Nilson Montoril

Uma noite sob o Equador


Às 24h do dia 17/10/1945, no Clube dos Caçadores, cujo presidente era o tenente e inspetor de ensino Glicério de Souza Marques, tinha início, no cineteatro Macapá, o programa lítero musical denominado “Uma noite sob o Equador”. Os senhores Hélio Gurjão Praxedes, Pauxy Gentil Nunes, Aluísio Carvão e José Maria da Silva, membros da mesa diretora da mencionada sociedade, também se fizeram presentes, atuando na execução do importante evento. Segundo o jornalista Ranufo Flexa de Miranda, membro da equipe de reportagem do Jornal Amapá, “o amplo salão de espetáculos apresentava um aspecto original, por sua decoração artística, relembrando algum recanto paradisíaco do Pacifico, ou uma ilha marajoara mirando-se na versão do Rio Mar. Ambiente sadio, saturado de entusiasmo e garbo da rapaziada elegante da cidade, que homenageava o Dr. Coaracy Gentil Monteiro Nunes, representante do Território Federal do Amapá na capital federal (Rio de Janeiro) e os técnicos americanos que vieram observar as jazidas de ferro do rio Vila Nova, as quais se poderão tornar o berço da siderurgia amazônica.

Luar magnífico se descortinava lá fora, emprestando uma feição bizarra ao limiar daquele cenário, em que se via pompear na imaginação a floresta virgem e exuberante que se esparrama sobre a planície. Folhas de palmeiras e bananeiras, esmeraldinas e graciosas, debruçando-se através dos parapeitos do ventilado cine-teatro. Bancas espalhadas por toda parte. Aprumo de gran-senhores.Imponência de madames.Garrulice de moços entusiastas. Sorrisos encantadores de bonecas perfumosas. O Sr. Governador(Janary Gentil Nunes) as principais autoridades e pessoas gradas, figuras exponenciais da nossa sociedade, compartilhando daquele momento de inefável prazer. A música deleitosa, variada, repercutindo sons alegres nos ouvidos da gente”.

O show se estendeu pela madrugada do dia 18, uma quinta-feira, sendo aberto pelo violinista Mário Rocha, professor de música egresso de Belém, que mantinha um curso particular na cidade de Macapá. Os violonistas Walter Banhos de Araújo e Sidônio Figueiredo o acompanharam. Mário Rocha interpretou duas belas composições musicais: “Santa” e o tango argentino “La Cumparsita”. A seguir, o conjunto musical “Batutas do Ritmo” apresentou números bem populares, que agradaram intensamente à seleta platéia. Uma extraordinária surpresa ficou a cargo do jovem médico Mário de Medeiros Barbosa, cidadão que tem seu nome incluso na galeria dos Governadores do Território Federal do Amapá. Quase ninguém sabia que o ilustre profissional da medicina era também um pianista de reconhecidos méritos. Tocando “blues” e “foxs” ele agitou a platéia. Dr. Barbosa era rotulado pela imprensa e por seus amigos de profissão como o “Solitário de Mazagão”, porque era o único facultativo a atuar na sede do citado município. Sua participação na programação compreendeu uma homenagem aos médicos, haja vista, que, no calendário cívico nacional, o dia 18 de outubro é consagrado a eles. Embora muitos participantes pleiteassem que o show se estendesse até o amanhecer, os organizadores do evento o encerraram por volta das 4 horas da madrugada. Coube ao músico Mário Rocha e seus acompanhantes Walter Banhos e Sidônio Figueiredo fechar a belíssima programação.

O Cine Teatro Territorial foi estrategicamente erguido por trás do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com acesso por dentro do estabelecimento de ensino, quando as programações envolvessem os alunos e os professores e pela lateral da escola, para o público em geral. Embora ainda não fosse utilizado para a exibição cinematográfica, o cine-teatro Macapá, que depois passou a ser identificado como cine-teatro Territorial servia para a realização de eventos importantes. Somente por ocasião das comemorações alusivas aos 45 anos da vigência do Laudo Suíço, que assegurou ao Brasil a posse definitiva da região entre os rios Araguary e Oiapoque é que o cinema foi inaugurado. Isso ocorreu no dia 1/12/1945. A partir de então ele ficou servindo para a exibição de filmes educativos, artes cênicas e solenidades diversas.