Pe. Claudio Pighin

Ó Deus, escuta a minha oração!


Já ouvi queixas de várias pessoas dizendo que foram traídas por seus ‘melhores amigos’: “Padre Claudio, estou acabado, não tenho mais forças para reagir, porque aquela pessoa que tanto estimava há anos, que confiava totalmente, ajudava em tudo, considerava-o como irmão, essa tal pessoa me traiu, aliás, anda falando mal de mim por aí. Inclusive, padre, éramos frequentadores assíduos da igreja, pessoas que compartilhávamos a santa eucaristia… Me sinto totalmente frustrado por essa traição. Não tenho mais palavras…”. Essa história, como tantas outras, é comum em nosso convívio. Então, a gente se pergunta como enfrentar uma dura realidade como essa: a traição dos amigos. As Sagradas Escrituras, pelo salmo 54, nos ajuda nesse sentido:

“Prestai ouvidos, ó Deus, à minha oração, não vos furteis à minha súplica; Escutai-me e atendei-me. Na minha angústia, agito-me num vaivém, perturbo-me à voz do inimigo, sob os gritos do pecador. Eles lançam o mal contra mim, e me perseguem com furor.

Palpita-me no peito o coração, invade-me um pavor de morte.

Apoderam-se de mim o terror e o medo, e o pavor me assalta.

Digo-me, então: tivesse eu asas como a pomba, voaria para um lugar de repouso; ir-me-ia bem longe morar no deserto.

Apressar-me-ia em buscar um abrigo contra o vendaval e a tempestade.

Destruí-os, Senhor, confundi-lhes as línguas, porque só vejo violência e discórdia na cidade.

Dia e noite percorrem suas muralhas, no seu interior só há injustiça e opressão.

Grassa a astúcia no seu meio, a iniqüidade e a fraude não deixam suas praças.

Se o ultraje viesse de um inimigo, eu o teria suportado; se a agressão partisse de quem me odeia, dele me esconderia.

Mas eras tu, meu companheiro, meu íntimo amigo, com quem me entretinha em doces colóquios; com quem, por entre a multidão, íamos à casa de Deus.

Que a morte os colha de improviso, que eles desçam vivos à mansão dos mortos. Porque entre eles, em suas moradas, só há perversidade.

Eu, porém, bradarei a Deus, e o Senhor me livrará.

Pela tarde, de manhã e ao meio-dia lamentarei e gemerei; e ele ouvirá minha voz.

Dar-me-á a paz, livrando minha alma dos que me acossam, pois numerosos são meus inimigos.

O Senhor me ouvirá e os humilhará, ele que reina eternamente, porque não se emendem nem temem a Deus.Cada um deles levanta a mão contra seus amigos. Todos violam suas alianças.
De semblante mais brando do que o creme, trazem, contudo, no coração a hostilidade; suas palavras são mais untuosas do que o óleo, porém, na verdade, espadas afiadas.
Depõe no Senhor os teus cuidados, porque ele será teu sustentáculo; não permitirá jamais que vacile o justo.E vós, ó meu Deus, vós os precipitareis no fundo do abismo da morte. Os homens sanguinários e ardilosos não alcançarão a metade de seus dias! Quanto a mim, é em vós, Senhor, que ponho minha esperança.”

Este salmo, esta oração, é justamente é uma clamação de um senhor que foi traído pelo seu melhor amigo. De fato, encontramos nessa leitura a imagem triste da traição. Por isso, o autor clama por Deus, reza incessantemente para ser ouvido, com a intenção de denunciar a sua cruel situação que está passando. O autor dessa oração lamenta profundamente essa traição do amigo, não consegue suportar. Teria sido mais fácil se tivesse sido um inimigo, mas um amigo? Ficou destruído. Veja bem o que diz o salmo: “Íamos à casa de Deus.” Estavam juntos nessa profissão de fé. Eles iam para o Templo nas festas litúrgicas solenes, cantando com muita fé e na tranquilidade.

Perante esta cena de harmonia e de amor e agora rompida pela traição e desilusão, ele queria que tudo se transformasse em nada. Praticamente esse fiel quis dizer: “Já pensou, estávamos no templo sagrado, na sua pureza divina, e, não obstante isso, esse amigo teve a coragem de me trair, de ser um grande mentiroso”. Diríamos hoje, não respeitou nem a igreja! E para encarar mais ainda essa traição, o autor descreve que “suas palavras são mais untuosas do que o óleo, porém, na verdade, espadas afiadas”. A ‘boca’ aqui é um símbolo das relações humanas que se torna calúnia.

Assim sendo, quanto mal pode fazer a nossa fala quando se torna falsa e enganadora? Ela tem uma força cortadora. Com as palavras se pode até matar. Perante essa realidade, como reagir? Segundo o autor deste salmo, ele confessa a vontade de fugir desse mundo falso e cruel. Não aguenta esta amargura. Porém, ao mesmo tempo, alimenta uma esperança viva, através da oração, que a ação de Deus não tarda a chegar para socorrê-lo. A confiança no Senhor é maior que a tristeza que os inimigos lhes dão. Por isso continua firme no seu caminho.