Nilson Montoril

Largo dos Inocentes


O Largo dos Inocentes consta na planta da Vila de Macapá traçada em 1761. As casas dos moradores deveriam ser construídas nas suas duas laterais, após a Igreja de São José. A largura do logradouro correspondia ao trecho ocupado pelo templo e pelas duas travessas que o separavam da Casa Paroquial e do Senado da Câmara respectivamente: Travessa de Santo Antônio e Travessa do Espírito Santo. No ponto de fundo paralelo a igreja ficava a última via pública da vila, que ostentava o nome do fundador de Belém, Capitão Francisco Caldeira Castelo Branco. Uma passagem, denominada anos mais tarde de Coronel José Serafim Gomes Coelho interligava o Largo dos Inocentes com a Rua General Gurjão e com a Travessa Floriano Peixoto. Ao lado esquerdo da Igreja de São José o espaço abrigaria a casa do vigário Miguel Ângelo de Moraes. No lado oposto foi construído o prédio do Senado da Câmara (atual Biblioteca Pública Elcy Lacerda). As casas que circundavam o Largo dos Inocentes tinham paredes barro (taipa de mão), assentadas em traçados de varas de taboca (bambu) atracadas a esteios de aquariquara. Não havia espaço entre uma casa e outra. De cada lado figuravam aproximadamente 15 casas. Ao longo da existência de Macapá, inúmeras famílias ocuparam as moradias. Em anos mais recentes, que antecederam a criação do Território do Amapá, famílias tradicionais ali se estabeleceram, entre elas: os Lino da Silva, os Tavares do Carmo, os Tavares de Almeida, os Serra e Silva, os Lino Ramos, os Tavares, os Gaia, os Lemos, os Mariano Picanço, os Silva, os Picanço, etc. O Largo dos Inocentes tinha então a maior concentração populacional de Macapá e as famílias mais numerosas, por isto dizia-se que o local parecia um formigueiro humano.

Em 1948, com a chegada dos Padres Italianos, a configuração do Largo dos Inocentes mudou. O trecho da Travessa José Serafim Gomes Coelho, entre o Largo e a Avenida Presidente Vargas (ex-Travessa Floriano Peixoto) foi fechado devido a ampliação as área que o Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – PIME, que congrega padres italianos e ainda permanece entre nós, precisou para instalar o Oratório Festivo e Recreativo São Luiz. As casas edificadas entre a passagem e a casa do Vigário foram desapropriadas. O domínio dos Padres ganhou cerca e virou “Quintal dos Padres”, local muito freqüentado pelas crianças da Paróquia de São José. Na área conquistada foram construídos: O Salão Paroquial Pio XII, a quadra polivalente de vôlei, basquete e futebol-de-salão, a Escola Paroquial São José, a sede da Juventude Operária Católica, a sede do Grupo de Escoteiros Católicos São Jorge, o Pensionato São José e o Cine Teatro João XXIII. No Salão Paroquial era celebrada a Santa Missa de Domingo, encenadas as peças teatrais dos meninos e das meninas e as exibições cinematográficas em máquinas de 16 milímetros . Depois da missa, os moleques ruins de bola jogavam futebol no Largo dos Inocentes, a despeito do solo ser duro e repleto de piçarra.

O Largo dos Inocentes tem este nome por causa da Rua dos Inocentes que ligava a Rua do Lago (General Gurjão) e a atual Coriolano Jucá, que já teve a denominação de Braz de Aguiar e se estendia desde a Vila Santa Engrácia e a estradinha que dava acesso ao “campo de pouso de aviões” da cidade No largo, eram realizadas as festas em louvor a Nossa Senhora Menina, ao Menino Jesus e aos pequenos Mártires Inocentes do inicio do cristianismo. Os festejos destinados a São Raimundo Nonato, São Luiz Gonzaga, São Benedito, São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário aconteciam no interior da igreja. A parte litúrgica em louvor ao Divino Espírito Santo e Santíssima Trindade também. Porém, desde o tempo em que o Padre Júlio Maria Lombaerd foi Vigário da Paróquia de São José, a parte profana ocorria no Largo de São João. Bem definida pelo sacerdote com a aceitação dos católicos praticantes, o evento ganhou o titulo de Festa das Coroas, desdobrada em duas quadras: Divino Espírito Santo e Santíssima Trindade. Os festeiros e os foliões do chamado Marabaixo não dispensavam costumeiras visitas ao Largo dos Inocentes, principalmente no período em que faziam o recolhimento dos donativos. Ainda assim, tinham que prestar contas ao Padre Júlio, afinal de contas não é ético e moral alguém colocar santo em esmola e se apropriar do dinheiro e bens arrecadados.

Nos dias atuais, o Largo dos Inocentes está muito descaracterizado, mas continua a mexer com a imaginação de muita gente. Há até quem diga que naquele espaço existiu um cemitério. Outros dizem que era um cemitério só de crianças não batizadas, daí a termo inocente. Não me consta que no catolicismo as crianças pedem a inocência depois do batismo, já que o sacramento instituído por João Batista lhes é ministrado em tenra idade. No período em que presidi o Conselho Estadual de Cultura ( 2004 a 2010), foi gerado um processo visando o tombamento do Largo dos Inocentes, pelo seu valor histórico e etnográfico. Os governantes não lhe deram a atenção devida.