José Sarney

Cruzado, o início da estabilidade econômica


O Brasil fez 30 anos do início da estabilidade econômica com o Plano Cruzado. Nenhum plano despertou tanta paixão: os especuladores de 1986 ainda o odeiam e o povo consumidor também não o esquece, pois foi a primeira grande distribuição de renda do Brasil: 30 milhões saíram da pobreza.

Os problemas que a Nova República herdara ameaçavam a estabilidade do País. Embora tivéssemos conseguido crescer em 1985, a economia estava desorganizada. A receita que queriam nos impor era a ortodoxia do FMI e da banca internacional. Enfrentei-os. Eu sabia dos riscos e perigos de fazê-lo, mas tive a coragem de congelar os preços e a taxa de câmbio, entre outras medidas. Derrotei-os, pois o Brasil a partir dali nunca mais seria o mesmo.

A Europa vive até hoje o que é o combate ortodoxo da crise de 2008. Desemprego alto, a agonia do estado social, isto é, o direito do povo à saúde, à educação, à aposentadoria e à seguridade social. O Plano Cruzado buscou a saída do mercado interno, barrou a especulação de preços e moeda. O capital internacional nos cercou e o interno seguiu o seu exemplo. Cortaram todas as linhas de crédito. Foi uma guerra. Quando perdemos na economia, ainda fiz a correção mensal dos salários como um colchão para defender o povo.

Hoje vemos o perigo da solução da recessão, com o nosso PIB caindo numa taxa histórica de -4% — que só havíamos visto em 1990 —, e o desemprego subindo a olhos vistos.

O Cruzado não foi somente um plano econômico. Foi um plano de consequências políticas que mudaram o país. Ele legitimou-me como Presidente da República, e sem ele eu seria deposto, com retrocesso democrático à vista. Ele possibilitou funcionar a Constituinte, que deu ao povo direitos sociais, garantias individuais, direitos do consumidor. Com ele fiz o seguro-desemprego, o vale-transporte, o programa do leite, a farmácia básica; dobrei o salário-mínimo. Houve a criação de uma sociedade democrática. Os “fiscais do Sarney” foram o acesso à cidadania.

Paguei — e até hoje pago — um custo de feridas não cicatrizadas. Mas foi nossa decisão que, desdobrada nos planos Bresser e Verão, veio até o Real. Este já estava idealizado pelo Ministro Sayad. Mas eu não tinha condições políticas de fazê-lo. O Presidente Fernando Henrique contou que, quando reuniu os economistas para construir um novo plano, eles lhe disseram: “Já está pronto, é só implantá-lo.”

Assim, o Cruzado foi vitorioso. Baixou o desemprego a uma média de 3,59% — a menor até hoje do Brasil —, chegando a 2,16% durante 1986. Nos meus 5 anos o crescimento do PIB per capita foi de 11,78% e o do PIB total de 23,74%. Graças ao Plano Cruzado a década de 1980 não foi década perdida para o Brasil.

O pleno emprego criado pelo Cruzado deu força aos trabalhadores, e não é sem motivo que já em 1989 quase fizeram o presidente.

No futuro, quando se escrever a história desses anos, o Cruzado receberá justiça como uma heroica decisão que mudou o modo de enfrentar crises e o Brasil.