Dom Pedro Conti

Hospitalidade para os cavalos


Dois jovens, dotados de grande saber, peregrinavam pelos caminhos da terra, mal trajados e obscuros. Certa noite, chegaram numa cidade e ninguém quis dar-lhes pousada, exceto um pobre homem chamado Aarão. Anos depois, os dois tinham colocado a bom fruto os seus saberes e chegaram novamente naquela cidade. Dessa vez, porém, numa carruagem bonita e bem trajados. O homem mais rico da cidade logo ofereceu-lhes hospitalidade, mas os dois recusaram e se dirigiram à casa do pobre Aarão. O ricaço protestou, mas eles responderam: “Somos as mesmas pessoas a quem não destes a menor atenção, quando passamos por aqui, alguns anos atrás. Dá para entender que o vosso acolhimen to, hoje, não é propriamente para nós, mas para a nossa roupa e a nossa carruagem. No entanto, estamos dispostos a aceitar a vossa hospitalidade para os nossos cavalos”.

No evangelho deste domingo, encontramos mais uma parábola de Jesus. É bastante complexa na sua apresentação, visto que, talvez, confluam nela várias mensagens com objetivos diferentes, além da polêmica com os sumos sacerdotes e os anciãos do povo, que já encontramos nos domingos passados. Afinal, foram eles que condenaram Jesus. O pano de fundo é a festa de casamento do filho do rei. A festa, em si, é sinal do reino dos céus que só pode ser algo bom, alegre, com fartura de alimentos e bebidas. Uma festa também que, além de ser das mais requintadas, devia ser a mais cobiçada, por ser o convite a participar um sinal de honra e des taque. Digamos que somente pessoas seletas podiam entrar na festa. No entanto, eis aqui a primeira surpresa, os convidados não quiseram participar, não deram a menor atenção. Cada um continuou cuidando dos seus negócios e alguns maltrataram os que levavam os convites. Nessa versão da parábola, o rei considera a recusa e a violência dos primeiros convidados como uma afronta e manda destruir as cidades daqueles assassinos. “Eles não foram dignos”, comenta o rei.

A festa de casamento está pronta e, assim, outros são chamados a participar. Dessa vez, eis a segunda surpresa: nada de privilégios ou condições especiais. Todos vão ser convidados – os maus e os bons. Tal é a magnanimidade do rei, quer que a sala da festa fique cheia. No entanto eis a terceira surpresa, uma exigência: o traje de festa. Foi um pedido inesperado ou algo óbvio? Como pretender entrar na festa do casamento do filho do rei sem o traje adequado? À pergunta do rei, o “amigo” não sabe responder. Por isso, será severamente punido. Por fim, a frase enigmática: “Porque muitos são chamados, e poucos os escolhidos” (Mt 2 2,14).

Como já adiantei, nessa parábola confluem diversas mensagem: a recusa do povo eleito – os primeiros convidados – e o anúncio do evangelho feito aos pagãos, a todos: maus e bons. Esta era, provavelmente, a experiência da comunidade onde foi escrito o evangelho de Mateus: conviviam cristãos, que vinham do judaísmo, e outros do paganismo. Convivência nada fácil, cheia de avanços e recuos: saudade do rigor da Lei de um lado e conversões sinceras e livres do outro. Talvez o “traje” nos ajude a entender, digamos, o fio da meada. Afinal, o chamado é oferecido a todos, o Pai quer a sua “casa” cheia e alegre. A resposta, porém, cabe a cada um dos convidados. É possível recusar por achar o convite inútil ou, simplesmente, não entender nada do que aconteceu, não perceber a grandeza do convite, a maravilha de estar na festa do reino. Podemos pensar naqueles que não querem nada com Deus e com sua proposta de vida; acham que outras ocupações são mais importantes. Pensamos também naqueles que se consideram cristãos, católicos, mas, no fundo não gostam, acham tudo sufocante, exigente, enjoado. Estão na missa, distraídos e sempre olhando o relógio. O conforto é mais importante que a Palavra de Deus. A animação, vale mais que a Eucaristia. No fundo, não fazem o menor esforço para entender o que está acontecendo. O “traje” pode representar as condições mínimas para responder ao chamado do Pai com a gratidão de quem recebeu u m grande presente e não como alguém empurrado, conduzido por lá pelas circunstâncias da vida, sem graça, sem entusiasmo, sem consciência.

O “traje” distingue os homens que pensam dos animais. Aos cavalos da história interessavam somente o feno e a palha, qualquer lugar era bom. Os sábios buscavam algo mais: a acolhida sincera. Por isso, mostraram gratidão ao pobre que os acolheu a primeira vez.