José Sarney

O perigo de falar


Falar já é um perigo, falar demais é um desastre. Por isso, o rei David já advertia que o melhor é “guardar a língua, porque guarda a alma de muitos atropelos”. Mas uma coisa difícil é ficar calado. Eu, por exemplo, depois de 40 anos no Congresso, cheguei à conclusão de que, ao contrário do que todos pensam, o parlamento é lugar de ouvir e não de falar. Por outro lado, ouvir é bom porque ensina. José Guilherme Merquior, esse talento extraordinário, talvez a maior perda da inteligência brasileira nestes últimos tempos, foi acusado de gostar de citar, e a mim observou: “pois é, se eu cito é porque li, se li aprendi e, se confesso que preciso de aval ao que estou pensando e me socorro dos outros, é prova de humildade”. E deu uma boa gargalhada!

Não vou falar das declarações do Sérgio Motta. Afinal, perdeu-se o hábito de pensar alto, e quando alguém pensa, todos se levantam em guerra para a malhação. Na juventude, os partidos de esquerda tinham o conhecido hábito da autocrítica. Cada um levantava e dizia o que queria, trocavam palavrões, defendiam-se e por fim a coisa terminava em pancadaria ou em cervejaria. O ministro das Comunicações tem dado provas de que comunica e não se trumbica, como dizia o nosso grande pensador Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Isso é simpático e muito humano.

Mas o que eu quero falar mesmo é sobre o hábito de as empresas americanas considerarem o Brasil país colonizado, de quem o colonizador pode dizer tudo. Veja-se a indelicadeza, a falta de visão, a injustiça das declarações feitas pelas empresas de pesquisa farmacêutica dos Estados Unidos, na visita do então presidente Fernando Henrique. “Os Estados Unidos devem abrir sua carteira para este país pirata de patentes?”, esta foi a pergunta pela qual pagaram US$ 200 mil para encher as páginas do “New York Times” e do “Washington Post”. A primeira resposta é outra pergunta: Quando os Estados Unidos já abriram sua carteira para alguém bater? Cada descoberta tem atrás de si o saber acumulado da humanidade ao longo dos séculos pelo homem. Desde os tempos da Rodada do Uruguai, o Brasil vem fazendo esforços para conseguir resolver o problema dentro dos seus interesses e respeitando os tratados e acordos que mantêm bi e multilateralmente.

Os Estados Unidos não têm a Lei do Comércio 301, votada pelo Congresso defendendo os interesses americanos? Por que o Congresso brasileiro não pode estudar mais demoradamente a lei de patentes? Sou daqueles favoráveis à solução do problema, respeitando, dentro dos interesses nacionais, a propriedade intelectual. Mas condeno esta prática do “big stick” e das ameaças. O anúncio feito pelas empresas farmacêuticas dos Estados Unidos foi, no mínimo, uma leviandade.

Mas essa gente tem cabeça de girico. Severo Gomes contava que, quando ministro da Indústria e Comércio, um relatório de uma grande produtora de medicamentos dizia: ‘Este ano o inverno foi pequeno, tivemos prejuízos porque não teve muita pneumonia. Mas fiquem tranquilos, já dispomos de todas as informações metereológicas e no próximo ano vamos ter um inverno de arrombar, com pneumonias, tuberculoses, mortes, hospitalizações multiplicadas por mil e iremos vender bastante num total de anular os prejuízos deste ano. Fiquem tranquilos os acionistas.”