Política

Elevado número de mortes em confronto com a polícia no Amapá preocupa a OAB

Levantamento está sendo feito e será levado à Comissão Nacional de Direitos Humanos da instituição, que tem um amapaense entre os seus 10 membros. Advogado Maurício Pereira faz críticas às ações policiais e afirma que a grande maioria das mortes é desnecessária e em muitas há indícios de execução por parte dos policiais


O elevado número de mortes de pessoas em confronto com a Polícia Militar no Amapá foi tema de debate neste sábado no programa Togas&Becas(DiárioFM 90.9) apresentado pelo advogado e radialista Helder Carneiro, que tem na bancada os advogados Wagner Gomes e Evaldy Mota, que discutiram o assunto com os conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil Helder Ferreira e Maurício Pereira.

Membro titular da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, o advogado Maurício Pereira condenou o que chamou de “excessivo número de mortes supostamente em confronto com policiais no Amapá”. Segundo ele, a grande maioria das mortes é desnecessária.

“Temos grande preocupação com a onda de criminalidade crescente, mas também temos estamos preocupados com a violência policial praticada nas operações policiais que combatem a criminalidade; temos tido no Amapá alto índice de letalidade nas operações policiais; ainda não tenho um número preciso, pois ainda estou fazendo junto com o Bolero (repórter e estudioso da violência policial), mas este ano temos dezenas de mortes em supostos confrontos com a polícia; e quando vamos ver os casos geralmente os tiros das guarnições policiais são dados em regiões letais, no peito e na cabeça, e geralmente para que não haja chance de sobrevida, para que as pessoas alvejadas não fiquem no local do evento para evitar a realização de pericia, elas são levadas para o Pronto Socorro, embora já mortas. Isso causa espécie, uma grande preocupação. Só neste fim de semana foram três casos. Naquele caso da ocorrência de tiros na guarita do Fórum de Santana não sobrou ninguém para ser processado, todos foram mortos na mesma circunstância”.

Perguntado pelo apresentador do programa se ele estaria supondo que pode haver um grupo de execução dentro da Polícia Militar do Amapá, Maurício Pereira minimizou: “Eu não quero aqui fazer afirmativa que está havendo execução, que tem grupo de extermínio; estou falando que nas operações policiais essas guarnições não têm preocupação, respeito com a vida do suposto meliante. Em regra é preocupação do policial não ser alvejado, mas tem que preservar a vida do suspeito para que ele seja legitimamente processo, para não cair no jargão de que ‘bandido bom é bandido morto’; tem que deixar para a justiça fazer o julgamento, principalmente a justiça do Amapá que é uma das mais competentes do Brasil; estando vivo o suspeito vai ser condenado pelo crime que supostamente, se é que ele praticou o crime”.

Instado a comentar sobre como ele analisa o posicionamento da maioria da população que aplaude os policiais quando há mortes em confrontos, Helder Ferreira lembrou que esse é um fenômeno que acontece em todo o país porque o povo brasileiro está cansado da violência, mas disse que a polícia tem que se preocupar no sentido de evitar a morte em abordagens policiais para que a vida de inocentes não seja colocada em risco.

“A população brasileira esta cansada da violência, que é resultado da ação de grupos de delinqüência que se organizam e espalham terror no Brasil, a exemplo do que está acontecendo no Rio de Janeiro. As instituições, não só a policia, mas também o MP têm papel fundamental; a população realmente aplaude, mas é necessário ter um cuidado muito grande para separar o joio do trigo. Se fizer uma pesquisa popular hoje, a maioria da população vai dizer que quer a pena de morte justamente em função do que está acontecendo em várias localidades, nos bairros, nas ruas; quando o bandido assalta, mata, estupra e vem policia e liquida em troca de tiros, a população aplaude; isso é comum em todo Brasil, mas tem que ter preocupação de preservar a vida sim. A nossa PM é preparada, temos bons policiais, mas tem que evitar a morte de inocentes. Se aconteceu de atirar no Fórum, na justiça de Santana, que dirá no cidadão comum; mas a PM tem obrigação de prender, e se houver confronto tem que se defender sim, mas tem que ser de forma moderada, para investigar e saber quem é bandido ou não, quem é culpado ou não”, analisou.

O apresentador do programa comentou que pelo menos 90% das mortes em confrontos de policiais com suspeitos de praticarem crimes ocorrem por falta de planejamento estratégico e ações preventivas: “Serviços de inteligência, planejamento estratégico e ações preventivas eficientes podem evitar a ocorrência de pelo menos 90% dessas mortes em confronto. O que aconteceu no Fórum de Santana não é fato isolado; dizer que o crime organizado não está agora aqui no Amapá é papo furado; o grande problema é que não temos um planejamento preventivo e, por isso, quando o Bope vai atuar fatalmente tem morte”, no que foi complementado por Maurício Pereira: “Se a PM tivesse trabalhado com inteligência policial, em vez de matar, a prisão teria sido mais salutar para a sociedade, porque presos eles poderiam revelar porque atiraram e que mandou atirar, para, a partir daí fazer a investigação”.

Wagner Gomes contestou: “É preciso levar em conta que o policial militar, na hora do combate, do confronto, não tem que pensar muito, porque ele tem que revidar para salvar a própria vida”. Maurício replicou: “Sou advogado criminalista há 15 anos, eu converso com inúmeras pessoas acusadas de crimes dentro da penitenciária, recebo clientes no meu escritório e digo sem qualquer risco de errar que dificilmente esses meliantes recebem a polícia, principalmente o Bope a tiros, porque todos são conscientes do risco e da letalidade que é o confronto com o Bope”.

Vida permanentemente em risco

Confessando-se ouvinte assíduo do programa, o administrador de empresas Bruno Cei, por telefone, defendeu a atuação da PM: “É preciso dizer que quando o policial acorda a sua primeira função após o café é defender a vida dele e de todos.nós. Eu conheço o doutor Maurício, tenho muito respeito por dele, mas é preciso primeiro pensar no policial militar; é fácil dizer que é preciso fazer serviço de inteligência, mas numa baixada, por exemplo, o policial às vezes tem 38 (revólver) tão velho que dá até tétano e bandido o recebe bem armado. Antes da questão social do bandido tem que entender e respeitar a atuação do policial militar. Poxa, se ele é preparado para atirar, para se defender e nos defender com arma na mão ele tem que fazer isso, porque senão daqui a pouco a bandidagem toma conta de tudo”.

Maurício Pereira admitiu que falta investimento em inteligência, mas não concordou com a opinião de Bruno Cei: “Realmente falta investir mais em inteligência policial, mas sobre o comentário do Bruno Cei eu quero dizer que no Amapá nós não temos esse quadro mostrado por ele, isto é, não temos bandido com fuzil em baixada; essa não é a nossa realidade, tanto que quando o Bope mata um meliante geralmente é apresentada uma arma velha e enferrujada, e se for fazer pericia naquela arma vai ser constatado que ela nem detona; eu fui presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB e na época levamos várias denúncias à frente, e hoje sou membro da comissão nacional, e estamos voltados para a violência policial em todos os estados, e defendo que a criminalidade tem que ser combatida sim, mas sem extermínio do criminoso”.

Outro ouvinte, o advogado Joaquim Gibson, também protestou: “Há mais de dois meses participei do programa Togas&Becas e na ocasião abordei essa questão da morte de tantas pessoas mortas pelo Bope, principalmente de jovens. Inclusive critiquei que eles prestam socorro às vítima que nunca chegam vivas no Pronto Socorro. Falo sobre isso constantemente nas redes sociais, mas nunca são tomadas as providências cabíveis para evitar essas mortes”. Em resposta, Maurício Pereira lembrou episódio recente ocorrido na sede da OAB do Amapá, em qe um vigilante foi morto a tiros por policiais do Bope após uma tentativa de furto na agência do Banco Santander:

– Conheço a atuação do doutor Joaquim, um advogado criminalista muito combativo. A coisa tão grave que chegou ao quintal da OAB, em que um vigilante nosso da OAB foi brutalmente assassinato por uma guarnição do BRPM (Batalhão de Radiopatrulhamento Motorizado). Segundo o delegado Celso Pacheco, o inquérito está em via de conclusão, já finalizando as investigações, mas certamente os policiais envolvidos serão indiciados porque as investigações vão demonstrar que os indivíduos que tentaram furtar o Santander nem armados estavam, mas foram para o confronto, o vigilante saiu pra ver o que estava acontecendo e foi alvejado e morto, e depois foi colocado como participante do furto; incriminaram o pobre rapaz ilegitimamente, e ainda houve fraude processual para tentar esconder; isso no quintal OAB é simbólico, porque é o que estava acontecendo na sociedade, e isso tem que parar – protestou.

Ataques aos direitos humanos

Helder Carneiro perguntou a Helder Ferreira a razão de tantos ataques feitos por setores da população à atuação dos órgãos de defesa dos direitos humanos. Ele atribuiu esses ataque à ignorância sobre o papel dessas instituições e à falta de divulgação mais ampla das ações nessa área:

– Alguns acham que direitos humanos é só defender bandidos e não é; faz-se muito nesse Brasil em favor dos direitos humanos, mas imprensa só dá destaque quando membros dessas comissões vão conversar com delinquentes, com criminosos, principalmente que cometeram crimes grave; acho que esse conceito tem que ser mais analisado; as ações nessa área são mais amplas, mais abrangentes; o certo é que qualquer pessoa pode, pessoalmente, denunciar quando há tortura, outros casos de violência; o cidadão pode denuncia ao MP e à Justiça, por exemplo e o preso não; mas á medida que  se avança a população vai se conscientizar que os direitos humanos defendem toda e qualquer pessoa de injustiças, de péssimos atendimentos, de filas em hospitais; o problema é que a imprensa não divulga isso, fazendo com que as pessoas tenham visão equivocada porque não tem noção que é essa mesma comissão de direitos humanos que ampara quando está com problemas na defesa de seus direitos – ponderou.

Falta de assistência aos presos

Mauricio Pereira criticou a falta de atendimentos aos detentos no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen): “A desinformação sobre o nosso trabalho é tão grande que agora criaram um jargão com um trocadilho, dizendo “direitos humanos para os manos”, como se atuássemos na defesa do crime organizado, e não é isso. Nós somos defensores dos direitos humanos de todos, sem exceção. O Estado tem direito de prender, processar, condenar e inserir no sistema prisional para ressocializar esse indivíduo, mas não é isso que acontece. Aquelas pessoas colocadas no sistema penal do Amapá e praticamente de todo o Brasil não têm oportunidade de ressocialização porque elas são brutalizadas; essas pessoas têm no Iapen um espaço de 5m x 4 com 20, 25 homens dentro, que ficam ali 22 horas por dia, só saem 2h para tomar banho de sol; não se cria um sistema de laboterapia, de trabalho dentro do sistema, que a lei impõe para remissão de pena; não há nada que possa fomentar a ressocialização, a assistência é deficitária, o apenado que adoecer no sistema penal vai ter dificuldade enorme para ser atendido porque na hora do atendimento falta viatura e guarnição; no Iapen não tem medicamentos, a não ser dipirona e antiinflamatório; se o médico prescrever antibiótico até a receita chegar à família o doente já está morto; a assistência médica e odontológica é muito deficitária; o sofrimento é grande; não se respeita o fato de que eles estão lá para perder a liberdade de ir e vir, agora afora isso, o preso tem direito de comer, de ter remédio, roupa e dignidade humana; o Estado tomou pra si essa responsabilidade, mas não cumpre com a sua obrigação”.

Wagner Gomes concordou e pediu a Maurício Pereira que essa situação seja apurada pela OAB Nacional: “Ontem eu estive no Iapen e falei com um detento, que me relatou tudo isso, que não tem assistência, falta veículo adequado para o transporte de doentes, enfim, eu constatei esse quadro desolador. Quero aproveitar para pedir ao doutor Maurício, de público, que faça essa denúncia à Comissão Nacional de Direitos Humanos em Brasília, para que juntamente com o senhor venham os outros membros da comissão para constatar essa situação caótica, penalizando quem tem de ser penalizado e obrigando o Estado a cumprir com a sua obrigação”.


Deixe seu comentário


Publicidade