Dom Pedro Conti

Onde está o meu beijo?


Regiane era uma criança alegre e inteligente. Lhe faltava algo, mas ela ainda não sabia. O pai e mãe dela trabalhavam muito. Era uma bela família e viviam felizes. Certa vez, quando Regiane tinha dez anos, foi passar uma noite na casa de uma amiga, colega da escola. Antes de dormir, a mãe da colega ajeitou os lenções delas e deu o beijo de “boa noite” às duas. Junto ao beijo, a senhora disse à filha dela: – Eu te amo, filha – e a criança respondeu: – Eu também, mamãe -. Nunca, nem a mãe e nem o pai de Regiane tinham feito isto com ela. A menina ficou intrigada, matutando. Não conseguiu dormir; estava cheia de raiva com seus próprios pais. Voltou para casa e continuava a se perguntar: – Por que os meus pais não me beijam e não me dizem que me amam? -. Ficou calada por alguns dias. Depois decidiu tomar a iniciativa. Correu para a mãe, lhe deu um beijo e disse: -Eu te amo, mamãe -. Fez o mesmo com o pai. – Os dois adultos, no começo, tentaram se esquivar e pensaram: – Coisa de criança -. Mas tiveram também que beijá-la e responder: – Eu também te amo, minha filha! -. Assim, todo dia, antes de dormir, de ir para a escola ou chegando em casa, Regiane corria para beijar os pais. Certa noite se esqueceu. Então, a mãe, bem devagar aproximou-se da cama dela e disse: – Onde está o meu beijo? – – Ó mãe, esqueci – respondeu Regiane – – Não se esqueça nunca mais – continuou a mãe – Eu te amo muito – – Eu também, mamãe, não irei mais me esquecer, pode ter certeza -.

Para dizer que amamos alguém não precisamos de grandes discursos e de gestos teatrais. Muitas vezes a nossa aproximação, um sorriso e um abraço, são suficientes. Faz bem nos acostumar a gestos simples e sinceros. Porém, a condição essencial para que um gesto, comum ou extraordinário, revele um amor verdadeiro é que ele venha do nosso coração. De outra forma estaríamos enganando ao outro, ou à outra e, pior, a nós mesmos. Fingir, não é bom para ninguém.

No evangelho deste Sexto Domingo da Páscoa, Jesus começa a falar do Divino Espírito Santo. O chama de “defensor”, de Espírito da verdade; alguém que permanecerá sempre com os discípulos. O mundo, ou seja, os que não conhecem e não seguem Jesus, não o podem ver e nem imaginar, mas, para os discípulos, o Espírito Santo estará “dentro” deles. Claro que a nossa curiosidade e o nosso desejo de entender as palavras de Jesus querem saber “dentro” onde e como? Se responder “no coração” pode parecer uma resposta muito sentimental. Se disser “na inteligência”, é dizer bem pouco. Se ainda disser que é a nossa “consciência”, tem gosto de culpas e arrependimentos. Vou responder, mais ou menos, com as palavras de Santo Agos tinho: o Espírito Santo estará no mais íntimo do nosso íntimo. Este, é o “lugar” – que não é um lugar – onde travamos diariamente a luta entre o bem e o mal, onde tomamos as mais importantes decisões da nossa vida, onde experimentamos as alegrias mais puras e os sofrimentos mais marcantes.

Todos temos em nós este “lugar”, antes ou depois descobrimos a sua existência; também aqueles que parecem insensíveis e sem escrúpulos. A questão é saber se lá, no “lugar” mais secreto da nossa vida, está também o Espírito Santo, o dom de Jesus morto e ressuscitado. Importa-nos que ele seja mesmo o nosso “Mestre Interior” como os grandes Padres da Igreja o chamaram? “Mestre” é alguém que deve ser escutado, um guia que nunca cansa de nos ajudar. Responder, agora, “como” tudo isto aconteça é um pouco mais fácil: tudo isto acontece na oração. É orando que abrimos o nosso coração ao Pai amoroso e nos sentimos amparados, acolhidos, amados por ele sem condições. É lá que o Pai, que tem um coração de Mãe, sempre repete: – Eu te amo, meu filho -. Somos nós, pessoalmente e também como Igreja Comunidade, que, amarrados demais com as nossas preocupações, muitas vezes, não respondemos ou não ligamos. Esquecemos. Achamo-nos tão “adultos” e autossuficientes de não precisar de alguém que nos afague com seu carinho. Talvez seja algo que nos falta e ainda não descobrimos bem: o amor de Deus.