Entrevista

Desembargador Rommel Araújo diz que julgamentos têm que focar a justiça social

Mais novo integrante da cúpula do judiciário amapaense diz que as sentenças têm que levar em conta o grau de agressão, a vítima e o agressor, de acordo com a convicção do juiz e as provas dos autos para que a sociedade não seja apenada com a sensação de impunidade


Um dia após sua posse no cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Amapá, Rommel Araújo de Oliveira concedeu, com exclusividade, à bancada do programa Togas&Becas (DiárioFM 90,9), composta pelos advogados Helder Carneiro, Wagner Gomes e Evaldy Mota a sua primeira entrevista como desembargador. Oriundo do primeiro concurso da magistratura amapaense, realizado em 1991, o agora mais novo integrante da Corte Estadual de Justiça falou sobre a sua trajetória na área do direito desde quando começou a atuar no exercício da advocacia, em Brasília, seu trabalho como técnico judiciário do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o ingresso na magistratura, discutiu a realidade do Judiciário do Amapá e revelou como vai pautar as suas ações no desembargo.

Togas&Becas: Inicialmente queremos lhe dar parabéns e desejar boa sorte nessa nova empreitada, que sem dúvida é um grande desafio, porque o Tribunal de Justiça resolve também muitas questões políticas, e muitas vezes a população não entende que se trata de uma Casa de Lei, e que as decisões são tomadas de acordo com a convicção do magistrado, mas baseada no ordenamento jurídico.
Rommel Araújo: Agradeço pelo carinho e atenção que sou recebido no programa, hoje falando pela primeira vez como desembargador e com exclusividade com grande satisfação a este programa que tem a participação de um baluarte da advocacia que sempre aprendi a admirar, inclusive como presidente da OAB, o doutor Wagner Gomes, que além de excelente profissional é um amigo a quem guardo com carinho no meu coração junto com o doutor Evaldy Motta, outro advogado com quem tive o prazer de trabalhar quando ele estava quase diariamente fórum e vez por outra ele ia à 1ª Vara de Família, onde eu atuava, para tomarmos um café; e também ao doutor Hélder Carneiro, que também tive a oportunidade de acompanhar desde os seus primeiros passos na advocacia. Agradeço os votos de boa sorte porque sorte todos os amigos desejam às pessoas que gostam, e espero que, além de sorte, Deus me dê também serenidade e acima de tudo conhecimentos para eu poder honrar o cargo que desde esta sexta-feira passei a desempenhar.

Togas&Becas: Sua trajetória profissional começou no exercício da advocacia, ainda em Brasília, e já fazem 16 anos que o senhor se dedica à magistratura amapaense, e durante todo esse tempo a sua relação com a classe foi muito boa, pautada na ética, na moral e no respeito às prerrogativas profissionais. Como o senhor analisa essa trajetória?
Rommel Araújo: O carinho que tenho pela classe dos advogados não vem de agora; eu nasci em Brasília e assim que conclui o curso de direito eu passei a trabalhar com meu pai, e desde aquela época eu já percebia o quanto era importante a figura do advogado, mesmo antes da Constituição Federal de 1988 consolidar o advogado como imprescindível à justiça. Como juiz eu sempre coloquei nas minhas sentenças que a simples presença do advogado dá segurança para a família, é uma garantia para o preso e temor para o carrasco. O advogado é a segurança que pessoa tem de que nada de mal vai acontecer a ela; e eu via no meu pai a segurança que o filho sente com a presença do seu pai; eu tinha também nele a segurança do advogado; desde o início ele me ensinou a percorrer todos os caminhos da advocacia de forma ética, sem enganar, isto é, sem levar sonhos para os clientes, agindo de maneira serena e clara, orientando e mostrando ao cliente que o melhor caminho no crime é a confissão e no cível, o acordo, atuando com firmeza, segurança, sem nunca esquecer que não há diferença entre advogados, promotores e magistrados, porque nós três, juntos, compomos essa grande instituição que promove o exercício e a realização da justiça.


Togas&Becas: O senhor é reconhecido por toda a classe de advogados como um juiz de atuação firme, mas rápida, que sempre primou por não deixarem os seus jurisdicionados esperando por muito tempo pela sentença…

Rommel Araújo: Eu sempre tive, sobretudo, preocupação no sentido de dar uma resposta rápida às partes, mas, claro, pautadas na minha convicção e em consonância com as provas. Todos os dias eu sempre fui ao fórum porque sabia que eu poderia receber a visita de advogados de defesa de alguma parte, e que poderia de alguma forma contribuir para uma justiça mais célere; mas eu sempre miro na lição da mãe que, ao ouvir do filho que ele tirou nota 10 em determinada disciplina, respondeu que ele não faz nada mais do que a sua obrigação; eu sempre fiz a minha obrigação e ter esse reconhecimento dos advogados é muito gratificante; eu também advoguei, conheço as dificuldades da profissão e sempre ouvi do meu pai que advogar é catar milho no asfalto; é um exercício diário muito difícil; na minha época o advogado entrava com a petição e o juiz ao invés de despachar escrevia: “Junte-se, concluso”. Imagina o advogado explicar ao cliente o que significa “concluso”, e o juiz ficar postergando o despacho com pressão direta da parte em cima do advogado. Por isso eu sempre procurei despachar meus processos no menor prazo possível, sentenciar dentro do prazo legal, e Tribunal de Justiça, tenha certeza, eu vou continuar julgando de forma célere; claro, muitas vezes não é possível dar essa celeridade em função da complexidade de determinados casos; mas, no geral, a chamada “justiça em números” por si só não me seduz, porque nós, magistrados, temos que julgar de forma célere, mas de maneira acertada, sobretudo.

Togas&Becas: Era um frenesi, tantos para as partes, como para os advogados quando o processo era distribuído para a 2ª Vara Criminal na época em que o senhor era o juiz titular por ser conhecido como ‘mão de ferro’…
Rommel Araújo: No que diz respeito a eventuais comentários de que pelo processo ter caído na 2ª Vara Criminal o réu já estaria condenado, de ser ‘mão de ferro’, não; mas é necessário que façamos uma reflexão muito importante: ao juiz compete julgar numa vara criminal, e achando procedência na ação, a pena também tem, entre aspas, caráter de castigo, mas essa pena não pode perder o lado humano, de sorte a permitir que o criminoso não venha a delinqüir de volta; temos que dar importância devida às vitimas do crime. Há também muita incompreensão, por desconhecimento, como, por exemplo, a pena aplicada ao autor de um assalto, crime, aliás, que vem ocorrendo muito; um réu que usando arma de fogo venha praticar um assalto, sendo primário, sem nenhuma anotação de maus antecedentes, menor de 21 anos e ainda confessando o crime jamais pode ser punido com uma pena maior que o mínimo previsto na legislação atual, que é 5 anos e 4 meses; estando ele nessas condições, vai cumprir do 1 sexto da pena, e em menos de 9 meses tem progressão do  regime semiaberto para o aberto.

Togas&Becas: O senhor já recebeu reclamações de vítimas em casos concretos como esse que o senhor acabou de citar?
Rommel Araújo:  Eu via muitas vítimas voltarem ao fórum e diz: “Que juiz é esse? O senhor condena a 5 anos e 4 meses um réu que me bateu, me deu coronhada, ameaçou minhas filhas, e depois de 3 meses da sentença ele passou na frente da minha casa, olhou pra mim e riu”, pelo fato de que o tempo que ele passou preso já conta… Uma vez conversando com um colega, o doutor Hugo Leite, e ele me disse que uma pessoa foi no balcão do Juizado Especial e perguntou quanto custa dar um soco na cara de alguém? Paga cesta básica, e pronto. E a dor de quem sofreu a agressão? É esse balanço, peso e contrapeso que o magistrado criminal tem que ter a sabedoria de adequar e punir de forma necessária o réu sem jamais fechar olhos para a sociedade; inclusive dizem que quando era juiz criminal eu fazia parte da linha carcerária, pois na libertaria eu realmente não estava; mas eu sempre fiz um balanço entre a agressão, o agressor e o agredido, vendo a questão vitima e sociedade, senão o sentimento da impunidade acaba sendo mola propulsora para quem já tem vontade de cometer crime acabar cometendo”.

Togas&Becas: O juiz que atua em vara criminal muito tempo fica mais embrutecido?
Rommel Araújo: Não, embrutecido não, o juiz criminal que fica embrutecido perde as principais qualidades que o magistrado deve ter: equilíbrio, bom senso e serenidade; eu lembro que fazendo Medicina Legal, que eu curso, no IML se aprende tudo isso; a equipe vai pra rua nós íamos juntos; uma cena que me marcou muito foi um acidente de trânsito muito feio, com o corpo ficando dilacerado; o perito foi pra rua e sem nenhuma dor pegou um pedaço do corpo que e saiu levando; eu via aquilo ali como falta de sensibilidade, mas a rotina do trabalho fez aquilo natural; o magistrado, independentemente da vara que ocupa tem que, logo após acordar, depois de fazer as suas oração, ir para o trabalho renovando e recordando sempre o compromisso que fez de julgar de forma isenta, cumprir as constituições tanto federal e como estadual e buscando o que todos nós operadores do direito procuramos, que é colaborar para o bem comum e fazer com que a chamada justiça social venha sempre acontecer; e a justiça social tem que atender à sociedade como um todo.

Togas&Becas: O que Fe o senhor mudar da vara criminal para a Turma Recursal?
Rommel Araújo: A grande sabedoria do ser humano não está onde começar, mas saber a hora certa de parar. Eu era um crítico muito ferrenho, e muitas vezes somos críticos das sancões dos outros; nós sempre nos tornamos críticos da situação dos outros, e sempre achamos em determinados casos usaríamos estratégia diferente; eu tinha a visão critica se eu estive na vara criminal eu faria diferente, teria uma postura muito diferenciada; a partir do momento em que você critica, tem possibilidade, e você mudando não está contrariando seu ideal e sendo covarde com você mesmo. Surgiu a oportunidade de ir para a vara criminal e fui, porque se não fosse eu estaria traindo a minha própria convicção e vontade; assim fui parar na vara criminal, onde colaborei durante 15 anos e cumpri meu papel; mas chegou o momento em que, como canta Milton Nascimento, “mais se renovam as esperanças, nova aurora a cada dia”; nova autora é a nova geração, é mudar… Eu saí de lá para dar oportunidade para que outros magistrados viessem a fazer com uma visão critica e no sentido de ajudar a sociedade de forma melhor do que eu.

Togas&Becas: O senhor está chegando ao Tribunal de Justiça num momento conturbado, com o Ministério Público e advogados pedindo suspeição de desembargadores. Como é inequívoco, o senhor é uma espécie de 3ª via porque não tem ligação a grupos e, por isso vai ter liberdade para atuar…
Rommel Araújo: O momento da magistratura a nível nacional é complicado, mas o magistrado, independentemente da unidade federativa onde atua tem que ser independente porque o Poder Judiciário não teve ter rusgas, como também não devemos criar mitos no Poder Judiciário, por criar mitos em qualquer área é muito perigoso, cada um tem seu papel e todo mundo contribui; hoje com toda essa situação que o país atravessa a gente vê visões distorcidas; li uma matéria dizendo que juízes em geral ganham muitos, mas o Sérgio Moro, ganha pouco; isso começa a criar um mito; a justiça não pode ser de grupos, tem que ser um só grupo de julgadores discutindo uma questão para que tenha resultado que num órgão colegiado pode ser unanimidade ou por maioria, mas de sorte que haja respeito; digo com toda clareza e convicção que eu confio no Tribunal de Justiça do Amapá, na magistratura do Amapá, e digo isso com conhecimento de causa por que integro a justiça amapaense desde 15 de outubro de 1991, conheço todos os juízes e desembargadores; muitas vezes são rótulos que se criam por conta de pensamentos doutrinários e voto de consciência de cada um, mas distorcem como se fosse de linha ‘a’, ‘b’ ou c’, mas magistratura não tem linha, a magistratura tem uma única linha que segue a Constituição Federal, a Constituição Estadual e o conjunto de leis vigente; e é isso que a gente procurar cumprir e fazer cumprir.

Togas&Becas: Por sua atuação destemida, correta e arrojada, e por conhecê-lo muito bem, uma vez o desembargador federal Alberto Tavares Vieira da Silva, do TRF1 previu que o senhor um dia seria desembargador. Ele acertou na mosca…
Rommel Araújo: O doutor José Alberto Tavares Vieira da Silva foi meu primeiro presidente no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Quando eu advogava tinha que dividir a profissão com os estudos para concretizar o meu sonho de ser juiz, e diante do trabalho diuturna optei em largar a advocacia e me preparar para concursos e cheguei ao TRF1; na realidade eu nunca ocupei nenhum cargo em comissão ao longo da minha vida de sorte a dever favor a quem quer que seja eu sempre conquistei pela via augusta do concurso público, e cheguei ao TRF1 como técnico judiciário; aí eu achava que o doutor Alberto Tavares, que já me conhecia, era amigo de adolescência do meu pai sempre foram grandes amigos, que me daria de cara uma assessoria jurídica, mas ele me deu posse e fui trabalhar na Divisão de Análise e de Classificação, onde recebíamos todos os processos da Seção Judiciária do Distrito Federal, e eu tinha que ler todos os processos e distribuir, sem ganhar nenhum cargo em comissão. Dois meses depois ele passou na Seção, me cumprimentou e mandou subir dizendo que queria falar comigo; subi até à sala dele, ele em uma mesa grande, começou a rir e falou: está pensando que estou lhe prejudicando né? Eu de pronto respondi: não senhor, nada disso… Ele me interrompeu: “Ah, deixa o ‘presidente’ da porta pra fora… Está pesando isso né?” Eu respondi que sim, que eu poderia ser mais bem aproveitado, no que ele disse: “Eu sei eu que se eu lhe desse cargo em comissão você ficaria aqui o resto da vida toda; você não disse que quer ser juiz? Então fique onde está porque aí você está estudando o tempo todo, as maiores ações de competência original também vão passar por onde você está; leia e estude, aproveite, e se tivee tiver dúvida bata aqui que eu vou lhe ajudar. Eu soube aproveitar aquela escola. É por todas aquelas vidas iluminadas que passam pelos caminhos da gente, sem ser parentes, que muitas vezes nos ajudam, que a gente tem que ser grato; e o doutor Alberto Tavares é a uma pessoa que procurou investir em mim através do meu trabalho me dando oportunidade de ter conhecimento. Por isso eu sou eternamente grato a ele.

Togas&Becas: A partir da próxima segunda-feira o senhor já vai estar em seu gabinete no Tribunal de Justiça. Como vão ser pautadas suas ações daqui por diante?
Rommel Araújo: Renovo aqui o compromisso que eu assumi em 1991 e que na sexta-feira prestei para o Pleno do meu Tribunal: quero continuar cumprindo a Constituição Federal, a Constituição Estadual e as leis do meu país; o meu objetivo é e sempre será de contribuir para a aplicação da justiça buscando a paz social.


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