Nilson Montoril

Em fuga para a Espanha, Perón passa por Amapá


Numa 5ª feira, dia 4 de novembro de 1955, por volta das 16h30min, um avião DC. 3 da Força Aérea Paraguaia aterrissava na pista do aeroporto da Base Aérea de Amapá, no então Território Federal do Amapá. A bordo do aparelho viajavam o ex-presidente da Argentina Juan Domingos de Perón, o piloto e uma comissária de bordo. A jornada de fuga de Perón teve inicio na madrugada de 2 de novembro, dia de finados.Juan Perón estava em Assunção depois de ter deixado Buenos Aires para não ser preso pelos militares que o depuseram da presidência da República Argentina. Às 14 horas do dia consagrado aos mortos o avião fez escala no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro para abastecer. Passou cerca de 20 minutos no solo. Feito o abastecimento, sem que houvesse fiscalização por parte da Aeronáutica, o DC. 3 decolou com destino a Salvador, na Bahia, aí pernoitando. Por tratar-se de um aparelho adaptado para transporte de tropas, o avião não tinha as acomodações que Perón estava acostumado a dispor. Mesmo mal acomodados, os ocupantes da aeronave passaram a noite de modo tranquilo sem qualquer perturbação. Da maneira como a presença do avião militar paraguaio foi encarada pelo pessoal da Aeronáutica, pode-se supor que as autoridades brasileiras sabiam que Perón estava a bordo e lhe concederam livre trânsito pelos céus do país. Ao amanhecer do dia 3 de novembro a aeronave deixou o aeroporto de Salvador seguindo no rumo norte.

O piloto paraguaio sabia que realizar uma viagem sobrevoando a região centro-oeste do Brasil era muito arriscado, haja vista que o vazio demográfico e a inexistência de campos de pouso não recomendavam viajar no trecho, mormente no período noturno. O combustível existente no tanque do aparelho só permitiu que ele chegasse a São Luiz, no Estado do Maranhão, onde se deu o pernoite. Em momento algum os ocupantes do avião o deixaram para buscar acomodações confortáveis fora dele. A alimentação compreendia enlatados, principalmente sardinhas, bolachas e água. Na manhã do dia 4 de novembro novamente o DC.3 alçou vôo com o propósito de chegar à Caiena,mas as autoridades da Guiana Francesa não concordaram em recebê-lo. Como já estava anoitecendo e a quantidade de combustível era insuficiente para chegar a Paramaribo, o piloto comunicou a seu ilustre passageiro que mais uma vez ocorreria um pouso em solo brasileiro, mais precisamente na pista da Base Aérea de Amapá. À época, a Base Aérea de Amapá já estava sob controle da Aeronáutica e abrigava em área próxima a Escola de Iniciação Agrícola, cujo diretor era o cabo Alfredo Oliveira. Exausto, mas confiante de que seu plano de fuga estava prestes a se configurar, Juan Domingos de Perón recebeu com invulgar simpatia as pessoas que foram ao seu encontro, dizendo-lhes que gostaria de manter contato com a maior autoridade civil presente naquela localidade. Ciente de que um homem de “língua enrolada” queria falar consigo, Alfredo Oliveira foi recepcioná-lo e lhe ofereceu hospedagem. Assim que o avião paraguaio aterrissou, o pessoal da Base Aérea entrou em contato com o governo do Amapá, via rádio, comunicando a grande novidade.

O governador Janary Nunes determinou que nenhum obstáculo fosse interposto a Perón e autorizou que o avião monomotor Bonanza, da frota governamental, fosse a Amapá. Embarcaram imediatamente o piloto Hamilton Silva e o radialista Agostinho Nogueira de Souza, cabendo a este último fazer uma reportagem com Perón. A ida de Hamilton Silva foi sumamente positiva para livrar Perón de um grande aperreio: o combustível do DC. 3 era insuficiente para cobrir a distância entre a Base Aérea e Paramaribo. Hamilton Silva sabia que na Base Aérea não havia gasolina de aviação, por isso, disse ao piloto paraguaio que misturando gasolina comum com a disponível no tanque do DC. 3, em maior quantidade, não causaria problema algum Ele mesmo já havia recorrido a esse recurso em várias oportunidades. Assim foi feito e o avião de Perón seguiu viagem até a sede da então Guiana Holandesa. Posteriormente, seguindo a rota do Caribe, Perón chegou a Madri.