Pe. Claudio Pighin

A democracia de inspiração cristã


O catolicismo democrático nasceu e cresceu na Europa, no fim do século 19, porque os católicos se preocuparam com a vivência dos valores da própria fé, uma fé encarnada na sociedade como um todo. Como se deve identificar a democracia de inspiração cristã? Creio que poderíamos dizer: é bem reformista. Isto é, segundo a Enciclopédia Treccani, o reformista é aquele movimento político que repudiando tanto os sistemas revolucionários quanto os conservadores, reconhece a possibilidade de modificar o ordenamento político existente somente por meio da atuação de orgânicas, mas graduais reformas. Assim sendo, é uma democracia que se caracteriza pela capacidade de mediação. Porém, essa mediação não se define em agradar a todos, mas representar a todos, sobretudo os menos favorecidos e frágeis.

Não temos dúvidas em afirmar que aqueles que aderem a esse tipo de democracia, a laicidade na sociedade, vivem a maneira de ser cristão adulto. Gostei dessa definição de Pietro Scoppola, político e acadêmico italiano, que disse o seguinte a respeito da laicidade: “A laicidade não é apenas sobre os Estados, as leis, o modo de ser das Instituições. A laicidade é, antes de tudo, um modo de viver a experiência religiosa ao nível pessoal e interior; se falta esta condição interior também os aspectos institucionais da laicidade, eles serão enfraquecidos e, no fim, comprometidos”. O Magistério da Igreja daquele tempo se pronunciou a respeito disso, reconhecendo a importância histórica dessa experiência de fé na política. E essa inspiração cristã na democracia de então solidificou um planejamento em que se destacava a defesa da família, liberdade do ensino, referendos locais, centralidade dos municípios e formas de previdências sociais, representação proporcional e voto às mulheres, liberdade da Igreja e construção de uma ordem mundial nova.

Tudo isso não era um compromisso político, mas uma proposta de convivência social, a partir da Doutrina Social da Igreja. E a famosa Encíclica RerumNovarum, do papa Leão XIII, 15.05.1891, também inspirou esse movimento democrático: “A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos de um pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião, enfim, mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito…”

Já se passaram mais de cem anos e essa lição é tanto mais atual para os nossos tempos. Não por acaso, o mesmo Concilio Vaticano II, com a Gaudium et Spes, considera o compromisso político como uma vocação especifica na Igreja. E a democracia garante a participação dos cidadãos às escolhas políticas. Tudo isso iluminado pelos valores da Palavra de Deus e do Magistério da Igreja.