José Sarney

O leite da loba


O mundo inteiro ficou comovido com a história inusitada de um menino de rua, no México, que, fugindo de casa, perdido e sem nada para se alimentar, despertou o afeto de uma cadela -talvez da raça itzcuintl, sem pelos, que os astecas criavam para comer-, que passou a amamentá-lo ao lado de seus filhos.

Diferente foi a índia guajá, que também comoveu – e teve fotos em jornais e revistas de toda parte – ao entregar o seu peito a um porco-do-mato que, como o menino, apareceu perdido em sua palhoça. Num caso e noutro, a mulher e a cachorra valeram-se do sentimento da maternidade e do fato de o menino e o macaco terem fome.

História parecida com essa realidade de interação entre homens e bichos foi a saga de Rômulo e Remo. A lenda relata que ambos eram filhos do deus Marte com a troiana Réia Silvia e tinham sido jogados no rio Tibre. Chegando à margem, também com fome e frio, foram mamar numa loba, uma loba selvagem, mas de bons sentimentos, visão histórica e leite forte. Tão forte que os amamentados fundaram Roma, Rômulo fez muitas estripulias guerreiras e a loba virou estátua-símbolo da cidade -tão iconográfica que uma cópia dela veio parar em frente ao Palácio do Buriti, em Brasília, onde milhares transitam e vêem aqueles dois meninos mamando na bichinha.

No Brasil, temos aquele dito popular para marcar pessoas capazes de tudo, que diz: “Tem coragem de mamar em onça”, ou, se é sobre esperteza, “Tirar leite de pedra” ou “de cobra”.
Ultimamente, com as campanhas de amamentação, não se pode dizer que é por falta de seio materno que as crianças estão mamando em bicho. Passou aquele modismo capenga de que amamentar prejudicava a estética feminina. Ao contrário, não há evidências científicas de que boca de menino destrua a beleza dos seios de jovens mães, aconchego tão terno que, para dizer da idade de um bebê, a referência é de que “é menino de peito”.

Eu, de minha parte, criei o Programa do Leite, que chegou a atingir 8 milhões de crianças por dia e, graças a Deus, não vi notícia àquele tempo de nenhum menino tentando mamar em ovelha, cabra ou seja que bicho for para matar a fome.

O que havia de triste naquela história do menino do México não foram os peitos da cachorra, mas a tragédia dos meninos de rua, que enchem as cidades do mundo inteiro, famintos, doentes, abandonados. Como retrato desse fato, nada mais dramático e comovedor do que a figura que ficou símbolo da fome em Uganda, aquela mater dolorosa com o filho exangue no colo, o olhar triste para aquele corpo, que não tinha mais carne, só pele sobre os ossos. A essa imagem, que nos fez pensar no destino do gênero humano, junta-se, hoje, a paisagem dos meninos aidéticos africanos, amontoados, esperando o fim sem remissão.

Voltando ao leite, enquanto nos revoltamos com o problema da infância abandonada, temos aquela turma catalogada pelo humor brasileiro: “Mamando nas tetas do Tesouro Nacional” ou, como diz o Elio Gaspari, na Viúva.