Pe. Claudio Pighin

A alma do ser humano (3ª parte)


A existência da alma no pensamento moderno se tornou, mais que um fato científico, uma instância de fé. Deve-se simplesmente crer e nada de raciocinar. A alma não é mais vista como uma realidade que dá fundamento às ações imateriais do ser humano. O humanismo do Renascimento, método de aprendizado que faz uso da razão individual e das colocações práticas para tirar conclusões, focalizou a sua reflexão sobre a subjetividade humana, deixando em segundo plano a alma. Quem foi o maior expoente desse pensamento? Temos, na verdade, vários. Certamente que René Descartes é um grande destaque nesse movimento cultural. Ele, com as suas ‘ideias claras e distintas’, quis mostrar a importância de superar qualquer dúvida e afirmar as certezas.

Portanto, para o filósofo francês, a alma é nada mais do que uma subjetividade pensante. Isto é, como o ‘eu’ que pensa a si próprio. Assim sendo, ele acha que a alma é distinta do corpo e é unida a ele somente acidentalmente. Desse jeito, corpo e alma são separados, mas cada um tem o seu papel. Veja como ainda hoje existe esse pensamento na nossa sociedade. Significa que o pensamento de Descartes continua vivo. Podem notar que isso não representa o dado bíblico da alma. Para Descartes: “Portanto, porque até agora eu tenho uma ideia clara e distinta de mim mesmo, segundo a qual eu sou uma ‘res’ que pensa e não uma ‘res’ extensa, é igualmente claro que a minha alma, pela qual eu sou aquilo que sou, é completamente e verdadeiramente distinta do meu corpo” (Meditationes de prima philosophia VI).

Seguindo Descartes, também Nicolas Malebranche (1638-1715) considera que a alma não influencia o corpo e tanto menos o corpo a alma. Ele critica os filósofos que estudam as relações da alma com o corpo, sem considerar sua união com Deus. Benedito Espinoza (1632-1677), outro autor filósofo, fundador do criticismo bíblico moderno, afirma que corpo e alma são “duas maneiras” da “única substância” que coincidem. Inclusive, ele prefere falar de mente no lugar de alma. Outro famoso filósofo, Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), vincula a relação entre corpo e alma com as assim chamadas mônadas, “formas substâncias do ser com as seguintes propriedades: elas são eternas. Mônadas são centros de forças; substância é força, enquanto o espaço, extensão e movimento são meros fenômenos.”
Corpo e alma estão sincronizados por mérito da criação dada por Deus. Porém, são ligados entre eles de maneira extrínseca. Esse ponto de vista é percorrido por vários autores do período de Leibniz. No século sucessivo, os filósofos, em si, não negam a alma como substância espiritual, mas afirmam, porém, que não se tem como demonstrar a existência enquanto substância. A partir dessas considerações de descrenças filosóficas, chega-se até as afirmações puramente materialistas, negando a existência da alma. Podem assim constatar como o pensamento desses autores começam a se distanciar de modo bem evidente da reflexão bíblica. Em seguida, com o surgimento da psicologia expressa pelos autores Freud, Jung e Adler, mostra-nos o desinteresse pela alma como tal.

Atenção, porém: eles destacam uma “psicologia do profundo”, em que o ser humano não age somente em nível consciente, mas também no subconsciente, isto é, identificam a alma com o pensamento consciente. Desse jeito, a psicanálise toma o lugar da vida do espírito e da salvação. Também o pensamento marxista corre nesse sentido. Os marxistas consideram a alma como um produto da matéria, negando desse modo a sua existência como substância espiritual. O alemão F. Engels (1820-1895), colaborador de K. Marx, expressou-se nesses termos: “O que é original, o espírito ou a natureza? Dependendo da resposta que se dá a esta questão, os filósofos encontram-se divididos em duas grandes escolas. Aqueles que afirmam a originalidade do espírito sobre a natureza admitem de um modo ou de outro a criação do mundo (…). Aqueles para quem é a natureza o ser original, pertencem às diferentes escolas de materialismo”.

Portanto, para os materialistas, a concepção da alma é instável e alienante como fenômeno da vida humana individual. Para eles, a vida psíquica e a consciência de si são consideradas o produto mais alto da matéria do mundo físico. Hoje, através da explosão tecnológica, sobretudo digital, o ser humano é cada vez mais fragilizado na sua pertença comunitária, dando ênfase a um espírito individualístico. Assim sendo, parece que o ser humano, quanto mais busca a si somente com a razão, deixando de lado a concepção antropológica bíblica, mais ele reduz a pessoa à matéria e não sabe abrir horizontes infinitos para ela, justamente centralizados na alma.