Nilson Montoril

Mazagão por via terrestre – I


uando os colonizadores portugueses decidiram desativar a cidadela de Mazagão, no Marrocos, deslocando para a Amazônia parte do contingente populacional que ali residia, um processo seletivo indicaria os que ficariam em Lisboa e os que se estabeleceriam em Belém do Grão Pará e Nova Mazagão. Diferente de Macapá, que surgiu como povoado, Nova Mazagão despontou como vila. Os dois núcleos eram necessários para firmar a soberania lusitana na Amazônia Oriental. Nova Mazagão, devido a sua localização enfrentou mais problemas do que Macapá, chegando ao ponto de ver muitos vilarinhos abandonarem o burgo em busca de lugares mais propícios para viver. Não fosse a persistência dos menos favorecidos economicamente, a vila poderia ter se revelado um grande fracasso. Em dado momento, devido às chamadas doenças de mau caráter, como o sarampo, tifo e malária, as autoridades estabelecidas em Belém chegaram a pensar em promover a transferência dos moradores para a Colônia D. Pedro II, no Rio Araguary. Como o empreendimento que redundou no surgimento de Ferreira Gomes também capengava e os custos para a mudança revelaram-se elevados, Nova Mazagão escapou da extinção. O Rio Mutuacá (mata do mutum) é um tributário do Amazonas cuja nascente está localizada no Lago dos Aruãs a montante da vila de Mazagão Velho. Recebe dois importantes afluentes: o Ajudante, pela margem esquerda e o Igarapé Grande pela margem direita. O Mutuacazinho, à esquerda de seu curso provém dos lagos acima do Carvão. A localização de Nova Mazagão foi instalada numa área de terras altas, delimitada pelo Igarapé Piri e pelo próprio Mutuacá. Este caudal teve sua denominação alterada pelos moradores da região para “rio de Mazagão Velho” ou simplesmente Mazagão Velho. O trecho estreito do Mutuacá, que passa em frente ao  núcleo populacional já foi um pouco mais cargo e profundo permitindo a entrada de embarcações de razoável calado. O estreitamento e assoreamento decorreram de questões geológicas e não de uma praga lançada sobre o rio por um padre da Ordem de Nossa Senhora da Piedade. Nos dias atuais, os bergantins utilizados no inicio da instalação da vila teriam problemas para alcançar o trecho. Entretanto, as viagens programadas para este tipo de embarcação aconteceram no período invernoso com a ocorrência de maré laçantes. Os mazaganenses, que já foram identificados como mazaganistas, se acostumaram a percorrer longos estirões por via fluvial. A maioria do pessoal utilizava pequena canoa classificada como “montaria”. Quem possuía condição financeira mais confortável navegava em regatões, batelões e vigilengas. Mesmo nas montarias, os caboclos improvisavam velas quando o vento era favorável. Estas “velas” podiam ser folha de açaizeiro, galho de árvore ou singelas bujarronas preparadas com tecidos de velas descartadas pelos donos de canoas grandes. Vieram, progressivamente, os motores a vapor, os motores a óleo e os motores de popa. O morador de Mazagão Velho, que precisasse empreender uma viagem para Macapá, recorria aos proprietários de canoas grandes a vela ou se disponibilizavam a remar por até 8 horas na vazante da maré. Para alcançar a região cortada pelos rios Navio, Maracá, Cajary e Jarí, o tempo de viagem era bem superior. Para ir a Belém, o mazaganense recorria aos préstimos dos comerciantes donos de canoas grandes a vela. Os mutuacaenses sabiam a programação das viagens de seus “patrões”, para os quais vendiam as sementes oleaginosas (murumuru, apracaxi, ucuuba e andiroba), repassadas à Praça de Belém para o fabrico de sabão e velas votivas. Assim, embarcavam no navio gaiola “Sapatinho de Noiva” (Clodóvio Coelho), na lancha “Ondina” (Senador Flexa), barco “Corsário” e canoa “Patrulha” (Francisco Torquato), “Cidade de Mazagão” (João Potock) e outras. A conta do isolamento, de Mazagão Velho perdeu a escala dos navios “Cassiporé” e “Oyapoque”, que ingressavam no rio Mutuacá, mas não podiam chegar até o porto de Mazagão Velho, surgiu, em 1915, Mazaganópolis (Cidade de Mazagão). Instalada na margem direita do Furo do Beija flor, a nova sede do município suavizou a questão do isolamento, mas não o eliminou.