Pe. Claudio Pighin

A memória não é mais nossa


Iniciando o novo ano 2020, muitas considerações passam pela minha mente. É lícito se perguntar, por exemplo, até que ponto nos lembraremos das coisas passadas? Até que ponto as novas gerações têm conhecimento bem objetivo daquilo que se passou? Até onde chega a nossa memória? Parece-me que a cultura analógica, do passado, tinha mais uma pressão sobre a memória e, no entanto, a cultura digital se reforça mais na ação da tecnologia. As pessoas de mais de idade, de cabelos brancos, se recordam, por exemplo, que para aprender a fazer as primeiras contas usavam expedientes bem manuais. Isto se acabou quando entraram no mercado as calculadoras eletrônicas e depois as digitais.

Um procedimento simples, mas totalmente diferente. Passou-se do esforço de memória pessoal para o esforço de uso da técnica. Enfraqueceu-se o uso da memória e fortaleceu-se os auxílios da memória, fornecidos pela tecnologia. Assim sendo, daqui alguns anos somos capazes de esquecer datas importantíssimas que constituem a nossa tradição para deixar espaço ao presente imediatista. Desse modo, acontece com toda a linguagem simbólica que vai perdendo a sua capacidade de transmitir os múltiplos sentidos da mesma. Esvaziando a linguagem simbólica se esgotam as mensagens. Agindo desse jeito, aos poucos, vamos perder também o verdadeiro sentido espiritual do Natal e das festas natalinas, concentrando-nos na questão material das mesmas.

Assim é bem fácil se reduzir a fazer uma experiência de um Jesus meramente humano, com todas as suas consequências que comportam, deixando de lado que é também verdadeiro Deus. Sendo também enfraquecida a memória, não se consegue resgatar o passado que nos ajuda a contemplar a verdade. Neste caso, fazemos uma experiência de um Jesus somente histórico e pertinente aos próprios desejos. Desse jeito, fazemos da nossa vida uma realidade bem limitada. E creio que esse momento histórico que estamos enfrentando, em que desapareceram todos os pontos de referências politicas, ideológicas, éticas e jurídicas, a Palavra de Deus pode dar um verdadeiro sentido da vida. Perdendo, num certo sentido a memória, perdemos a capacidade de fazer uma profunda profissão de fé.

A religiosidade cristã se tornou uma questão periférica. Ás vezes me pergunto: até que ponto os nossos fiéis, por exemplo, que vão à Missa se deixam envolver pela radicalidade do evento cristão ou se radicalizam exclusivamente sobre os aspectos puramente rituais e formais? Agora, aumentando sempre mais a cultura digital poderá diminuir sensivelmente a verdade sobre Jesus o Cristo? Uma cultura desse tipo parece que relativize um pouquinho tudo. Onde está a verdade? Parece que as pessoas perguntem hoje. Uma coisa é certa: devemos buscar a verdade, mas como fazemos se a nossa memória está, num certo sentido, afetada? Então, como resgatar uma memória prejudicada? O que fazer? É urgente se reapropriar de algo que é nosso e não delegar exclusivamente para a técnica aquilo que é nosso. A técnica é importante para nos auxiliar e não para nos expropriar.