Osmar Júnior

Na fonte de Nelson Rodrigues


Em um desses eventos gelados, ela passa, eu olho, ela vê meus olhos, e enxerga meu desejo através das lentes de seus óculos de grau. Eu sei, eu sei que ela me vê, ela não trai sua posição social nem sua riqueza advinda da família abastada e do casamento rico e cansado; ela nem percebe minha deselegância diante de um sistema politicamente embandeirado, que mais parece um pingpong de poder, eu e meu whisky solitário entre as gargalhadas sociais, e a ansiedade falante de oportunistas e puxa sacos assíduos entre políticos e homens de negócio. Eu penso, essa boca … será que alguém percebe que ela carrega um beijo? Intenso, molhado e febril … Continuo a olhá-la, e ela já sabe que eu a olho como mulher e não como executiva intocável. Eu quero a verdade sobre as suas verdades.

Vou ao camarim, aos toilletes, são menos usados, não planejei, mas o destino, meu parceiro inseparável, leva-me a esse encontro.

– Desculpe-me, ela diz, terminando de retocar a maquiagem, um olhar permissível e meu ataque fora de tempo, imprevisível, perigoso, podia não ter dado certo, mas deu e muito.

– É agora, eu digo, tem que ser agora.

– Você é louco, ela diz, mas seus óculos já estão desarrumados, e sua boca na minha, e já caminhamos agoniados até à porta e nos trancamos. Um silêncio louco se instala no ar, só música ofegante, suas mãos espalmadas na parede e eu quase “química” entre suas roupas íntimas tão leves; ela não precisa de quase nada com aquela beleza escondida. Seu cheiro e seu prazer são verdades. Agora eu estou dentro de sua alma, e me afogo em seu sexo, e sou rei de sua boca.

Essa noite vale mais do que qualquer encontro planejado, mais do que qualquer acaso, não vai virar um caso, vai ficar em mim como chuva e soprar como brisa no corpo dela pela manhã, quando ela pega o sol e um sorriso e vai trabalhar. Enquanto eu escrevo e bebo intelectualmente amanhecido na fonte de Nelson Rodrigues, mas nem tanto assim.
Bom domingo, Osmar Jr.