Pe. Claudio Pighin

Deus nos abençoa


Entro em um pequeno comércio de manhã cedo e a dona logo me interpelou, dizendo-me: “Reverendo, o senhor se lembra quando abençoou o meu comércio no ano passado?” Eu respondi que foi antes do Natal. E ela retrucou: “Muito bem, a partir daí tudo melhorou nos meus negócios; pela primeira vez, depois de vários anos, não estou no ‘vermelho’. Agradeço a Deus pelo meu sucesso! Ah, mais uma coisa padre, eu estou dizendo pra todo mundo. Fui abençoada!” Perante os sucessos da vida, como dessa senhora, se reconhece a presença divina. Como Deus faz parte da nossa vida. E o salmo 66 das Sagradas Escrituras nos ajuda a compreender a manifestação divina no cotidiano do nosso trabalho.

“Tenha Deus piedade de nós e nos abençoe, faça resplandecer sobre nós a luz da sua face, para que se conheçam na terra os seus caminhos e em todas as nações a sua salvação. Que os povos vos louvem, ó Deus, que todos os povos vos glorifiquem. Alegrem-se e exultem as nações, porquanto com equidade regeis os povos e dirigis as nações sobre a terra. Que os povos vos louvem, ó Deus, que todos os povos vos glorifiquem. A terra deu o seu fruto, abençoou-nos o Senhor, nosso Deus. Sim, que Deus nos abençoe, e que o reverenciem até os confins da terra.”

Este salmo é um agradecimento pelo bom êxito da colheita agrícola, expressa no versículo 7: “A terra deu o seu fruto, abençoou-nos o Senhor, nosso Deus.” Perante essa aclamação, o autor quer que isto fique bem conhecido para todos. Todos devem saber como Deus abençoa o percurso histórico do ser humano, favorecendo-o com o alimento para o seu sustento. Não é suficiente o trabalho humano, mas precisa a benevolência divina.

Diante dessa verdade, o ser humano exulta de alegria, porque se sente protegido e seguro. Assim sendo, a criatura humana quer partilhar essa verdade com todo mundo: testemunhar como Deus é protagonista na sua vida. No final, isto demonstrou também aquela senhora do comércio, reconhecendo a intervenção de Deus para reverter a sua situação da negativa pra positiva. De fato, o salmista diz no versículo 8 que todos ‘O reverenciem’, fundamento da profissão de fé em Ywhè (Deus).

É também com essa graça de Deus que se torna sinal de sua presença e do seu amor com a criatura humana. E essa obra divina universalista é descrita em todo o salmo. Nota-se uma intensa reciprocidade de reconhecimento entre o ser humano, cosmo e Deus. Por isso, todos os povos são convidados a se unir ao povo de Israel para cantar ao seu Deus. Deste modo, significa que ninguém é excluído para conhecer o ‘caminho’ de Deus, isto é, o seu projeto de salvação.

Também a essas nações, longe de Deus, é revelado o Reino Dele que julga e governa toda a humanidade e a conduz à paz e a vida sem fim. A bênção de Israel é vista como uma semente jogada no terreno da história, pronta a nascer e crescer, tornando-se uma imensa arvore que abriga todo mundo. Essa nova realidade faz germinar o novo povo onde todos os seres humanos participam. Sendo assim, todos podem esperar que a esperança de um Deus que perdoa e ama demais faz parte da vida deles. E o papa Francisco nos ajuda com essa reflexão tirada da carta apostólica ‘Misericordiaet misera’: “Antes de mais nada, sentimos necessidade de agradecer ao Senhor, dizendo-Lhe: «Vós abençoastes a vossa terra (…). Perdoastes as culpas do vosso povo» (Sal 85/84, 2.3). Foi mesmo assim: Deus esmagou as nossas culpas e lançou ao fundo do mar os nossos pecados (cf. Miq 7, 19); já não Se lembra deles, lançou-os para trás de Si (cf. Is 38, 17); como o Oriente está afastado do Ocidente, assim os nossos pecados estão longe d’Ele (cf. Sal 103/102, 12).(…) A misericórdia renova e redime, porque é o encontro de dois corações: o de Deus que vem ao encontro do coração do homem. Este inflama-se e o primeiro cura-o: o coração de pedra fica transformado em coração de carne (cf. Ez 36, 26), capaz de amar, não obstante o seu pecado. Nisto se nota que somos verdadeiramente uma «nova criação» (Gal 6, 15): sou amado, logo existo; estou perdoado, por conseguinte renasço para uma vida nova; fui «misericordiado» e, consequentemente, feito instrumento da misericórdia. (…) Cada dia da nossa caminhada é marcado pela presença de Deus, que guia os nossos passos com a força da graça que o Espírito infunde no coração para o plasmar e torná-lo capaz de amar. É o tempo da misericórdia para todos e cada um, para que ninguém possa pensar que é alheio à proximidade de Deus e à força da sua ternura.”