Dom Pedro Conti

As palavras no chão


Um bom paroquiano acabava de participar da Missa e estava chegando perto da sua casa. De repente, um amigo aproximou-se dele e lhe disse: “Eu preciso lhe falar”. O bom homem viu naquele encontro um sinal do céu. Ficou tão entusiasmado que começou a falar de tudo aquilo que achava importante. Falou das bênçãos de Deus, da eficácia da oração, do compromisso, da satisfação em fazer o bem e explicou ao amigo que ele era um sinal enviado pelo seu anjo da guarda porque antes estava se sentindo só, mas agora não mais. Falou, falou com palavras inspiradas. O amigo o escutava em silêncio. Agradeceu e foi embora. O bom paroquiano perdeu um pouco da sua euforia. Também porque percebeu que, por conta da sua empolgação, não tinha prestado atenção ao pedido do amigo. Baixou os olhos e viu todas as suas palavras no chão, espalhadas na rua.

O trecho do Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum é a conclusão do capítulo 6 do evangelho de João. Deixamos Jesus, dois domingos atrás, afirmando: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51). Os judeus questionam: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” (v.52). Mas Jesus insiste: “Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida” (v.55) e ainda repete o que já disse no v.51: “Aquele que come este pão viverá para sempre” (v.58).

Apesar de estarmos, talvez, familiarizados com a linguagem simbólico-teológica do evangelho de João, sobretudo neste capítulo onde nos fala da Eucaristia, não podemos deixar de nos maravilhar das conexões que surgem entre elementos tão diferentes. Comemos é pão e bebemos é vinho. Só que o pão é a carne de Jesus e o vinho é o sangue dele. Sem fazer a ligação com a vida doada de Jesus e o seu sangue derramado na cruz esta linguagem fica incompreensível. No entanto, parece-me que o mais difícil seja entender o que representa para os seguidores de Jesus comer o seu corpo e beber o seu sangue. Significa escolher participar do seu amor, doando também a própria vida a serviço dos irmãos. O amor é a essência de Deus. Amar é participar da vida divina, vida esta que é plena, porque vai além do tempo limitado da nossa passagem neste mundo humano. A “palavra dura” do evangelho deste domingo não é, portanto, a promessa da vida plena, mas o jeito de alcançá-la. Esse é o paradoxo exigente de Jesus: é possível encontrar a “vida plena” somente perdendo-a, ou seja, gastando-a por amor a Deus e ao próximo. Se o egoísmo ou a indiferença falam mais alto, dá vontade mesmo de desistir.

É isso mesmo que Jesus pergunta aos discípulos: “Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6,67). A resposta de Pedro é uma verdadeira profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69). Para o evangelista João, Jesus é a Palavra de Deus feito carne (Jo 1,14), agora ele vai dar essa “carne” – o seu corpo, a sua vida – por meio do sinal do pão, como alimento àqueles que acreditarem nele. No memorial da Páscoa de Jesus, acontece uma comunhão extraordinária entre o ser humano e as Pessoas divinas. A Palavra sem Eucaristia pode resultar num discurso bonito, mas vazio; a Eucaristia sem a Palavra pode ser só um cerimonial bem-organizado. Palavra e Eucaristia são “alimentos” que se completam, um explicando o outro, um plenificando o outro. Na missa nos são apresentadas a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia para podermos nos alimentar de ambas. Acreditamos que Jesus é o Pão Vivo descido do céu, mas ele é, também, a Palavra viva. Essa Palavra não é um livro para ser simplesmente lido, mas é alguém que continua a ensinar, a corrigir, a perdoar e a enviar. A Palavra transforma a nossa vida quando se torna a nossa mesma maneira de pensar, de falar e de agir. Para conseguirmos isso, precisamos antes ser, nós mesmos, bons ouvintes da Palavra de Deus. Somente assim aprenderemos a escutar os irmãos para entender seus anseios, esperanças e necessidades. Sem escutar primeiro, falaremos à toa.