José Sarney

Violas afinadas


Paulo Tarso Flecha de Lima é um dos melhores profissionais da diplomacia brasileira, tão rica de talentos e que tantos serviços tem prestado ao país. Ele não se situa no presente, mas na história do Itamaraty. Conheci de perto o seu trabalho. É feito com paixão, nada superficial, aprofunda-se nos temas e tem uma visão universal dos problemas e muito clara dos interesses nacionais.
Estas considerações servem para avalizar seu testemunho corajoso sobre a missão de ser embaixador em Washington: “Sou um embaixador que tem a grande frustração de trabalhar nos Estados Unidos, porque, infelizmente, não há uma visão política da nossa relação comercial”.

Não esqueço um café-da-manhã oferecido por Bush, na visita que fiz àquele país, em 1987, com a presença do secretário Baker, de Funaro, Saad, Ricupero e a minha. A discussão era sobre relações comerciais. Baker não se conformava com os sucessivos superávits do Brasil, no comércio bilateral. Saad deu-lhe uma tábua histórica, provando que, a longo termo, a vantagem era americana. Lembre que o nosso esforço de exportação naquela época era necessário para cobrir o exorbitante serviço da dívida em face das altas taxas dos juros internacionais. Lutávamos, como agora, pela queda de barreiras, sobretudo as não-tarifárias, e os produtos eram quase os mesmos: aço, tecidos, sucos, açúcar, café etc. A conversa azedou. Queríamos o levantamento de sanções e a abertura de barreiras. Nossa posição foi firme. Não era possível um tratamento desse tipo. Nenhuma visão política sobre o comércio e a dívida, num momento em que começávamos a maior onda de democratização no mundo, depois da Segunda Guerra, que era a que ocorria na América do Sul. Diante do tom inamistoso do encontro, Bush, diplomaticamente, observou que não tínhamos mais tempo em face de outros compromissos posteriores.

Vejo que nada caminhou. O mundo mudou. Mudaram nossas relações. Não existe mais confrontação. O Brasil não tem nenhum problema político pendente com os americanos. Mas o comércio continua com os mesmos problemas.

Pedem os Estados Unidos a abertura de nossos mercados, falam da necessidade de concretizarmos a Alca, a zona de livre comércio da Patagônia ao Alasca. Nós já fizemos nossa parte. Eles não fizeram a deles. A balança comercial brasileira é a favor dos Estados Unidos com grande diferença, que cresce cada vez mais.

Devemos distinguir o povo americano, o governo americano e o sistema americano de relacionamento com o mundo. Este não mudou, o sistema é o mesmo. Defesa, acima de tudo, de seus interesses comerciais. Nada de ingenuidade de nossa parte, portanto, em aderir à Alca. Ela é um instrumento contra nós.

Bem disse o ministro Lampreia, que cada vez fica melhor, que nós não iríamos derramar lágrimas porque o Congresso americano negou o “fast track”, isto é, a autorização para o Executivo negociar os acordos internacionais. Acrescentou o ministro Lampreia que “a Alca estava em banho-maria”. Ótimas notícias, e que como foi bom ver o então Lampreia aprovar e secundar as declarações do embaixador Paulo Tarso. Com as violas afinadas vamos bem.