José Sarney

Histórias de meu avô


O velho Assuéro, meu avô materno, era uma dessas figuras inesquecíveis. Vermelhão, rígido, ombros largos, olhos médios e claros — e um falar firme que dava a impressão de jamais falava sem ser dando ordens ou, às vezes, pensando em voz alta. Viera para o Maranhão tangido pela seca de 1921, com minha mãe, mocinha de treze anos, e mais quatro filhos, o mais novo, Alberico, que aqui ficou a vida toda, depois de ter passado alguns anos na Polícia Militar de Pernambuco, onde chegou ao posto de major.

Gostava de falar por provérbios, muitos deles nordestinos, onde tinha sentenças preciosas.

Uma delas, talvez a que mais repito, era uma que dizia: “Três coisas neste mundo a gente não pode contar: as estrelas no céu, pau torto e gente besta.” Outro era: “Não há doce ruim, cabra bom, nem mulher feia de vestido branco.”

Certamente era uma alusão às noivas porque todas ficam bonitas nos seus vestidos de vestido de cauda rendada, usadas naqueles tempos.

Comecei a observar e me influenciar por esses ditados e tenho a certeza de que toda mulher vestida de branco fica bonita. Hoje é uma coisa fora de moda e são melhores os tomara-que-caia e as minissaias, que nos trouxeram as pernas e pedaços de coxa à mostra, desfrute que os nossos avós não tiveram, pois, naqueles séculos passados, nem os pés podiam ser mostrados. O islamismo vai diminuir por causa de permissão para usar essas coisas modernas, com passagem pelo biquíni, aquele que, segundo Roberto Campos, “mostra tudo escondendo o essencial”. Mas nos países ricos já começou um movimento de retirar os seios do essencial, numa tendência de um futuro muito promissor para a tanga.

Comecei com meu avô e fui atraído pelo biquíni e o tomara-que-caia. Mas no fundo o velho não gostava mesmo era de pano, preferia sem nada, e a prova é que me deixou uma tia quase da idade de Roseana.

Ele só não admitia era casamento sem virgindade. Era rígido e revoltado naquilo que chamava questão de honra. Um dia, eu estava na mesa de café com meu avô quando chegou um seu compadre, chamado Raimundo, e contou-lhe:

— Compadre Assuéro, a sua afilhada Teresinha perdeu a honra!

A virgindade, naquele tempo, era uma coisa sagrada: as moças não podiam jamais ter relação antes do casamento, tinham que casar virgens. Havia até uma comissão que, de manhã cedo, ia verificar se o casamento tinha sido consumado e se a noiva era virgem. O defloramento era motivo de anulação previsto em lei.

O Raimundo continuou:

— Eu vim aqui, compadre, para que o senhor me ajude. Eu já levei minha filha à delegacia de Pedreiras. O delegado mandou chamar o Antônio, autor da desonra de minha filha. Ele disse que ia se casar com ela para reparar o mal. Essa era a fórmula do art. 1.548 do Código Civil de 1916, que vigorou até o começo desse século.

O compadre continuou:

— Então, marcamos para sábado passado o casamento. Eu fui com minha filha à cidade de Pedreiras para o casamento. Mas o Antônio não apareceu. Eu vim falar com o senhor para procurar o delegado e resolver a questão.

Qual não foi minha surpresa quando o meu avô bateu a mão com força na mesa e disse:

— Compadre, você tá ficando um homem sem vergonha! Vá dar um corretivo nesse sujeito e venha me pedir para tirá-lo da cadeia! Não me venha com essa história vergonhosa, que eu já estou até com raiva!