Pe. Claudio Pighin

O mal é derrotado pelo bem


Onde se enraíza o mal na nossa sociedade? Podem perceber como cada cidadão, para ser vencedor na vida, deve disputar com outros e, naturalmente, nem todo mundo pode ser vencedor. Consequência disso: quem não consegue, fica para trás. Mas também têm outros que nem conseguiram entrar na disputa, e esses aí estão aguardando outras oportunidades, se ainda tiverem tempo. Assim sendo, essa vida é parecida a uma corrida que vai afunilando a participação das pessoas em uma vida de dignidade. Essa corrida gera poder e exclusão. Certamente, não favorece fraternidade, mas, sim, privilegiados e desfavorecidos. Gera poderosos e humildes. E essa relação se revela bem distante daquilo que nos prega a Palavra de Deus. Aliás, é tão conflitante que pode se chegar até a conflitos de perseguição e morte. A violência prevalece sobre a paz. A leitura do salmo 57, das Sagradas Escrituras, mostra como enfrentar esses antagonismos de opressão e injustiça.

“Será que realmente fazeis justiça, ó poderosos do mundo? Será que julgais pelo direito, ó filhos dos homens? Não, pois em vossos corações cometeis iniquidades, e vossas mãos distribuem injustiças sobre a terra. Desde o seio materno se extraviaram os ímpios, desde o seu nascimento se desgarraram os mentirosos. Semelhante ao das serpentes é o seu veneno, ao veneno da víbora surda que fecha os ouvidos para não ouvir a voz dos fascinadores, do mágico que enfeitiça habilmente. Ó Deus, quebrai-lhes os dentes na própria boca; parti as presas dos leões, ó Senhor. Que eles se dissipem como as águas que correm, e fiquem suas flechas despontadas. Passem como o caracol que deslizando se consome, sejam como o feto abortivo que não verá o sol. Antes que os espinhos cheguem a aquecer vossas panelas, que o turbilhão os arrebate enquanto estão ainda verdes. O justo terá a alegria de ver o castigo dos ímpios, e lavará os pés no sangue deles. E os homens dirão: Sim, há recompensa para o justo; sim, há um Deus para julgar a terra.”

Este salmo precisa ser bem compreendido. Não podemos nos deixar levar por uma leitura superficial. Efetivamente, essa oração tem palavras muito fortes e violentas, mas precisamos compreender a cultura semítica daquele tempo. Essa cultura tinha a característica de personificar o mal em um inimigo bem concreto e também de exacerbar os sentimentos e as expressões verbais. São essas expressões violentas que querem imitar a fala das pessoas do cotidiano. E esse compositor se deixa conduzir pelas manifestações de símbolos e emoções em rezar aquilo que está sentindo e passando. Esse jeito de comunicar violento, encontramos também nos salmos 108 e 136. Eles revelam uma repulsa profética contra o mal que toma conta da história da humanidade.
Uma ansiedade dos profetas para que seja feita a justiça e enfrente a opressão. Naturalmente, tudo isso evidenciando e cadenciando quanto a linguagem humana é exasperadora. Podemos, nesse sentido, entender como oração dos pobres, dos oprimidos e dos abandonados que se dirigem a Deus para que os socorra. E o salmo foca uma questão importante que o ser humano não pode se vingar, mas isto pertence somente a Deus. Dito isto, vejamos os sentidos dos símbolos. A imagem da ‘serpente’ mostra como não se deixa induzir pelo “mágico que enfeitiça habilmente”. Assim, a venenosidade viperina dos ímpios, dos maus, resiste a cada pedido de conversão. Perante este perigo dos malvados, os justos confiam o escândalo da injustiça à ação esperada e implacável de Deus, Senhor da história, que fará a verdadeira justiça.

A respeito das ‘presas dos leões’, significa que os ‘maus’ moem tudo com os próprios dentes ferozes. E Deus irá quebrar-lhes os seus dentes, tirando-lhes as vítimas das suas bocas. Não só, intervém através uma ação de total purificação do mal que deve ser ‘dissipado como as águas que correm’. O autor dessa oração imagina ainda que os injustos, os poderosos, opressores, serão pisados e parecidos ao ‘caracol que deslizando se consome, e o feto abortivo’, isto é, impotentes e nojentos com um destino macabro. Insistindo, o salmista, com uma poderosa declaração judiciária, visto que acabaram com muita gente, teria sido melhor que não tivessem nunca nascido.

Por fim, termina o autor com o resgate do oprimido, através de uma cena bem cruel, onde a justiça feita derrotando o opressor: “O justo terá a alegria de ver o castigo dos ímpios, e lavará os pés no sangue deles.” É Deus que liberta, porque Ele está acima de tudo e de todos e, portanto, pode cumprir a justiça. Assim sendo, o justo pode esperar confiante que um dia vai ser libertado pelo seu Senhor. Para compreender melhor isso, basta ler essas palavras de Paulo que escreveu aos Romanos: “Não pagueis a ninguém o mal com o mal, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor. Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem.”(12,17a.19b-20a.21).