Pe. Claudio Pighin

O Senhor ama a cidade que fundou


Achei interessantes as palavras do papa Francisco quando da visita recente que ele fez à Amazônia continental. “Deixai-me dizer mais uma vez: Louvado sejais, Senhor, por esta obra maravilhosa dos povos amazônicos e por toda a biodiversidade que estas terras contêm! Este cântico de louvor esboroa-se quando ouvimos e vemos as feridas profundas que carregam consigo a Amazónia e os seus povos. Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”, disse o santo Padre. Para tentar compreender a importância das palavras de Francisco é bom ler o salmo 86 das Sagradas Escrituras, que nos leva a contemplar a presença de Deus na vida Amazônica por Ele fundada.

“O Senhor ama a cidade que fundou nos montes santos; ele prefere as portas de Sião às tendas de Jacó. De ti se anuncia um glorioso destino, ó cidade de Deus. Ajuntarei Raab e Babilônia aos que me honram; eis a Filistéia e Tiro com a Etiópia, lá todos nasceram. Dir-se-á de Sião: Um por um, todos esses homens nela nasceram; foi o próprio Altíssimo quem a fundou. O Senhor inscreverá então no registro dos povos: Aquele também nasceu em Sião. E cantarão entre danças: Todas as minhas fontes se acham em ti.”

Esse salmo, poderíamos dizer, é universal. Tem uma abertura para todo mundo. Portanto, um Senhor que se preocupa não somente com uns, mas se direciona para todos. A primeira estrofe proclama Sião como a cidade escolhida porque é ‘cidade de Deus’, superior às moradas de Jacó, isto é, aos lugares e santuários de Israel. A segunda estrofe é dedicada sempre a Sião como mãe de todos os povos. Aqui encontramos por três vezes o verbo ‘nascer’: “Nasceram”. As partes mais importantes do planeta convergem para Sião.
Quem são elas? Segundo o salmo são as grandes potências do Egito, a grande Babilônia, Tiro, a potência comercial do Norte, a Etiópia potência do Sul e a Palestina (Filisteia) potência central. Os povos listados, estrangeiros e opressores, são adotados como cidadãos de Jerusalém e o nascimentos deles ‘impura’ e sarada na raiz, assim que eles se tornam os ‘familiares’ de Deus. É um hino firme de ecumenismo. Para a nossa Igreja se tornou o seu canto, que representa simbolicamente como a ‘Jerusalém celeste que é livre e é a nossa mãe’ ( Gl 4, 26). E, a respeito disso, nós encontramos no Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium n. 2, em que se diz que somos reunidos na Igreja Universal: “Todos os justos a partir de Adão até o último eleito…” E continua o papa Francisco, falando à Amazônia em perspectiva deste resgate universal: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a “conservação” da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais.

Temos conhecimento de movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. (…)

Paralelamente, há outra devastação da vida que está associada com esta poluição ambiental causada pela extração ilegal. Refiro-me ao tráfico de pessoas: o trabalho escravo e o abuso sexual. A violência contra os adolescentes e contra as mulheres é um grito que chega ao céu. (…)

O reconhecimento destes povos – que não podem jamais ser considerados uma minoria, mas autênticos interlocutores –, bem como de todos os povos indígenas, lembra-nos que não somos os donos absolutos da criação. É urgente acolher o contributo essencial que oferecem à sociedade inteira, não fazer das suas culturas uma idealização dum estado natural nem uma espécie de museu dum estilo de vida de outrora. (…)

A cultura dos nossos povos é um sinal de vida. (…)

Queridos irmãos da Amazónia, quantos missionários e missionárias se comprometeram com os vossos povos e defenderam as vossas culturas! Fizeram-no, inspirados no Evangelho. Cristo também se encarnou numa cultura, a hebraica, e a partir dela ofereceu-Se-nos como novidade a todos os povos, para que cada um, a partir da respectiva identidade, se sinta autoafirmadon’Ele. Não sucumbais às tentativas em ato para desarraigar a fé católica dos vossos povos. Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho enriquecem a Igreja com a visão duma nova faceta do rosto de Cristo. A Igreja não é alheia aos vossos problemas e à vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de vos organizardes…”