Dom Pedro Conti

O par de sapatos


Um homem, já de certa idade, entrou no ônibus. Enquanto subia, um dos seus sapatos escorregou para o lado de fora. Mas a porta se fechou e o ônibus saiu às pressas. Não foi possível recuperar o sapato. Tranquilamente, o homem retirou seu outro sapato e jogou-o pela janela. Um rapaz, vendo o que acontecera, perguntou: – Eu vi o que aconteceu e o que o senhor fez. Por que jogou fora seu outro sapato? – – Eu agi de forma que quem o encontrar possa usá-los. Provavelmente, apenas alguém necessitado dará importância a um sapato usado, encontrado na rua. Porém, de nada lhe adiantará ter somente um deles. Talvez, juntando os dois, possam ter alguma serventia. Para mim também, um só sapato teria ficado inútil.

Foi um pequeno gesto de generosidade, desprendimento ou, simplesmente, de bom senso. A ninguém serviria mesmo ter um sapato só. No entanto, em geral, preferimos juntar coisas, bens e riquezas, muitas das quais, de fato, nunca iremos usar.

O evangelho de Mateus deste domingo nos traz uma palavra de Jesus bem conhecida: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Muitas questões estão em jogo: o pagamento de impostos, nunca agradável para ninguém; a figura e a inscrição do imperador romano na moeda, algo escandaloso para os judeus. Para entender isto é só lembrar que “César” era considerado um deus e, portanto, a disputa pode ser colocada entre o Deus verdadeiro e os “deuses” falsos, ou ídolos, imortalizados pelos homens. No entanto, com sua resposta, Jesus, nos ensina a ir além destas controvérsias. Não é q uestão de verdade ou de mentira, de obedecer ou desobedecer, de legalidade ou ilegalidade. É questão mesmo de identidade…de Deus.

O “deus” César – o imperador de outrora e os poderosos de todos os tempos – cobrava os impostos e ai de quem não pagava. Ao contrário, o Deus, Pai de Jesus, doa tudo, até o próprio Filho. Ele faz isso não porque não precisa de riquezas materiais, mas porque é amor em si mesmo, nunca cobrança ou acumulo. O que ele nos pede, no máximo e ainda respeitando sempre a nossa liberdade, é uma resposta amorosa à sua generosidade.

Nós, por medo de ficar sem o conforto, escolhemos guardar o supérfluo e não o partilhamos com quem não tem nem o necessário. Quantos “tesouros”, de muitos tipos, são simplesmente guardados para o orgulho dos que se consideram os donos. Ficam trancados a sete chaves, por medo dos ladrões; na realidade já estão sendo subtraídos à alegria de quem nem imagina que existam. Quais frutos de bem, paz e justiça, produzem?

Também se falamos de impostos, entendemos que deveriam ser para o bem comum, para os serviços essenciais aos mais pobres, no respeito do direito à vida digna para todos. Todo imposto desviado da sua finalidade é roubado aos pequenos. Todo imposto que alimenta privilégios e discriminação é uma afronta à fraternidade. Exigir o uso correto do dinheiro público não é implorar favores, mas cobrar que se cumpra a obrigação de devolver a que tem direito o que de todos. Obras públicas inúteis, inacabadas, superfaturadas, lucros e salários astronômicos, são “pecados sociais”, verdadeiras injustiças porque, afinal, toda a s ociedade contribui, direta ou indiretamente, com os seus tributos e aguarda a justa administração deles. Além disso, como cristãos já deveríamos ter entendido que só é possível “dar” a Deus alguma coisa se a doamos aos nossos irmãos famintos, sedentos, desabrigados, doentes, presos e marginalizados. Com eles Jesus, o enviado do Pai, se identifica. Quando fechamos olhos, ouvidos e coração estamos servindo mais aos “Césares” deste mundo, que ao Deus da Vida, ao Deus Amor, que dizemos adorar. As obras de misericórdia podem ter rostos novos, mas nunca vão deixar de existir. Sobre elas seremos julgados. Continuamos a guardar o sapato velho. Um só, inútil. Ninguém mais vai usar, nem nós. Mas não o doamos. Por que?