Wellington Silva
Eça de Queiroz e o povo

“Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo.
Estes homens, sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o Povo, e são os que nos enriquecem.
Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.
Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.
Estes homens são o Povo, e são os que nos servem.
E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem?
Primeiro, despreza-os ao não pensar neles, não vela por eles; trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
É por isso que os que tem coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo.
E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema”.
Eça de Queirós, escritor, jornalista, advogado, foi um dos mais importantes escritores do realismo português. É considerado o maior representante da prosa realista da língua portuguesa. Nasceu no dia 25 de novembro de 1845 em Póvoa do Varzim, cidade localizada no norte de Portugal. Foi filho do brasileiro José Maria Teixeira de Queiroz e da portuguesa Carolina Augusta Pereira de Eça. Passou grande parte da infância na cidade de Aveiro, sob os cuidados de sua avó. Depois, foi morar na cidade do Porto, a fim de estudar no Colégio Interno da Lapa, no qual se formou, em 1861. Seguindo os passos de seu pai, foi estudar Direito na Universidade de Coimbra, graduando-se em 1866. Chegou a exercer a profissão de advogado e, mais tarde, de jornalista, na cidade de Lisboa. Tempos depois entra para a carreira política sendo nomeado Administrador do Concelho de Leiria, em 1870); Cônsul de Portugal em Havana (1872); Cônsul de Newcastle e Bristol na Inglaterra (1874); e Cônsul de Portugal em Paris (1888). Em Paris, em 1886, casa-se com Emília de Castro Pamplona Resende, com quem teve quatro filhos: Alberto, Antônio, Maria e José Maria. Faleceu no dia 16 de agosto de 1.900, em Paris, aos 59 anos de idade.