Pe. Claudio Pighin

Celebração do cirio


Mais um Cirio entre nós. Todos estamos envolvidos nesta mega manifestação religiosa paraense. Quais considerações teológicas e comunicativas podemos fazer perante este evento? A partir das Sagradas Escrituras, podemos tentar resgatar como o povo de Deus procede para se aproximar cada vez mais de Deus. Uma dessas realidades é o templo. De fato, ao novo Povo de Deus – diferentemente do Antigo – é estranho o conceito de limitar a presença e a função de Deus unicamente à dimensão do templo. O santuário, no conceito cristão, é o lugar onde mais intensamente experimenta-se a presença e a proximidade de Deus, lugar de graça e centro de fé. A respeito da santidade do lugar, essa é entendida como o resultado da união entre Deus e a comunidade na fé e na oração. Como para as grandes religiões, não é surpresa que também o cristianismo tenha os seus lugares sagrados. Assim, inúmeros templos e santuários surgiram para despertar e satisfazer o sentimento religioso. Bem cedo começaram a tornar-se meta de devoção alguns lugares sagrados da Palestina, ligados à vida terrena de Jesus e à Mãe santíssima.

Depois dos primeiros três séculos de peregrinações à Terra Santa, os fiéis puseram a própria atenção no Ocidente e, em particular, à Cidade Eterna, Roma, que se tornou meta de peregrinações do lugar dos santos mártires.

Documentos atestam que a Igreja Ocidental possui santuários marianos, no verdadeiro sentido da palavra, a partir dos séculos XI-XII. O código de direito canônico define o santuário como “a igreja ou outro lugar sagrado aonde os fiéis, por um motivo peculiar de piedade, vão a peregrinação com a aprovação do ordinário do lugar (can.1230)”.

No ano 1956, uma carta dos estudos da Congregação dos Seminários e das Universidades descrevia os templos como igrejas ou edifícios sagrados destinados ao exercício do culto público e da piedade, que se manifesta por meio de uma imagem venerada, por um milagre que aconteceu, por uma relíquia guardada ou por uma indulgência que se pode adquirir. Nesse sentido, os fiéis fazem as peregrinações nesses locais para pedir graças e fazer promessas. Temos, a partir disso, a piedade popular.

O termo piedade, assim como hoje estamos usando, não reflete o sentido em latim ao qual fazemos referência agora, para tentar buscar uma resposta ao conceito de piedade. Piedade provem do latim pietas que tem uma abrangência de significados muito mais vastos que o nosso e aplica-se a várias categorias e que, por sua vez, podem ser subdivididas em ciclos de deveres a cumprirem-se para Deus e para as criaturas. Além do mais, é bom salientar que também indica um tipo de comportamento de Deus em relação às suas criaturas, particularmente, ao ser humano. Em São Tomás, o termo pietas exprime o dom do Espírito Santo.

Esse termo, em seguida, passou de um comportamento mais amplo para uma atitude bem interior, isto é, uma maneira de relacionar-se com Deus. Hoje, essa devoção foi bem longe e assim, quando se fala de piedade, entende-se o sentido exageradamente pio, pietismo, de piedade hipócrita, de não verdadeiramente pio. Mas, na verdade, o que é a verdadeira piedade cristã?
Visto que o cristão não se limita somente a agir, mas é realmente pio sempre em toda a sua vida, a piedade é a realização espiritual, ou seja, um ato animado pela fé, esperança e caridade ou, como diz São Paulo, “Recapitular em Cristo todas as coisas, aquela do céu como aquela da terra (cf. Ef 1,3-10)”.

A piedade expressa uma virtude de religião que é própria de fazer culto. A nossa vida se manifesta mediante o culto. Os teólogos concordam com a afirmação de S. João Damasceno, o qual define o culto “uma espécie de submissão em reconhecimento da superioridade e excelência de alguém que se presta homenagem e se cultiva para os atos religiosos”.

O culto, por sua vez, divide-se no interior e exterior. Aquele interior é a manifestação da “pietas”, que sai do fundo da alma e toma forma numa linguagem inspirada e direta da vontade e do coração. E a razão exprime a Deus a submissão: a veneração da alma.

E o papa S. João Paulo II nos diz: “A busca de Deus, ligada ao modo de ser e à cultura de cada povo e, não raro, a estados de ânimo emocionais, nem sempre apresentou-se bem apoiada numa adesão de fé. Pode até acontecer de não estar devidamente separada de elementos estranhos à religião. No entanto, essa busca de Deus é algo considerado, por vezes, rico de valores a aproveitar. Embora precisando ser esclarecida, guiada e purificada, a religiosidade popular, ligada como norma à devoção a Nossa Senhora, traduz geralmente ‘uma certa sede de Deus’, sendo como lhe quis chamar o meu predecessor Paulo VI ‘piedade dos pobres e dos simples’”.

Assim, não é necessariamente um sentimento vago ou uma forma inferior de manifestação religiosa. Antes, contém, com frequência, um profundo sentido de Deus e dos seus atributos, como a paternidade, a providência, a presença amorosa e a misericórdia. A par da religião do povo, é corrente também nos centros de culto mariano e nos santuários muito concorridos, verificar-se, por um motivo ou por outro, a presença de pessoas que pertencem ou não ao grêmio da Igreja, ou nem sempre permaneceram fiéis aos compromissos e à prática da vida cristã, ou ainda, tais pessoas vêm guiadas por uma visão incompleta da fé que professam.
Sábado próximo continuaremos com a segunda parte dessa reflexão.