Pe. Claudio Pighin

Senhor, sois o soberano de toda a terra!


O pecado original é a ruptura do ser humano com Deus, a rejeição de sua aliança e, assim, da amizade com Deus. Embora o pecado seja uma condição universal, que atinge a todos, o pecado não tem origem em Deus. Disso decorrem algumas consequências sobre as quais precisamos refletir:

• Todos têm pecado e precisam da salvação.
• O Antigo Testamento enfatiza a dimensão comunitária do pecado.
• O mal é transmitido entre as gerações (a solidariedade no mal); mas, também, existe a solidariedade no bem, a transmissão do bem entre as gerações.

Quanto à dimensão comunitária do pecado, lembremo-nos que há toda uma estrutura societária que sustenta o pecado. Há toda uma estrutura que reproduz a ruptura com Deus, que induz ao não respeito à sua Palavra e, assim, impede a realização plena dos objetivos da Criação. Por isso, convido-te a ler o salmo 96 das Sagradas Escrituras para ver como Deus se impõe qual soberano da terra, não obstante a existência do pecado.
“O Senhor reina! Que a terra exulte de alegria, que se rejubile a multidão das ilhas. Está envolvido em escura nuvem, seu trono tem por fundamento a justiça e o direito. Ele é precedido por um fogo que devora em redor os inimigos. Seus relâmpagos iluminam o mundo, a terra estremece ao vê-los. Na presença do Senhor, fundem-se as montanhas como a cera, em presença do Senhor de toda a terra. Os céus anunciam a sua justiça e todos os povos contemplam a sua glória. São confundidos os que adoram estátuas e se gloriam em seus ídolos; pois os deuses se prostram diante do Senhor. Ouve e se alegra Sião, exultam as cidades de Judá por causa de vossos juízos, Senhor. Porque vós, Senhor, sois o soberano de toda a terra, vós sois o Altíssimo entre todos os deuses. O Senhor ama os que detestam o mal, ele vela pelas almas de seus servos e os livra das mãos dos ímpios. A luz resplandece para o justo, e a alegria é concedida ao homem de coração reto. Alegrai-vos, ó justo, no Senhor, e dai glória ao seu santo nome.”

Este salmo se supõe que tenha sido redigido do século IV em diante a.C. pelo profeta quando retorna do exílio. O hino inicia com uma proclamação, “O Senhor reina!”, típico dos salmos em que o Senhor é aclamado rei (Salmos 47 e 93), qual poderosa manifestação da soberania de Deus. Aqui se trata de uma grande e majestosa manifestação de Deus através das tempestades da natureza contra qualquer idolatria e, no entanto, toma a defesa dos seus fiéis que o adoram. As aclamações do universo do céu e da terra recepcionam a vinda do grande Rei soberano de tudo, acompanhado das nuvens, pelas trevas, fogo e relâmpagos, e também pela justiça, o direito e a glória.

E o salmista descreve perante essa manifestação de Deus a reação negativa dos idólatras e dos ídolos contraposta àquela dos fiéis que se regozijam e ficam felizes. E a celebração litúrgica dos adoradores de Deus é um reavivar a presença soberana do Senhor que esmaga os adoradores de estátuas e faz triunfar os justos. Os justos são iluminados pelo Senhor rei do cosmo e, assim, compartilham desde já a sua plenitude da esperança de Vida. O autor desse hino define de maneira bem expressiva esses fiéis do Senhor: “Aqueles que amam o Senhor”, “Aqueles que odeiam o mal”, “Fiéis”, “Justos”, “Retos de coração”, “Homens da alegria”, “Alegrai-vos e dai glória ao seu santo nome.”

Inspirados pelo autor desse salmo, podemos reconhecer realmente que Deus é o nosso único soberano e que está acima de todas as nossas misérias e fracassos, conduzindo-nos na vida de plenitude. E o papa Francisco escreveu para o 51° Dia Mundial da Paz: “A sabedoria da fé nutre este olhar, capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha». Estas palavras propõem-nos a imagem da nova Jerusalém. O livro do profeta Isaías (cap. 60) e, em seguida, o Apocalipse (cap. 21) descrevem-na como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admira e enche de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.(…)
Precisamos lançar também sobre a cidade onde vivemos este olhar contemplativo, «isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (…), promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça», por outras palavras, realizando a promessa da paz.”