Pe. Claudio Pighin

Oráculo do senhor ao meu senhor


Lembro-me de que, nos anos 1980, quando visitei o presidio de Macapá, encontrei um detento jovem e muito educado. Ele estava preso por um crime que dizia não ter cometido. Lembro, como fosse hoje, ele sentado no chão da cela e com a Bíblia na mão. Eu em frente da grade que o custodiava. Então, iniciei o diálogo, perguntando-lhe como estava. Ele me respondeu de imediato que somente aquela Sagrada Escritura que estava meditando lhe estava dando coragem de suportar tanta dor, por estar atrás das grades. Ele me dizia: “Essa Palavra me está confortando, padre, me dá força de aguentar tanta humilhação e injustiça. Porém, eu acredito que Deus vai me tirar daqui, desse inferno”. Fiquei meditando como esse jovem encontrou uma resposta de esperança naquela situação de dor. A sua humanidade ferida era sanada pela Palavra de Deus. Nesse sentido, te convido a ler atentamente o salmo 109 das Sagradas Escrituras:

“Eis o oráculo do Senhor que se dirige a meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu faça de teus inimigos o escabelo de teus pés. 2. O Senhor estenderá desde Sião teu cetro poderoso: Dominarás, disse ele, até no meio de teus inimigos. 3. No dia de teu nascimento, já possuis a realeza no esplendor da santidade; semelhante ao orvalho, eu te gerei antes da aurora. 4. O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec. “O Senhor está à tua direita: ele destruirá os reis no dia de sua cólera. 6. Julgará os povos pagãos, empilhará cadáveres; por toda a terra esmagará cabeças. 7. Beberá da torrente no caminho; por isso, erguerá a sua fronte.”

Agora vamos tentar entende melhor. Só para ter uma ideia, o Novo Testamento usou várias vezes os versículos 1 e 4 para Jesus, transformando desse jeito em um texto, assim chamado, messiânico, isto é, ao Messias o Salvador. Perante o tribunal judaico, Jesus responde misturando uma passagem de Daniel, 7,13, e com o primeiro versículo desse salmo: “Eu vos declaro que vereis doravante o Filho do Homem sentar-se à direita do Todo-poderoso, e voltar sobre as nuvens do céu (Mt 26, 64)”.

Esse salmo se divide em duas partes. A primeira parte, versículos de 1 a 3, apresenta-nos um oráculo real encaminhado por Deus ao rei. Nisso se proclama a entronização do rei judaico à ‘direita’ de Deus, que isto pode indicar tanto a direita da arca, quanto da dignidade do rei como representante de Deus. A segunda parte do salmo, versículos de 4 a 7, contem um oráculo sacerdotal. Por que isso? Como garantia de um solene juramento divino, assim aquela dignidade real mencionada na primeira parte seria acrescentada por aquela sacerdotal.

Nesse salmo, a referência a Melquisedec, rei e sacerdote de Salem, a antiga Jerusalém, é talvez um meio para justificar o sacerdócio do rei junto aquele oficial do Templo, ligado a Arão e Sadok. Portanto, depois que o rei foi consagrado, em hebraico ‘messias’, faz uma marcha triunfal pelo mundo. Segundo a Tradição da nossa Igreja discerniu, nesse Salmo, os temas fundamentais da história da Salvação, quais da chegada do Reino de Deus, nos versículos de 1 a 3; ao nascimento de Cristo e à sua divindade, no versículo 3; do seu combate contra o poder do mal, nos versículos 5 a 6; alusão à sua paixão, morte e ressurreição, no versículo 7; da sua ascensão e glorificação à direita de Deus, versículo 1; ao seu sacerdócio eterno, versículo 4. E no decurso do ano litúrgico, este salmo nos conduz para o caminho pascal de Cristo.

Este percurso, para a Igreja que contempla neste salmo, discerne os mistérios da história salvação que, através os reis, os sacerdotes e os profetas do Antigo Testamento, se encontram em Cristo rei, sacerdote e profeta. O papa Francisco na capela de S. Marta, no dia 10.06.2016, disse: «Devemos procurar sempre o Senhor: todos nós sabemos como são os maus momentos, momentos que te fazem desanimar, sem fé, obscuros, nos quais não vemos o horizonte, não somos capazes de nos erguer, todos o sabemos!». Mas «é o Senhor que vem, nos restabelece com o pão e com a sua força e nos diz “levanta-te e vai em frente, caminha!”». Por isso, «para encontrar o Senhor devemos estar assim: de pé e a caminho»; depois «esperar que ele fale: coração aberto». E ele nos dirá “sou eu”; e nesse momento a fé fortalece-se». Mas a fé «é para mim, para que eu a guarde?Não, deve ser levada a outros, para ungir os outros, para a missão». Por conseguinte, «de pé e a caminho; em silêncio para encontrar o Senhor; e em missão para levar esta mensagem, esta vida aos outros».