Nilson Montoril

A revolução militar de 1964 e a censura


Quando eclodiu o movimento militar de 1964, duas emissoras de rádio funcionavam em Macapá. A mais antiga Rádio Difusora de Macapá era mantida pelo governo do Território Federal do Amapá e estava no ar desde 1946. Operava apenas em amplitude modulada, na freqüência de 1460 kilociclos. Tinha um bom alcance, notadamente à noite, podendo ser sintonizada até mesmo no exterior. A partir de 1953, a Rádio Difusora passou a contar com um transmissor de onda tropical, faixa de 61 metros e freqüência de 4.915 quilociclos. Com maior poder de penetração na região Norte só existia a Rádio Clube do Pará, que era mais conhecida pelo prefixo PRC 5. A emissora oficial do Governo do Território Federal do Amapá era autorizada a funcional com o prefixo ZYE 2. Seu slogan era: “Rádio Difusora de Macapá, uma voz do Amapá a serviço do Brasil”.

A segunda emissora de rádio a ser instalada em Macapá não tinha a autorização oficial para fazê-lo. Seus idealizadores e proprietários usaram de um artifício para colocá-la no ar. Valeram-se da condição política que alguns deles possuíam junto às autoridades locais e nacionais e emitiram um rádio-telégrafo contendo a suposta autorização necessária ao seu funcionamento. A idéia de fundar a nova emissora despontou em 1962, ocasião em que o Brasil estava sendo presidido pelo advogado gaúcho João Belchior Marques Goulart, que assumiu o poder depois que Jânio da Silva Quadros o renunciou no dia 25 de agosto de 1961. Esta emissora tinha o nome de Rádio Equatorial, prefixo ZYD 11 e freqüência de 1640 kilociclos, em Amplitude Modulada (AM). A rádio operou em fase experimental no segundo semestre de 1962 e passou a operar normalmente em dezembro do mesmo ano. Macapá ressentia-se da falta de uma emissora, haja vista que a Rádio Difusora só operava em onda tropical devido a problemas técnicos em seu transmissor de onda média. O transmissor foi remetido a São Paulo para conserto, mas a fábrica o declarou irrecuperável. Consequentemente, a rádio do governo territorial quase não era ouvida na capital. Em contrapartida, a Rádio Equatorial agia como ferrenha defensora governamental. Até mesmo uma casa de propriedade do governo, situada na esquina da Avenida Iracema Carvão Nunes com a Rua Tiradentes foi usada para que a Equatorial nela se instalasse.

Tudo corria muito bem para o lado dos proprietários da Rádio Equatorial até que, a 31 de março de 1964, um golpe militar destituiu do governo do Brasil o presidente João Goulart. Ocupava o cargo de governador do Território Federal do Amapá o coronel Terêncio Furtado de Mendonça Porto, nomeado por João Goulart a pedido do deputado federal Janary Gentil Nunes. No período em que os militares começaram a demonstrar descontentamento com a gestão de Jango Goulart, Terêncio Porto lhe declarou solidariedade. Também se mostrou solidário com os revoltosos, mas não os convenceu. Com a posse do General Luiz Mendes da Silva no cargo de governador do Amapá, a Rádio Equatorial foi fechada, encampada e teve seus bens incorporados a Rádio Difusora.
A emissora oficial tornou-se senhora absoluta da audiência no Território do Amapá operando em amplitude modulada e em onda tropical. Mesmo sem a declaração formal da censura, uma série de restrições foi impostas para os órgãos de imprensa. Determinadas palavras e nomes de políticos não podiam ser pronunciadas e muitas letras de músicas foram consideradas contrárias aos ideais da “gloriosa revolução de 1964” . Atuando na Rádio Difusora desde fevereiro de 1962, sempre tive cautela em minhas locuções. Só um louco cometeria a asneira de dizer que algum prédio do governo estava entregue às baratas ou que a gestão de governador ou prefeito era uma esculhambação.

A instalação da censura trouxe restrições ao pessoal da imprensa. Ninguém podia trabalhar sem ter uma carteira expedida pelo Departamento da Polícia Federal. Os órgãos de imprensa passaram a estar bem atentos à maneira de agir de seus funcionários e colaboradores. Os noticiários, roteiros musicais, crônicas e editoriais das emissoras de rádio tinham que ser submetidos à censura do Polícia Federal. A programação diária da emissora deveria der gravada integralmente e deixada por setenta e duas horas à disposição da Polícia Federal. Ninguém podia dizer no ar que nutria simpatia pela União Soviética, Cuba ou qualquer outro país considerado comunista. Os eternos descontentes viviam sob permanente observação e repreendidos quando se excediam. Eram bem quistos os bajuladores. No que se refere à propaganda comercial, não era permitido que se estimulasse o consumo de bens alimentícios e de combustíveis. Aliás, os postos de combustíveis fechavam as vinte e uma horas de sexta-feira e só voltavam a funcional às seis horas da manhã de segunda feira. Entre segunda e sexta-feira eles só atendiam os consumidores das seis às vinte e uma horas. Jornalista que usasse os termos “milico”, se referindo aos militares, entraria numa fria, como se costumava dizer.