Nilson Montoril

Fuá no Bar do Pina


A palavra fuá é bastante usada no Nordeste do Brasil. Se uma mulher sair à rua sem ter o cuidado de arrumar o cabelo, as faladeiras da vida alheia dirão que ele está um fuá, ou seja, ficou mal arrumado. Um cavalo manhoso e assustadiço também recebe o mesmo adjetivo. Quando ocorre briga nas festas e à conta disso termina mais cedo, o povo comenta que no forró houve um baita fuá. Obviamente, a palavra tem o sentido de confusão, fuxico, treta, muvoca, intriga, conflito e briga. Entretanto, a afirmação de que uma festa transcorreu na mais perfeita harmonia, o termo fuá deve ser entendido como balada.

O cancioneiro nordestino é repleto de músicas que narram brigas, Na composição “Forró em Caruaru”, o cantor Jackson do Pandeiro afirma, que: ”mataram vinte cabras, dois soldados e um sargento”. Em “Forró em Limoeiro”, o mesmo Rei do Ritmo diz: ”quem não tem peixeira briga no pé”. O sanfoneiro Luiz Gonzaga do Nascimento gravou muitas músicas do gênero fuá e vez por outra também se envolvia em conflitos. Até mesmo em Macapá, o Lua Gonzaga andou botando as suas asinhas de fora. No inicio de sua carreira, por ter o rosto arredondado, Luiz de Januário ganhou o apelido de “cara de lua cheia”, que foi sintetizado para Lua.

O cabra era namorador pra danar. Foi por causa de um namoro com a filha de um sujeito de bom nível financeiro, avesso ao romance, que o Rei do Baião levou uma surra do pai, o velho Januário e arribou de casa indo sentar “Praça no Exército”. Servindo em Minas Gerais, Luiz Gonzaga virou corneteiro dos bons e recebeu outro apelido “Bico de Aço”, porque o seu sopro era bem forte. Como marinheiro e soldado tinham muito cartaz com as mulheres, notadamente com as “horizontais” (prostitutas), o famoso filho de Exu, município do sertão Pernambucano transitava sob clima de intensa popularidade nos dançarás e no seio das mulheres desfrutáveis. A prova maior desta afirmativa foi patenteada no documentário “De Pai, Para Filho”, que se reporta à vida do filho famoso do velho Januário.

O cantor Gonzaguinha é fruto de um romance vivido por Luiz Gonzaga e a meretriz Adélia, nos prostíbulo do Mangue, Rio de Janeiro. Em suas incursões pelo Norte e Nordeste do Brasil, o Lua Gonzaga se divertiu a valer. Garoto propaganda do Marabaixo, levado a esta condição pelo Governador do Amapá, Janary Nunes, esteve em Macapá umas oito vezes.Numa delas, em 1956, após sua apresentação em praça pública foi levado por seus cicerones ao Bar do Pina, situado no trecho da atual Padre Júlio Maria de Lombarde, ao lado direito de quem seguia para a Rodovia Macapá-Clevelândia ou para o Porto de Santana.No mesmo trecho, na esquina com a Leopoldo Machado funcionava outro bar famoso, o “Canta Galo”. Na frente do Bar do Pina funcionava um dançará de reputação um tanto rasteira. Levado àquele local pelo pessoal da Rádio Difusora, cujo Diretor era o Agostinho Souza, Luiz Gonzaga quis conhecer o dançará e ali encontrou uma mulher bem simpática, a qual tomou por companhia.

A turma da Difusora ainda lhe pediu para desistir de tal intento, haja vista, que a garota era xodó de um cabra metido a valente, empregado da ICOMI. No Bar do Pina não havia dança,mas as vezes o “pau comia solto”. E foi o que aconteceu, quando o gostosão da pequena pintou no pedaço. O cabra foi querer levar a pistoleira na marra e o Lua não permitiu. Foi o suficiente para o fuá dominar as paradas de sucesso. Metido a “cavalo do cão”, o Rei do Baião levou um sopapo no pé do ouvido, que fez o sangue descer. Brigou todo mundo.

A turma da Difusora foi tentar apaziguar os ânimos e também apanhou. Chamada ao local. Devidamente apetrechada com os “produtos da Amazônia” (cassetetes de borracha) e “bordunas três sabores” (pedaços de maçaranduba pintado de vermelho, branco e azul), uma guarnição da Guarda Territorial, com a amabilidade que tão bem a caracterizava acabou com o furdunço. No plantão da Divisão de Segurança e Guarda estava o Delegado Antônio Melo, maneiro e aconselhador. Não houve quem o convencesse a soltar o Luiz Gonzaga, o zabumbeiro “Cata Milho” e o anão Zequinha, apelidado “Salário Mínimo”, o tocador de triangulo, antes do amanhecer. Nas outras vindas a Macapá, o Rei do Baião se comportou muito bem.