Nilson Montoril

O boteco do Neco Brito


Um capricho do destino uniu duas almas que encarnaram em locais relativamente distantes. Anésio Amoras de Morais Brito e Eliza Homobono Brito. Ele, nascido no dia 11/11/1907, na vila do Igarapé Grande, arquipélago do Bailique. Ela despontou para a vida no município de Chaves mais precisamente na localidade Ciriaca, Ilha Viçosa, no dia 18/3/1916. Anésio, conhecido como Neco, pescava e criava gado. A notícia sobre a criação do Território Federal do Amapá o motivou a mudar-se para Macapá, em busca de melhor condição de vida para a família, então composta por ele, Dona Eliza, que estava gestante (Cristina), o filho José e a filha Marluce. Corria o ano de 1944, e o governador Janary Nunes estava implantando seu governo.

A mão de obra prioritária era composta por operários da construção civil, o que não era o ramo de Neco Brito. Com o dinheiro da venda de sua propriedade no Igarapé Grande, Neco Brito alojou sua trupe na canoa a vela “Titular”, decidido a abrir um boteco em área próxima a Fortaleza de São José. Com o passar do tempo, a área hoje cortada pela Av. Hélio Penafort, ganhou a denominação de “Baixa da Maria Mucura”. No limiar desse logradouro, teve inicio um arremedo de via pública denominada Fernando da Costa de Ataíde Teive, que depois recebeu o nome Rio Maracá. Na esquina da mencionada avenida, com a Rua São José, em ponto bem concorrido, que atualmente abriga uma loja sortida, foi instalada a mercearia “Jesus, Maria, José”, titulo expressivo, mas relegado pelos fregueses, que preferiram rotular o empreendimento como “Boteco do Neco Brito”. Anésio continuou exercendo a atividade de pescador. Mostrou que o trecho do Rio Amazonas, na frente de Macapá é piscoso e tem excelentes peixes. Numa de suas pescarias, ele capturou uma bela piraíba (filhote) e decidiu oferecê-la ao governador Janary Nunes, que a aceitou e o declarou como pescador oficial. Progressivamente, a família do casal Anésio e Eliza foi crescendo.

Na capital do Amapá, contando com a ajuda de “aparadeiras”, nasceram Maria Cristina, Maria de Nazaré, Águida Maria, Sônia Maria, Maria Regina e Salvador. Apenas a Nazaré Maria nasceu na Maternidade. Foram nove rebentos no total. Para suprir a necessidade da prole, Dona Elisa devotou-se ã costura coisa que fazia muito bem. Tinha uma seleta freguesia, inclusive gente da alta sociedade macapaense. Também preparava cachorro quente e pasteis, que o José Homobono saia vendendo pelos arredores do boteco. O ponto alto da venda ocorreu no decorrer do ano de 1953, com a construção do Mercado Central, graças ao apetite dos operários da importante obra.

O Boteco do Neco Brito foi freqüentado por tripulantes dos barcos do governo, operários que fizeram a restauração da Fortaleza São José, membros da Guarda Territorial aquartelados na fortificação, moradores do então bairro da Fortaleza, incluindo os habitantes do Remanso/Elesbão e a Baixa da Maria Mucura. Os habitantes do nascente bairro do Trem, notadamente a turma da birita, também costumavam ir rogar a proteção de “Jesus, Maria, José”. O boteco servia cachaça Alvorada, peixe salgado, carne de caça, principalmente de cotia, jacaré (abatido no quintal do botequim), açúcar moreno(mascavo), açúcar molhado, sal, querosene, tabaco, feijão sacaninha, farinha d’água, Flip Guaraná, sardinha em lata, carne em conserva e tira gosto. O aperitivo mais apreciado era a famosa “meladinha”, preparada com uma colher de mel, dois limões e três dedos de cachaça. A pinga tinha de ser a Alvorada, fabricada em Abaetetuba.

Em meados da década de 1950, Dona Eliza preparava saboroso mingau de milho/banana e café, que as filhas Cristina e Maria de Nazaré iam vender na frente do Mercado Central. Ainda amassava açaí para vender. Dona Eliza controlava toda a renda das vendas, cabendo ã Marluce elaborar a escrituração e manter atualizada a lista dos devedores. A residência dos Homobono Brito foi edificada em um terreno cedido pela Prefeitura de Macapá, ã esquerda da Rua Coronel José Serafim, entre as avenidas Antônio Coelho de Carvalho e Henrique Galucio, que ainda pertence aos descendentes de Neco e Eliza. Anésio Brito se manteve em atividade ate 1964, com 57 anos. Os filhos com mais idade já trabalhavam e Dona Eliza permaneceu confeccionando roupas. Seu Neco faleceu no dia 1/9/1987, aos 80 anos. Dona Eliza desencarnou a 16/11/1996, também com 80 anos. Ainda moram em Macapá, muitos dos antigos fregueses do boteco, que narram causos muito interessantes ali ocorridos.