Pe. Claudio Pighin

Minha voz clama pelo meu Deus


Um casal bem novo teve um filho. Tudo corre bem, inicialmente, mas depois de um ano e pouco de vida a criança adoece. Foi internada no hospital com risco de vida. Os pais, abalados, não sabiam mais o que fazer. O desespero tomou conta. A solidariedade dos amigos se intensificou, mas o quadro de saúde do filho estava piorando. Então, os pais intensificaram suas orações, apelando a Deus, autor da vida, que pudesse reverter o quadro de saúde do único filho. Com essa confiança, quiseram acompanhar o filho doente, clamando pelo Deus. O salmo 76 do Antigo Testamento das Sagradas Escrituras nos ajuda a compreender por que essa confiança.

“Minha voz se eleva para Deus e clamo. Elevo minha voz a Deus para que ele me atenda; No dia de angústia procuro o Senhor. De noite minhas mãos se levantam para ele sem descanso; e, contudo, minha alma recusa toda consolação. Faz-me gemer a lembrança de Deus; na minha meditação, sinto o espírito desfalecer. Vós me conservais os olhos abertos, estou perturbado, falta-me a palavra. Penso nos dias passados, lembro-me dos anos idos. De noite reflito no fundo do coração e, meditando, indaga meu espírito: Porventura, Deus nos rejeitará para sempre? Não mais há de nos ser propício? Estancou-se sua misericórdia para o bom? Estará sua promessa desfeita para sempre? Deus se terá esquecido de ter piedade? Ou sua cólera anulou sua clemência? E concluo então: O que me faz sofrer é que a destra do Altíssimo não é mais a mesma… Das ações do Senhor eu me recordo, lembro-me de suas maravilhas de outrora. Reflito em todas vossas obras, e em vossos prodígios eu medito. Ó Deus, santo é o vosso proceder. Que deus há tão grande quanto o nosso Deus? Vós sois o Deus dos prodígios, vosso poder manifestastes entre os povos. Com o poder de vosso braço resgatastes vosso povo, os filhos de Jacó e de José. As águas vos viram, Senhor, as águas vos viram; elas tremeram e as vagas se puseram em movimento. Em torrentes de água as nuvens se tornaram, elas fizeram ouvir a sua voz, de todos os lados fuzilaram vossas flechas. Na procela ribombaram os vossos trovões, os relâmpagos iluminaram o globo; abalou-se com o choque e tremeu a terra toda. Vós vos abristes um caminho pelo mar, uma senda no meio das muitas águas, permanecendo invisíveis vossos passos. Como um rebanho conduzistes vosso povo, pelas mãos de Moisés e de Aarão.”

Este salmo mostra como o fiel, perante os problemas do cotidiano que ameaçam a vida, apela ao auxilio de Deus, único verdadeiro socorredor. Perante as ameaças da vida, que não são poucas, se confia na intervenção de Deus. Enfrentar tudo isso, sobretudo os momentos mais tenebrosos, chega-se até em desconfiar em Deus: por que tudo isso? Por que comigo nada dá certo? Somente dor e sofrimento se questiona o fiel. O conflito que se gera neste orante está entre um passado melhor e vencedor e um presente marcado pela derrota e o drama.

Nesse contraste violento da pessoa e da comunidade, se questionam se Deus na sua ação mudou. Ele não nos ama mais? Cansou-se da humanidade? Ele nos abandonou? O salmo inicia, dos versículos de 2 a 11, com uma angústia e súplica a respeito do presente triste e sobre o silêncio de Deus. Tudo isso é representado por uma noite de lágrimas, de oração e meditação. O salmista vive um drama assim chamado espiritual: esse Deus que fez tantos prodígios no passado, ajudou Israel a sair da escravidão do Egito e conquistar a terra prometida, agora ficou mudo, não é mais operante. Por que isso? Questiona-se o fiel.

Não pode ser uma simples ilusão de Deus naquilo que operou no passado. É Ele o Deus de ontem e hoje. Assim sendo, o fiel reconhece nesta segunda parte do salmo que Deus salvou Israel no passado e que foi o Senhor da história e do universo e o presente, portanto, iluminado pela experiência salvadora passada, torna-se a sua efetiva esperança. Aquele passado, antes ou depois, se manifestará com toda a sua força também no presente.

A salvação passada é penhor daquela que se espera. E o salmista relembrando os prodígios do passado quer afirmar as razões da esperança. Sim, Deus no passado guiou o seu povo pelo deserto para conduzi-lo à terra prometida. A sua ‘mão poderosa’ e invisível era representada pela mão visível de Moisés e Arão. Portanto, aquela salvação do passado é hipoteca de um novo êxodo, uma nova salvação definitiva do novo povo de Deus. Assim sendo, o salmo iniciou com uma profunda lamentação e termina com um hino de fé e de esperança ao nosso verdadeiro pastor de todos. Este é um salmo de encorajamento perante as dificuldades da vida.