Osmar Júnior

O livro dos desejos


Luíza é uma mulher que não é feia, mas a herança temperamental do pai a transpassa como uma lança; pouco sorri em verdade, assim escondendo sua beleza.

Dentro, ela tem alguma generosidade, e um grande coração, contanto que a vida esteja dando-lhe dinheiro para que ela se sinta segura. Dinheiro é o que move seu humor; o orgulho faz parte de sua vida apedrejada por causa de uma gestação prematura, aos 16 anos um filho e muito desafio pela frente; ela tem que prover o sustento do lar. Ela sempre foi assim. Provedora, teve que se virar desde menina. Aqui falo de coisas do dia a dia, amor e vida, onde um universo se encontra com outro e segue.

Um ser humano para funcionar precisa de todas as virtudes, mas também de todos esses temperos: ambição, raiva, tristeza, preocupação, enfim… Fogo! É isso que o ser humano precisa, de combustão. A fera que você alimentar sobreviverá dentro de você, gentil ou grosseiro, bom ou mau, sábio ou ignorante. Alguém que seja só amor é débil, penso que nem Deus seja só amor, pois sua ira já dizimou cidades e civilizações, e sacrificou em altares, e sangrou.

Mais a crença no espírito nos perturba. Às vezes me pergunto se é um distúrbio. Acreditamos em um Deus vivo, oramos e pedimos misericórdia a Ele em nome de milhares de anos de cultura judaica, mas não acreditamos em uma vírgula das probabilidades fantásticas da ciência, como a volta no tempo, por exemplo.

Mas voltando ao assunto, o universo de Tomaz, um músico louco, encontrou-se com o universo de Luíza, e foi uma colisão desastrosa. Eram opostos e ela quis se transformar nele para estar por perto. Foi um desastre. Ninguém pode transformar-se em alguém, principalmente alguém como Tomaz, cheio de combustão, infiel, egoísta, viciado, amante e, pra sua salvação, artista. Tomaz era um rapaz novo, bonito, certeza de um bom parceiro sexual – a mulher procura por isso; algumas vieram só pra ter filhos e depois esquecem o homem, realizam-se e se transformam em mães fanáticas, e os filhos viram reféns.
E assim Tomaz e Luíza foram às aventuras. Muita onda rolou. Foram ao fundo do poço e voltaram juntos.

O tempo passou, a vida foi amargando e Tomaz já maduro era recusado todas as noites pelas mágoas de Luíza. Depois, aquele apelo por sexo cansou, acalmou, seu desejo ficou em silêncio. Lembrou do dia que começou a tratá-la como esposa, e não rolava mais as invenções na cama, o sexo libidinoso. Na verdade ele queria agora a parte mais bonita, o carinho, o diálogo, companheirismo, mas ela não tinha tido tempo de aprender a beijar por amor. Tudo era líbido demais no começo, e os amantes se acalmam. Ela por opção se transformou em uma esfinge de gelo, ele a observa, acha que ela é sutilmente bela, tem corpo de esposa, isso é interessante nas mulheres. Então ele resolveu esperar, esperar por uma noite mágica, onde tudo acontecerá como nunca. Vive esperando, enquanto os cabelos ficam grisalhos, sabe por quê? Porque ele a ama, lembra do sofrimento que causou a ela, e de como ela o perdoou tantas vezes.

Ela entregou sua alma ao diabo pelo amor de Tomaz, no início, e ele a salvou com a ajuda dos seus guias, anjos, amigos, psicólogos, sabe lá, eles queimaram o livro do feitiço, e ela está salva e nem sabe. Mas não está salva das suas verdades, pois escreveu a própria história e a familia é um objetivo necessário para qualquer homem ou mulher. Ela o fez acreditar em uma família, e agora quer tirar isso dele, um homem com meia idade, filhos e conforto.

Agora, Tomaz pede a Deus que a cuide, pois ela está amargurada, religiosa e doente, e se automutila por influência da herança genética ou por não perceber que viveu verdades, e que ele a ama, já que pode viver sem seu sexo libidinoso, esperando seu beijo de namorada ou esposa, um beijo e um abraço de amor verdadeiro, e um boa noite.
Ótimo domingo.