Cidades

Abandonadas pela Anglo, famílias de vítimas da tragédia do Porto de Santana estão à míngua

Viúvas denunciam pressões psicológicas para assinarem acordo que acabou não sendo cumprido pela empresa. Crianças, algumas órfãs de pai e mãe e doentes, é que sofrem as maiores consequências.


As famílias das vítimas do desabamento do Porto da Anglo Ferrous em Santana (AP) estão sofrendo até hoje as conseqüências da tragédia porque, sem qualquer assistência da empresa, estão vivendo à míngua. Depoimentos emocionados das viúvas neste sábado no programa Togas&Becas (DiárioFM 90.9), apresentado pelo advogado Helder Carneiro, que tem sua bancada composta pelos também advogados Wagner Gomes e Evaldy Mota, dão de conta de que as crianças, algumas órfãs de pai e mãe e doentes, é que sofrem as maiores conseqüências. Uma dessas crianças, com oito anos de idade, padece de graves problemas psicológicos, chama constantemente pelo pai.

Uma das viúvas, Rosiane Quintela, reclama do abandono imposto pela empresa: “Ao contrário do que foi prometido, a Anglo abandonou completamente as famílias das vítimas. Basta ir à casa de qualquer uma de nós e ouça as crianças, o sofrimento que estão passando; tem criança ainda com 4 aninhos de idade que na época eram bebês… A situação é tão seria que estamos aqui (no programa) porque precisamos que isso chegue até a empresa; se algo não for feito a situação vai piorar ainda mais; nada do que foi acertado está sendo cumprido; eu mesma na minha ignorância não consigo entender como foi feito o acordo, porque o plano de saúde, por exemplo, uns recebem, outros não recebem, porque são vários casos, separados; teve pai que tinha cinco filhos, sendo três com a primeira esposa e dois com a segundo; uns foram atendidos, outros não, e a grande maioria padece de alguma enfermidade, principalmente psicológica, mas o plano de saúde não faz a cobertura”.

Segundo Rosiane, há casos em que, com o falecimento posterior da mãe, a criança ficou desamparada, além de outras com enfermidades graves: “Tem o caso da Ariele, atualmente com cinco anos de idade que está totalmente abandonada; o pai Uéglisson morreu no desabamento e o corpo foi encontrado após três dias da tragédia; a mãe dela sofria de lúpus e morreu um ano depois; a empresa sabia da doença, mas ela ficou totalmente desassistida, e a empresa ainda estava aqui; Ariele ficou com avó materna, que hoje se encontra na maior dificuldade financeira; a criança sofre muito, abalada psicologicamente e agredida de todas as maneiras; e só quem sabe disso somos nós as viúvas; tem também a Maria Clara, que o pai também faleceu, e trabalhava para empresa mesmo, mas o corpo dele não foi encontrado; o acidente vai fazer cinco anos em março, mas a Maria Clara, que está hoje com oito anos, ainda espera pelo pai; por causa disso ela tem bloqueio (de aprendizado) na escola, procurei assistência médica mas o plano de saúde não cobre o tratamento psicológico; ela tem delírios, fica conversando com o pai, reclama que ele está demorando muito, não sei como vai ser daqui pra frente; eu não sei como minha filha vai crescer com a falta do pai; e o pior é que não tem um lugar pra ela poder levar uma flor pra ele”.

Conforme a viúva explicou, após o acidente um dos proprietários da Anglo visitou todas as famílias e prometeu que daria toda a assistência necessária, mas isso ocorreu: “O Duncan, um dos donos da Anglo, na companhia de outro homem que não sei o nome, foi às as nossas casas com um monte de seguranças que fecharam as ruas; ele disse que entendia a nossa dor, que ele era um mineiro, que jamais abandonaria a gente e acompanharia noó e as crianças. Só que com o acordo da Anglo com a Zamin tudo caiu por terra, nunca mais tivemos contato; como ele mora em Londres (Inglaterra), ele prometeu que sempre teria um representante legal da empresa para nos atender, mas isso não aconteceu, ele não manteve nenhum contato, e hoje não existe mais representante; nossa comunicação com a empresa é só via e-mail… E quem não sabe mexer com um computador, quem não tem internet, como é o caso da dona Socorro, da dona deusa, que é mãe do Uéglison? O pai do Uéglison e da Ariane morava com ele, mas ambos morreram e ele, um senhor de idade, entrou em depressão sem ter sido assistido em absolutamente nada, e hoje está numa cadeira de rodas; depois da mortes dos filhos ele definhou, só chora, é depressivo, e o plano de saúde não cobre o tratamento”.

Pressões psicológicas

Escolhida como porta voz das viúvas na entrevista concedida ao programa, dona Rosiane denunciou que as famílias das vítimas foram muito pressionadas para aceitarem o acordo com a empresa logo após o desabamento do Porto: “A gente sofreu todo tipo de pressão para aceitar o acordo; a empresa colocava psicóloga pra nos acompanhar e ela ficava o tempo todo do nosso lado colocando na nossa mente, repetindo o tempo todo pra aceitar o acordo que seria bom, mas como viram que a psicóloga Túlia Cei, de Belém (PA) não estava tendo os resultados que eles queriam, colocaram mais uma psicóloga, Carolina Molinari, que não é daqui também, é de Minas Gerais; inclusive ela foi até a minha residência pra pegar minhas duas filhas pra dormir no hotel com ela; naquele momento eu não entendia a atitude deles e hoje nós nos sentimos lesadas porque naquele momento não havia ninguém pra cuidar da gente”.

Segundo Rosiane, desde os primeiros contatos após a tragédia a direção da empresa tentou se esquivar de qualquer responsabilidade direta, inclusive atribuindo o desabamento do Porto à lenda da cobra grande: “Logo no primeiro contato com as viúvas, a empresa na pessoa do senhor José Luiz, que será diretor da Anglo sentou comigo, Vanessa e Meire. Quando eles viram que todas as famílias dos trabalhadores mortos estávamos juntos, tanto os terceirizados como os funcionários, sem qualquer diferença, ele falou pra gente, ‘Olha gente nós não tivemos culpa, foi um acidente, acredita-se que existe uma cobra grande ali embaixo’. Essa foi a primeira fala deles, foi terrível a nossa reação pra cima dele, ele não esperava; eu me descontrolei pra cima dele… Ele foi desprezível, repugnantes, irresponsáveis!”.

Covardia

O advogado das famílias, Mário Gonçalves também foi ouvido pela bancada do programa. Ele qualificou a atitude da Anglo como “covarde” e afirmou que as viúvas foram coagidas para assinaram o acordo: “A empresa Anglo foi muito covarde no momento de dor, ainda quando ainda estavam buscando os corpos e a empresa passou a coagir todas as famílias das vitimas a sentarem à mesa para aceitarem acordos, que foram totalmente injustos; como uma vítima relata, a dona Genita, o valor que ela recebeu na época, coagida por todos os lados, foi um valor tão injusto, tão ínfimo, que não paga nem as lágrimas; o plano de saúde, como é do conhecimento de todos o pior plano do estado, não é aceito em lugar nenhum a não ser no próprio hospital do plano; o odontológico uns outros não; o único contato da empresa chama-se e-mail; como uma senhora analfabeta vai conseguir manter contato? Tem o caso de uma senhora que perdeu não apenas o genro, como também a filha e uma neta, que ficou sob os seus cuidados, nasceu com um defeito na genitália e precisa de cirurgia urgente, mas o plano de saúde não dá cobertura. É importante lembrar que as famílias perderam naquela época os seus esteios e essa perda ainda é muito latente ainda agora, as famílias estão passando necessidade, tem família passando necessidade. Estamos estudando várias ações contra a empresa com o objetivo de pelo menos minimizar essa situação injusta”.


Deixe seu comentário


Publicidade