Nilson Montoril

Frutas da minha infância


Os primeiros anos da minha vida, compreendidos entre maio de 1944 e abril de 1946, foram passados na cidade de Mazaganópolis, onde meu pai, Francisco Torquato de Araújo era prefeito municipal. Qualquer moleque com dois anos de idade já consegue comer determinadas frutas, desde que elas não tenham caroço grande. No quintal da residência do gestor municipal havia goiabeiras, bananeiras, cajueiros e camapu. Como não gosto de caju in natura e do suco que ele fornece, duvido que o degustasse.

Não aprecio camapu. Acredito que bananas e goiabas me agradavam muito. No Reduto do Rio Furo Seco, localizado na região das Ilhas do Pará, que era propriedade da minha família, a variedade de frutas era bem maior: taperebá, ingá (de moça, de velha, cipó, de macaco, pracuuba), grumixama, melão,melão-de-São Caetano, marajá, maracujá-do-sertão, murumuru grelado, açaí, bacaba,biribá,mari,mari-mari,sapoti, murici,jambo, manga, abiu, tucumã, mucajá, melancia e mututi.

Aliás, o interiorano aplicava outro nome a essa frutinha amarela e doce :” remela-de-cachorro”. No inicio de 1948, passamos a morar em Macapá, no centro histórico da cidade, mas não perdemos nosso vinculo com o Furo Seco. Nossa casa tinha sido feita sob encomenda, à Avenida General Gurjão, incrustada no quadrilátero urbano que os macapaenses chamavam de “Formigueiro”. Não tardei a conhecer uma frutinha meio azeda, cuja arvore ocupava um espaço por trás da sede do Esporte Clube Macapá, entidade esportiva que substituiu o Panair Esporte Clube. Meu pai dizia que o nome da fruta era ginja, trazida pelos portugueses no tempo da colonização de Macapá. De um modo geral, as pessoas apanhavam as ginjas para fazer doce em calda. A iguaria era gostosa, notadamente com farinha bem torrada. Em 1950, um pouco mais crescido e com seis anos de idade, passei a frequentar o Jardim de Infância, instalado à esquerda do Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Pertinho da minha sala havia uma frondosa árvore denominada mutambeira. As frutinhas eram pretinhas e doces. A molecada juntava e enchia a boca, mastigando-as para extrair um sumo bem agradável. A massa ninguém engolia. Em seguida, andando pela área do antigo campo de aviação da Panair do Brasil, conheci a maravilhosa “mama”, fruta envolta em casca de cor bege, cuja polpa era branca.

Quem a chupava em razoável quantidade dava a impressão de ter tomado leite, deixando o liquido escorrer pelos cantos da boca. O povo chamava a árvore de mameira, mas sua identidade florestal é tarumã-da-terra firme. O terreno que havia pertencido à Panair do Brasil e depois ficou como patrimônio dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul S.A. parecia um jardim de frutas exóticas.
Devido à extensão do terreno, o senhor Rocha, gerente da Cruzeiro, não dava conta de fiscalizá-lo integralmente. Furtivamente, as pessoas ultrapassavam as cercas de arame farpado para recolher inúmeras frutas. Ali conheci uma fruta muito gostosa, o jutaí, também rotulado como jatobá. Perto da casa do Seu Rocha podíamos ver alguns jutaizeiros e inúmeras frutas no chão. Seria arriscado demais tentar pegá-las. Uma vez, balando rolinhas, vi o Seu Rocha caminhando sob os jutaizeiros e decidi arriscar um pedido. A primeira pergunta que ele fez foi sobre minha filiação: ”tu és filho de quem, moleque?” Eu respondi: “do Seu Chico Torquato”. De modo cordial, Seu Rocha mandou que eu entrasse e juntasse jutaís. Menino do meu tempo dificilmente usava camisa.

Um calção, sem bolsos era o suficiente. Enrolei no cós do short umas três frutas, levando uma quantidade maior nas mãos. Desejei tanto dispor das sacolas que as donas de casa faziam com sacos de sal ou com pedaços de lonas de caminhão. A aventura me custou um baita carão dado, por meu pai. Nos terrenos baldios de Macapá, mesmo no centro da cidade, encontrávamos diversos pés de jurubeba. Algumas senhoras nos mandavam colher as frutinhas avermelhadas, mas diziam que elas eram venenosas e só podiam ser usadas para o preparo de xaropes.

Depois, soubemos que elas podiam ser digeridas sem cozimento. Seu Ponciano, ilustre morador do Formigueiro, dizia: “qualquer fruta, que o passarinho comer é bom alimento”. A declaração dele acabou com os velhos tabus.