José Sarney

Saudades verdes


Garcia Lorca tem um poema célebre sobre o verde, que muito repetimos na minha juventude, em que insiste no pedido de “verde que te quiero verde”.

Ando, ultimamente, com uma saudade imensa da Baixada. Não somente dos Municípios em que passei os meus primeiros anos (e aí vem Pinheiro), como os da meninice, em que vivi em São Bento, em cujos campos, que marcaram a minha vida para sempre, o horizonte não acaba nunca.

E aí surge a casa do meu avô, com os pés de figo — e os de romã, com suas frutas cuidadas pelas mãos bondosas de minha mãe, colhidas no Natal para que as vermelhas sementes pudessem ser comidas e assim trazer a felicidade dos bons anos.

O poço não era realmente o poço, mas o espelho em que tantas vezes me debruçava nas bordas para olhar meu retrato no fundo das águas.

O rincão que colhia as chuvas imensas de pingos grandes que desciam pelo telhado esparramado e sob o qual nós, meninos, tomávamos banho, sob o protesto de minha avó, receosa das gripes, tão comuns e ameaçadoras da tuberculose, que dizimava gerações.

Do grupo Mota Júnior — que depois vim a saber ter sido um antigo prefeito da cidade — recordo o rosto das minhas colegas e dos meus colegas, que a vida espalhou, mas que, na minha lembrança, estão juntos e não envelheceram.

Os sinos da igreja batiam nas aleluias e nas alegrias e dobravam na tristeza dos finados.

As festas da padroeira e de Nossa Senhora dos Remedinhos, no bairro dos Remedinhos, que tomou o nome à Mãe de Deus.

E a sala dos retratos: do meu avô, da minha avó, do meu bisavô e dos irmãos da minha avó, entre os quais Augusto Olímpio, que ela, com muito orgulho, dizia ter atravessado os mares, isto é, visitado a Europa e estudado em Portugal.

Agora é o tempo em que os campos estão secando, com a suspensão das chuvas, que este ano disseram-me ter-se prolongado bastante, de modo que as águas até hoje permanecem invisíveis, com o capim de marreca de Pinheiro, a canarana e o andrequicé, de São Bento.

Enquanto sonho a minha infância, já com a carga de muitos e muitos anos, acordo para defender-me das flechas do flecheiro-mor da República, que, graças a Deus, não tem mais bambu, embora se vanglorie de não ter utilizado os galhos de marmelo, que ele dizia que, em Minas, serviam para as surras que davam nas crianças para que doessem muito mais.

O Governador Plácido Castelo, do Ceará, me confessou, certa vez, que a caneta que possuía era uma caneta milagrosa: fazia a felicidade ou a infelicidade das pessoas, admitindo e demitindo, multando ou mandando prender, mas tinha um grande defeito: quando a tinta acabava, não servia para mais nada — e ele ficava com o arrependimento das vezes em que cometera injustiça.

O ex-procurador-geral da República, que os jornais dizem agora estar voando para as Europas, não tem mais bambu, nem tinta.

Eu, graças a Deus, nunca utilizei bambu nem tinta e não senti falta nem de um, nem da outra, quando deixei os cargos executivos que exerci.

Lá do Maranhão, todos me dizem que, além de flechas e bambus, a perseguição corre solta, atingindo amigos e inimigos. E a verdade verdadeira é que o Estado está andando de marcha a ré.