpios que assediam o justo. Esse hino, podemos compreendê-lo, com uma primeira parte onde se lamenta a injustiça ateia e uma segunda parte onde se invoca o julgamento divino acompanhado de uma oração de esperança.

Por quanto à lamentação sobre esse ateísmo, de fato, existe uma forte ligação entre injustiça e ateísmo. Não interessa que exteriormente o injusto seja um ‘praticante’, porque com o seu comportamento mal na vida social se torna parecido a um ateu. Hoje em dia é o que nós diríamos: todos esses escândalos de corrupção, de extorsão, de máfia etc. talvez essas pessoas envolvidas se dizem que são praticantes assíduas de igrejas, mas na verdade são ateias. E assim o salmista diz embora que Deus parece ausente, mas na verdade se revela vindo do céu em socorro do justo e combatendo o ímpio.

Por que Deus intervém? Porque vê que a humanidade está repleta de opressores, de corruptos e falsos. O sábio que busca a Deus não encontra a sua vez nessa podridão da sociedade. Ele é marginalizado. Continua o salmista: “Não se emendarão esses obreiros do mal? Eles que devoram meu povo como quem come pão, não invocarão o Senhor?” Explorar e desfrutar os pobres é um ato de sacrilégio, porque significa desafiar o mesmo Deus, que é o advogado que defende eles. E o Deus não reconhecido intervém na história perante essa blasfema provocação.

Assim o julgamento de Deus se torna presente. Aqui é resumido com três símbolos: o terror, o assédio e os ossos dispersos. O ‘terror’ é sinal da manifestação divina que vem julgar. O ‘assédio’ é uma imagem que quer dizer uma situação de perigo e de fim. E os ‘ossos dispersos’ tem conotações de enterro e exalta a grande vitória de Deus sobre os poderosos e sobre os ímpios. Portanto, essa oração é uma proclamação da efetiva presença de Deus na história da humanidade. Ele é o Senhor de tudo e de todos. E o salmo termina testemunhando a grande esperança na justiça que levará a triunfar os justos, os que sofrem, os que são explorados. E essa esperança de Israel, demonstrada aqui, é o retorno do seu povo deportado para Babilônia pelo rei Nabucodonosor. O povo que foi humilhado por essa superpotência ‘ateia’.

Assim sendo o salmo levanta um grito de esperança e de alegria não obstante o escândalo e as trevas da história. Creio que também todos nós temos esse grande desejo, não obstante todas as crueldades e tristezas da vida, que é Deus o nosso refúgio e o nosso defensor.