Nilson Montoril

AJURICABA

 

Em área onde surgiria, em maio de 1728, o povoado de Barcelos, residiam os índios Manaós, chefiados pelo cacique, Huiubeue, cuja sede era uma ilha. Tinha como braço forte o filho Ajuricaba e ambos eram peritos no uso dos arcos e das flexas. Tudo transcorria normalmente, quando chegaram à aldeia dois aventureiros, que se encontraram com o cacique e foram tratados amistosamente. Entretanto, os exploradores eram portadores de uma proposta que feriu o orgulho de Ajuricaba e outros maiorais da tribo, simplesmente, queriam recrutar índios para vendê-los como escravos.

 

Um ritual sagrado foi colocado em prática, ingestão da bebida “caxiri da paz” usado apenas para encontro com amigos. O jovem indígena censurou seu genitor com rispidez e abandonou a tribo, indo para o seu reduto confabular com seus liderados. O cacique Huiubeue ralhou feio com Ajuricaba e lhe retirou todas as suas prerrogativas no seio da comunidade onde era líder. A partir de 1720, à frente de um forte grupo de numerosos indígenas de sua etnia e de outras vertentes, valendo-se de emboscadas, os militantes de Ajuricaba passaram a atacar os portugueses estabelecidos em seus domínios. Os colonizadores lusitanos decidiram recorrer ao governador do Estado do Maranhão e do Grão Pará, general José Maria Gama, requerendo autorização para moverem lutas contra os indígenas rebelde. A Carta Régia foi expedida em nome de Belchior Mendes de Moraes, à frente de tropas legais. De Belém, seguiu com reforço militar João Pais do Amaral, em barcos artilhados. Durante oito anos. Ajuricaba espalhou terror na região. Chegou a contar com o apoio de contingentes proveniente do Suriname. Em 1727. Ajuricaba sentiu o travor da derrota.

 

Foi derrotado, acorrentado e embarcado em um navio que o conduziria à Belém, para ser julgado. Estima-se. que seu contingente bélico contasse com cerca de 1.300 guerreiros. Diante do poder de fogo dos portugueses isso nada representava. Ajuricaba ainda tentou uma sublevação a bordo, mas logo foi dominado.  Acabrunhado, Ajuricaba resolveu manter-se relativamente quieto e aguardar uma oportunidade para fugir à nado. A ideia de suicídio já dominava sua mente. Numa noite de violento temporal, que fustigava o trecho onde O Solimões e o Rio Negro se encontram, lançou-se às águas revoltas e desapareceu. Ele sabia que um índio autentico não teme a morte para lavar a sua honra. Havia passado a maior parte do trecho da viagem com os braços presos a correntes de ferro, para impedir que nadasse. Ele nasceu na aldeia Mariuá, numa área denominada “Barcele”, palavra proveniente do latim, que identifica um local baixo e sujeito a alagamentos; De Barcele, no Rio Solimões até o Rio Negro, a distância equivale a 450 km.

 

Nesta parte da História surge a lenda e ela nos diz, que os pulsos de Ajuricaba, atados com correntes foram liberados, para que ele participasse das faxinas. Isso permitiu que ele alcançasse o convés. Neste momento chovia torrencialmente e as águas dos tios estavam encrespadas. Em pé sobre o convés, as águas da chuva e dos dois rios atingiam em cheio o corpo de Ajuricaba. Empreendendo uma veloz carreira atirou-se no trecho onde o Solimões e o Rio Negro se encontram, mas suas águas não se misturam. Alguns instantes após o mergulho do índio, surgiu no meio do “encontro das águas” a figura fantástica de um Mauari, também conhecido como Socó Grande, tendo sobre suas assas poderosas o corpo do herói indígena, exibindo a prova da sua morte. Os portugueses acusaram Ajuricaba de ter sido colaborador dos ingleses, que também vagavam na região.

 

A versão é contestada pelo escritor lusitano Joaquim Nabuco, no livro “O Direito do Brasil”. As terras da Amazônia, nesta época pertenciam à Espanha. O “Encontro das Águas”, conforme a lenda deve ser entendido como a sinalização da morte de Ajuri caba. Ele nasceu em Mariuá (Barcele/Barcellos), cujo significado é “Grande Braço” e morreu afogado no rio Amazonas. Serenados os ânimos, o cacique Camandri foi autorizado a erguer nova aldeia em Mariuá, onde surgiu a Capitania de São José de Rio Negro, origem do Estado do Amazonas. Manaó, origem de Manaus passou a viger quando a capital do Amazonas foi transferida para o local onde se encontra a capital amazonense.

 

São José de Botas

Algumas imagens de São José, pai putativo de Jesus Cristo, mostram o humilde carpinteiro usando botas. Acredita-se que a inovação pretende lembrar a condição de caminhante que ele desempenhou ao fugir para o Egito, levando sobre o lombo de um burro sua esposa Maria e o menino Jesus. O ato, revestido de invulgar magnitude, mereceu ser lembrado através de pinturas, nas quais São José usa um tipo de calçado próprio dos seres triunfantes. Acredita-se que o homem passou a usar calçado entre 26 mil a 40 mil anos atrás. A proteção dos pés pode ter ocorrido há cerca de 500 mil anos. No tempo em que José viveu, na Palestina, as pessoas simples usavam sandálias fabricadas com solado de madeira e tiras de couro, similares as que hoje ainda são fabricadas em diversas partes do mundo. Apenas as pessoas portadoras de bons recursos, principalmente entre os romanos, protegiam os pés com calçados de sola grossa e alta, feitos com apurado requinte. Em Roma, os sapatos eram indicadores de status social e riqueza. Os ricos patrícios usavam calçados com sola de prata ou ouro sólido. O soldado romano usava a caligae, uma espécie de sandália com uma grossa sola de couro com pregos e tiras que a prendiam às pernas. Em campanhas bélicas os generais cobriam os pés com o campagus, uma bota feita de peles, cujo cano era adornado com pérolas e pedras preciosas e chegava até no meio da perna. Os plebeus calçavam sandálias rústicas similares às utilizadas pelos judeus.

 

Na antiga Grécia, os deuses eram retratados usando este tipo de calçado, denominado Kóthournos. Ele era atado pela frente através de tiras de couro macio e usado, sobretudo pelos atores trágicos. Os Kóthournos eram uma espécie de calçados simbólicos de alta dignidade, destinados aos deuses, semi-deuses e heróis lendários. Os romanos, notadamente os militares de alta patente, os magistrados e os nobres os adotaram, denominando-os cothurno. Os franceses também agiram da mesma forma, imitando os neerlandeses, que se referiam ao calçado como brozekem, evoluindo, no francês antigo para brosequim. Em português a palavra passou a ser escrita borzeguim, isto é, uma botina cujo cano é fechado com cordões.

 

A ideia de perpetuar a imagem de São José trajando botas decorre do costume grego e ganhou reforço nos quartéis militares portugueses, onde se exigiam dos frequentadores, bilhetes denominados santo e senha, em que se anotava a senha com o nome de um santo para reconhecimento do portador. O bilhete funcionava como sinal previamente combinado para se conhecer, sem indiscrição, quem era partidário e quem era adversário. Assim, muitos adotavam a palavra botas como senha e José, como santo. Em decorrência do hábito surgiram as expressões São João de Botas, São Miguel das Botas etc. Vale lembrar que os arcanjos Rafael, Gabriel e Miguel também são retratados usando coturnos.

 

Segundo relatam antigos moradores de Macapá, havia uma imagem de São José de Botas no frontispício do portão principal da Fortaleza.  No altar da capela havia outra imagem regularmente confeccionada. Conta-se que, depois que a Fortaleza foi desativada, na década de 1920, a imagem de São José de Botas foi retirada do frontispício do portão principal e transferida para a igreja matriz, sendo colocada no altar mor, na primeira banqueta à frente de São José padroeiro da cidade. Por obra de alguém que não suportava ver a fachada do forte sem a presença do santo de botas, a imagem sempre reaparecia no espaço tradicional. Muitos devotos tomavam este fato como milagre, menos o Padre Júlio Maria Lombaerd que teria descoberto o autor da marmotice e lhe passado uma descompostura federal.

 

A comunidade católica de Macapá reverenciava São José desde a formação do povoado, em 1751. Inicialmente a festa do padroeiro acontecia no dia 19 de março. No ano de 1955, o Papa Pio XII instituiu a festa de São José Trabalhador com realização no dia 1º de maio. Nesta segunda data é evidenciada a condição de operário de São José. A Igreja Católica tomou esta decisão para mostras a seus integrantes que as profissões mais humildes também facultam aos trabalhadores os meios para manter seus dependentes com altivez e dignidade. Foi exercendo a profissão de carpinteiro que José conseguiu promover o sustento de sua família. Mesmo não sendo o pai biológico de Jesus Cristo, José aceitou com resignação a missão que lhe foi confiada por Deus. Em sua rústica oficina, José manuseava a serra, a enxó, a plaina, o compasso, o formão, o prumo, o martelo, o esquadro, a régua, o grampo e a vara com as medidas similares as adotadas mais tarde no sistema métrico decimal. José era sobejamente conhecido na Galiléia, notadamente em Belém e Nazaré. Alguns pesquisadores acreditam que José também exercia a profissão de construtor, sendo bastante requisitado para desenvolver trabalhos de boa qualidade.

 

Nossa cidade de Macapá, inicialmente identificada com Lugar, pelos portugueses, foi denominada São José de Macapá em homenagem ao santo e ao Rei D. José I, vigésimo quinto monarca de Portugal, filho de D. João V e da rainha D. Marianna de Áustria. D. José nasceu em Lisboa e governou a terra lusitana e seus domínios entre 1750 e 1777. Fortificou sua administração ao nomear como Primeiro Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, que passou aos anais da história como o todo poderoso Conde de Oeiras e Marques de Pombal. Pombal dirigiu os negócios públicos da coroa realizando formidáveis reformas e devolveu a Portugal alento e vida. No reinado de D. José, o Governador do Grão Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marques de Pombal, fundou o povoado de Macapá, em 1751 e o elevou à categoria de vila em 1758, com o rótulo “São José de Macapá”. Com o passar do tempo o nome do santo foi suprimido e o vocábulo indígena evidenciado. Se tivesse sido mantida a denominação original, a capital do Estado do Amapá seria São José de Macapá, a exemplo de outras cidades brasileiras como São José dos Barreiros (São Paulo), São José da Boa Vista (Paraná), São José dos Campos (São Paulo), São José da Laje (Alagoas), São José de Matões (Maranhão), São José do Mipibu (Rio Grande do Norte), São José do Norte (Rio Grande do Sul), São José do Paraytinga (São Paulo), São José do Paraíso (Minas Gerais), São José dos Pinhais (Paraná), São José das Piranhas (Paraíba), São José do Rio Pardo (São Paulo), São José do Tocantins (Tocantins) e São José do Rio Preto (São Paulo).

 

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Revolta em Arumanduba

Na zona fisiográfica do Baixo Amazonas, na região da Serra Arumanduba, surgiu Almeirim/Pará. Ali, os frades de Santo Antônio criaram uma aldeia de catequese. Para defesa da região, Manoel Siqueira erigiu um forte de pedra e cal, à margem esquerda do rio Amazonas, local onde hoje é a sede do município. Por ter sido construído à margem do rio Paru, a fortificação ganhou esse nome. Em 1758, a aldeia Paru foi elevada a categoria de vila, com o designativo Almeirim, nome de uma cidade portuguesa. O nome arumanduba significa lugar de abundância de arumã, arbusto da família das marantáceas, cuja casca das hastes serve para fazer peneiros, esteiras, tipitis, etc. Em 1928, precisamente no dia 5 de julho, a vila de Arumanduba, sede do empório comercial do coronel da Guarda Nacional, José Júlio Andrade foi palco de uma revolta desencadeada pelo rio-grandense do norte, José Cesário Medeiros, que trabalhava como aviador(agente comercial que avia gêneros para os seringueiros, balateiros,juteiros,coletores de castanha,etc.) na filial comercial em Iratapuru, no alto Jary. No dia em questão, Cesário concluiu a primeira etapa da revolta por ele liderada contra a prepotência de Manuel Neno (Duca Neno), cunhado de José Júlio e gerente-geral de suas propriedades. Consta, que a má fama atribuída ao coronel José Julio Andrade decorreu das atitudes opressoras e tirânicas tomadas por Duca Neno.

Esse indivíduo devotava descaso aos trabalhadores do alto Jary, que coletavam castanha-do-pará e desenvolviam atividades extrativistas. Certa vez, José Cesário precisou conduzir sua esposa a Arumanduba, a fim de pudesse ela se restabelecesse de malária. Bonita e prendada, a senhora de José Cesário despertou a cobiça de Duca Neno, que desejou possuí-la, mas não foi correspondido. Querendo vingar-se do “fora” recebido, Duca Neno ignorou a presença da senhora Cesário. Desassistida, ela escreveu ao marido declarando-se prisioneira de Neno. José Cesário era um homem destemido e bem quisto pelos que trabalhavam sob sua supervisão. Facilmente arregimentar 12 companheiros e desceu o rio Iratapuru rumo à filial da cachoeira Santo Antônio.

O grupo chegou a Arumanduba em surdina, surpreendendo a todos. Ganhou outros adeptos e desceu até a filial de Pacanari, onde, sorrateiramente, prendeu o capitão Filomeno, gerente da filial. Por onde passava, Cesário ia recrutando simpatizantes, chegando a contar com um contingente formado por 800 pessoas. Já havia se apossado do navio a vapor “Cidade de Almeirim”, comandado por José Américo..Naquela oportunidade mandou prender a tripulação e obrigou José Américo a descer o rio Jary na direção de Arumanduba, ali encontrando coronel José Júlio à vontade, que, diante da abordagem inusitada, declarou não saber das atitudes insanas do cunhado. Determinou que seus seguranças não reagissem.Pediu a José Cesário que não quebrasse nada e nem matasse ninguém.Autorizou os revoltosos a retirarem do comércio o rancho necessário para a viagem que fariam até Belém.Apenas o telegrafo foi desligado e os fios cortados,mas o equipamento de transmissão de mensagem não sofreu avarias.

O navio “Cidade de Almeirim” foi deixado no porto, mas os revoltosos se apossaram do vapor “Cidade de Alenquer”, maior e mais veloz. Duca Neno foi levado como refém. Após a partida do navio, o telegrafo foi consertado e uma mensagem transmitida para Belém. As autoridades paraenses determinaram que uma corveta da Marinha interceptasse o“Cidade de Alenquer”, o que aconteceu. Duca Nemo ganhou liberdade, retornou a Arumanduba, mas, amargurado e abatido “sentiu o cheiro da perpétua”, indo residir na ilha Aquiqui, morada do coronel José Júlio, morrendo pouco tempo depois da revolta. Quem se deu muito bem com a revolta foi João José, fiel servidor de José Júlio, que chegou a ser preso por Cesário e deixado em Santo Antônio da Cachoeira. Sabendo que os insurretos tinham abandonado seus bens e criações, subiu o rio Jary e transportou-os para Panacari, onde atuava como gerente do coronel José Júlio de Andrade(RELATO BASEADO EM PESQUISA DE Cristovao Lins).

 

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Amilar Brenha e seu bandolim

 

O maranhense Amilar Artur Brenha foi um cidadão que fez das adversidades um bom motivo para divertir-se e alegrar seus amigos. Nascido na cidade de Pinheiro, a 15 de agosto de 1915, começou sua vida artística aos 11 anos de idade apresentando-se em Circos, Teatros e em emissoras de rádio. Entre os anos de 1926 a 1958, participou do cast artístico de diversos circo, o último deles o “Orion do Norte”, cujo proprietário era Geraldo Monteiro, excelente trapezista e ator. Além de bandolinista, Amilar Brenha contracenava com os palhaços, fazia pontas nos dramas e comédias e integrava a orquestra. Quando o Amilar falava sobre sua vida circense não deixava de lembrar-se do grande amigo Laquimé, um instrumentista de inegáveis méritos. Devido a sua participação em uma comédia, Amilar Brenha ganhou o apelido de javali, pelo fato de lamentar-se da indiferença da mulher que ele paquerava dizendo: “agora tu não me queres mais porque eu não valo nada, mas eu já vali”. O Orion do Norte foi o primeiro circo a se instalar em Macapá, já na fase do Amapá como Território Federal. Instalou-se no campo de futebol que então existia na Praça capitão Augusto Assis de Vasconcelos, que mais tarde passou a ser identificada como Veiga Cabral. Isso ocorreu em 1953, e o Amilar sentia-se cansado da vida artística. Durante sua estada em Macapá, Amilar conheceu vários boêmios que o estimularam a vir trabalhar na capital amapaense, largando as freqüentes andanças necessárias à sobrevivência do circo. Porém, somente no dia 2 de julho de 1958, na condição de passageiro do Rebocador Araguary, embarcação pertencente ao Será Navegação, desembarcou no Trapiche Eliezer Levy. Obteve o emprego de capataz de operários na Companhia de Eletricidade do Amapá e foi atuar no Paredão, onde estava sendo construída a Hidrelétrica Coaracy Nunes. Devotado ao trabalho, não dispunha de tempo para tocar seu bandolim, que por sinal estava bastante avariado. No inicio do mês de fevereiro de 1965, Amilar desligou-se da CEA e foi trabalhar em Mazagão, desempenhando as funções de capataz, auxiliar administrativo e almoxarife.

Na década de 1970, quando se realizou a 1ª Operação Aciso, em Mazagão, os coordenadores da ação social souberam que um funcionário da Prefeitura Municipal tocava bandolim com esmero. O servidor era o Amilar. Inscrito na Ordem dos Músicos do Brasil, Conselho Regional do Amapá, Amilar possuía o Certificado de Habilitação de Violonista, expedido no dia 13 de novembro de 1962. Foi como violonista que o ilustre maranhense começou a ser conhecido nas rodas de serestas de Macapá e Mazagão. Não demorou a mostrar seu desprendimento com o cavaquinho e com o bandolim. Em 1972, Amilar Brenha concorreu às eleições para a Câmara Municipal como candidato do Movimento Democrático Brasileiro-MDB. Tomou posse a 31 de janeiro de 1973, mas renunciou o mandato em 1976, por não comungar com a linha de ação agressiva que o partido adotara contra as autoridades municipais e territoriais. O Território Federal do Amapá era governado pelo capitão de mar e guerra José Lisboa Freire ao qual competia nomear o prefeito. Ainda em 1976, acatando um convite formulado pelo Secretário de Educação, Coronel Luiz Ribeiro de Almeida, o pacato Amilar filiou-se a Aliança Renovadora Nacional-ARENA e nunca mais quis ser vereador. Recebeu a incumbência de ministrar aulas de música na Escola D. Pedro I e saiu-se muito bem. As aulas de violão eram supervisionadas pelo Conservatório Amapaense de Música, hoje Escola de Música Walkiria Lima. A remuneração das aulas deu mais tranqüilidade ao Amilar, haja vista que o salário recebido da prefeitura era baixo e costumava atrasar até quatro meses.

 

Por ocasião da realização da 1ª Semana de Arte Amapaense, levada a efeito no período de 24 a 31 de outubro de 1981, promoção conjunta da Secretaria de Planejamento do Governo do Amapá, Secretaria de Educação e Cultura e Representação do Ministério da Educação e Cultura-REMEC/AP, o Amilar Brenha teve participação marcante. Incentivado pelos amigos no sentido de aprimorar sua escolaridade e obter conhecimentos gerais, Amilar fez vários cursos no campo da música e do folclore. O Curso mais importante foi o de Capacitação Para o Magistério de 1ª a 5ª Séries de 1º Grau, realizado no Instituto de Educação do Território do Amapá-IETA, no período de 5 a 23 de maio de 1980. Respaldado pela Resolução Nº. 37/79 do Conselho de Educação do Território do Amapá-CETA, o curso conferiu a seus participantes um certificado e o competente registro de professor. Amilar Brenha foi assíduo parceiro do violonista Nonato Barros Leal, integrou o grupo de choro “Café com Leite”, o “Regional E- 2” da Rádio Difusora de Macapá e o grupo de chorões “Os Piriricas”. Gravou um disco de vinil com 12 músicas de sua autoria: Piririca no Choro, Laquimé, Sargento Penha, Complete o Tempo, Capitão Boca Torta, Choro das Crianças, Choro Café Com Leite, Lama na Cara, Mazagão no Choro, Choro de Lenha e Tião. Amilar Arthur Brenha faleceu em Macapá no dia 20 de abril de 1991, sendo sepultado no Cemitério São José.

 

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Carnaval, coisa de doido e cabra assanhado

 

As origens do carnaval são bem antigas e a ruidosa festividade provavelmente ganhou notoriedade em Roma, nas saturnais de cunho religioso. O carnaval rigidamente falando, começa na epifania, no dia dos Santos Reis e se estende até a 4ª feira de cinzas, véspera da quaresma. É comemorado no mundo todo, variando as características, mas sempre festa profana de caráter popular. As festas de carnaval têm inicio no domingo da quinquagésisima, estendendo-se na 2ª e 3ª feiras seguintes, período em que se promovem festas e bailes de fantasia. Em Portugal, o carnaval é o período sem restrição para comer carne, em contraposição à quaresma, tempo de jejum obrigatório. São famosos os carnavais de Nice e Paris, na França; Veneza, Roma e Florença, na Itália; Munique, na Alemanha; Montevidéu, no Uruguai; Buenos Aires, na Argentina. Entretanto, é no Brasil que o carnaval adquire grande expressão, principalmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. O primeiro baile carnavalesco realizado no Rio de Janeiro, aconteceu nos salões do Hotel da Itália e data de 22 de janeiro de 1840. Os proprietários do famoso hotel, influenciados pelas notícias do sucesso dos grandes bailes de máscara da Europa, procuraram imitá-los. O êxito foi tão grande, que o baile foi repetido no dia 20 de fevereiro. Realizado em local fechado e livre da violência do entrudo desenvolvido nas ruas, o baile ganhou fama e passou a ser levado a efeito anualmente. O entrudo português prevaleceu no Brasil colonial e monárquico, sendo a forma mais generalizada de brincar o carnaval. Era um folguedo violento e consistia em atirar contra as pessoas água, através de bisnagas ou limões de cera. Os maledicentes se encarregaram de incluir provisões de pós ou cal, este provocando queimaduras. Os mais bandalhos misturavam incrementos com água, levando o produto em baldes ou cacimbas para as vias públicas a fim de sujarem os transeuntes. Sujos e em blocos, os baderneiros não tinham respeito por ninguém. Os componentes da brincadeira eram rotulados como “bloco de sujos” ou “arruaceiros” A prática só mudou depois que a polícia foi obrigada a intervir para civilizar o jogo selvagem. Os brincantes passaram a usar água perfumada, vinagre, groselha e vinho, sempre com o propósito de molhar e sujar que passava desprevenido perto da baderna. O uso de bisnagas e limões de cheiro cessou quando ocorreu a introdução da serpentina, em 1892 e do Lança-perfume, em 1911.

 

Em 1846, o Teatro São Januário passou a concorrer com o Hotel da Itália, embora seus freqüentadores não tivessem os mesmos requintes do promotor pioneiro. Em 1846, o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes, que residia no Rio de Janeiro, saiu pelas ruas do bairro onde morava batendo um bumbo na horizontal. Nas bandas de música da época o bumbo sempre era tocado na vertical, com os couros voltados para os lados. A novidade não passou despercebida, dando origem ao surdo de hoje. Por onde o José Pereira passava os foliões o seguiam formando blocos compostos apenas por homens. A ação desenvolvida pelo Zé Pereira era um velho costume praticado em Portugal. No carnaval do ano de 1847, surgiram outros animadores da folia. Ao contrário do que muitos pensam, a famosa quadra carnavalesca que enaltece o Zé Pereira não foi cantada por ele e sim pelo comediante Francisco Correia Vasquez integrante de uma companhia teatral que levou à cena, em 1896, a paródia de “Lês Pompiers de Nanterre” (Os Bombeiros de Nanterre), na qual apregoava os méritos de grande animador do José Nogueira. Embora o sobrenome do animado lusitano fosse Paredes, o povo entendia que ele pronunciava Pereira, daí ter passado à história como Zé Pereira. A quadra original cantada por Francisco Correia era:

 

“E viva o zé-pereira
Pois que a ninguém faz mal
Viva a bebedeira
Nos dias de carnaval”

 

Em 1886, os jornais classificavam como cordões os grupos de foliões mascarados e provocadores. Seus integrantes saiam fantasiados satirizando personalidades e autoridades. Estes cordões lembravam os antigos cortejos de negros que participavam das procissões de Nossa Senhora do Rosário. Os instrumentos usados eram os chocalhos, tambores, reco-reco e cuíca. Um sujeito tocando apito comandava a folia. Em 1870, os bailes carnavalescos realizados em casas de espetáculos se generalizaram. No ano seguinte, até mesmo o Imperial Teatro Pedro II aderiu à moda, seguido depois pelo Teatro Santana, cujos bailes tornaram-se popularíssimos. Em 1879, um rinque de patinação denominado Shating Rink promoveu um baile que se estendeu até o romper do dia. No final do século XVIII existiam vários clubes dançantes promovendo festas carnavalescas. Até mesmo a Societé Française de Gymnastique, cujo público era rigorosamente selecionado. Nos bailes de antigamente, quando ainda não existiam as músicas carnavalescas, o ritmo que prevalecia era a polca, seguida da quadrilha, da valsa, do tango, do charleston e do maxixe. A primeira música realmente carnavalesca é a polca “Ô Abre Alas”, composta por Chiquinha Gonzaga, em 1899, para o Cordão Rosa de Ouro, que ensaiava próximo à casa da compositora. Ainda hoje, nos locais aonde são realizadas festas de salão, ela é bastante executada.

 

Marcelo Cândia, um bom samaritano

No dia 25 de Janeiro de 1961, ocasião em se comemorava o 17º ano de instalação do Território Federal do Amapá, a Prelazia de Macapá lançava a pedra fundamental de um grande hospital a 3 km de distância do Marco Zero do Equador. Na oportunidade, Dom Aristides Piróvano, Bispo Prelado de Macapá, esclareceu que a importante obra decorria do propósito do Dr. Marcelo Cândia, químico, biólogo e industrial italiano em edificá-la no setentrião brasileiro. Dom Aristides Piróvano disse também que a área de atuação do hospital abrangeria os limites do Território do Amapá, as ilhas situadas na parte lacustre da Ilha do Marajó e outros recantos da Região Amazônica. Ele sabia que, historicamente, Macapá sempre foi um importante ponto de apoio à população carente de recursos residente no Estado do Pará e vizinha à capital do Amapá. O Dr. Marcelo Cândia, velho amigo de Dom Aristides, que estava a seu lado, afirmou estar seguindo os ensinamentos de Jesus Cristo: “curai os doentes”, dando tudo de si aos mais pobres. Não era a primeira vez que o ilustre industrial visitava Macapá. Em 1957, estivera na capital amapaense a convite de Dom Aristides para constatar que a situação do povo local merecia a atenção de religiosos caridosos. Marcelo Cândia fez um documentário cinematográfico focalizando o Amapá da década de 1950 e o levou para mostrá-lo na Itália. Isso permitiu que ele sensibilizasse católicos bem aquinhoados financeiramente, os quais adotaram a idéia de ergue um hospital no Norte do Brasil. Marcelo Cândia nasceu em Nápoles, na Itália, em 1915. Ainda era jovem quando seus pais mudaram-se para Milão. Desde a juventude deixou evidente sua preocupação com os pobres, os humildes e os desamparados. Nas visitas de cunho humanitário realizadas na Ásia e África ficou chocado com a situação de miséria plena em que viviam milhões de seres humanos. Cursou a faculdade de ciências químicas, assumindo a direção da indústria que seu pai possuía assim que concluiu os estudos superiores. Ao término da segunda guerra mundial fundou a “Associação de Leigos Auxiliares das Missões”, cujo propósito era angariar e enviar remédios e auxílios aos Missionários em diversas partes do globo. As atividades da ALAM eram divulgadas através da revista “A Missão”, que ele fundou, especialista em assuntos sobre o Terceiro Mundo. Também organizou cursos breves de medicina e cirurgia para Missionários, na Faculdade de Medicina. Em 1965, vendeu a indústria química que possuía e transferiu-se para o Brasil. Radicou-se inicialmente em São Paulo, vindo a Macapá com regular freqüência para levar adiante deu grande desejo. Os terrenos onde surgiria o hospital, cuja denominação inicial seria Santo Antônio, correspondiam a uma área de aproximadamente 90.000 metros quadrados, limitada pelas avenidas FAB/Cora de Carvalho e ruas Rio de Janeiro/Paraná, estas mais pareciam picadas abertas por caminhões, quase toda murada e cercada. Em maio de 1971, quando aconteceu a inauguração do hospital, a área construída alcançava 6.500 metros quadrados. O projeto foi elaborado na Itália, por engenheiros que já haviam construído obra similar na África e examinado pela Sociedade Anônima Snam-Progetti de Milão, que projetou gratuitamente em todos os detalhes, a construção de esgotos, instalações sanitárias, elétricas, linhas telefônicas e tudo que seria necessário em uma zona com difícil assistência técnica.

 

O hospital sonhado por Marcelo Cândia foi reconhecido como instituição filantrópica pelo Ministério da Educação e registrada no Conselho Nacional através do processo nº 239.372 em 3 de fevereiro de 1969. Na forma de seu estatuto, a entidade chama-se Hospital São Camilo e São Luis, visando principalmente ao atendimento da população carente de sua área de atuação, livre de discriminação religiosa, social ou econômica de seus assistidos. Os setores de atividades médico-social programados para o nosocômio eram: Assistência médico-sanitária na capital e interior; Proteção à maternidade e infância; Educação da População; Atuação como centro de estudos de medicina; Centro de Pesquisas de Moléstias Tropicais e Parasitárias; Preparação de pessoal de serviço auxiliar habilitado. Para conseguir tocar a obra a Prelazia de Macapá recebeu numerosas doações de entidades filantrópicas e paises: Misereor de Aachen (Cr$ 750.000,00), Benevolentia de Amsterdan, através da Fondation Auxilium, Fribuorg, Suíça (Cr$ 100.00,00), Governo Holandês, através da Assistência Técnica Internacional do Ministério de Negócios Estrangeiros (Cr4 275.000,00 e materiais), Caritas Internacional e Caritas do Brasil, em doações deparadas de materiais, Oxfam (materiais destinados a lavanderia),Governo Brasileiro por doações do Ministério do Interior,da Saúde e da Educação, Catholic Rekief Services, de Nova York. Também contribuíram numerosas entidades particulares do Brasil e do exterior. Vale ressaltar que, em 1969, segundo o Anuário Estatístico do Território Federal do Amapá, a unidade federada tinha uma população de 120.000 habitantes. Cerca de 50.000 pessoas residiam em Macapá. Registrava-se na época um alto índice de mortalidade geral por doença endêmica, má nutrição, más condições de higiene, falta de assistência médica e elevado índice de natalidade, calculado em 9%. Dentre residências existentes na cidade de Macapá apenas 1025 estavam ligadas à rede pública de abastecimento de água e 421 ligadas à rede de esgoto. O quadro de pessoas do Governo do Amapá comportava 3.230 servidores.

 

Agricultura: produção e venda

 

Ainda em 2011, o empirismo agrícola prevalece na lavoura do Amapá. Nossos agricultores continuam utilizando o machado e o fogo para limpar as áreas desmatadas destinadas as suas roças. Raramente algum produtor agrícola pode fazer uso de arado, trator, grade e adubo em suas plantações. A cultura da mandioca segue despontando como a de maior prática porque farinha todo mundo come, com a tapioca se faz o beiju e o tucupi é muito apreciado. Como os solos do Estado do Amapá são em grande parte laterizados, os agricultores optam por culturas mais resistentes. A concorrência de gêneros produzidos em larga escala, com boa colocação no mercado dificulta a venda de seus produtos. Em 1751, quando os colonos açorianos chegaram a Macapá, plantando de imediato suas roças, as chuvas foram implacáveis com eles.

Os açorianos voltaram a plantar arroz, milho, feijão, urucu, mandioca e hortaliças a partir de junho de 1752. Em Mazagão, a contar de 1771, quando os primeiros colonos foram instalados, a produção começou fraca, mas em 1773, a exemplo de Macapá, já exportava arroz para Belém. Na Colônia Pedro II, criada em 1840 à margem esquerda do rio Araguary, a agricultura não prosperou. Porém, a partir de 1891, posicionada no local onde está a cidade de Ferreira Gomes, os resultados foram relativamente apreciáveis. A colônia produziu arroz, feijão, farinha e outros gêneros. Até um trapiche foi construído, servindo de atracador para navios egressos de Belém, que transportavam estes produtos para a capital do Pará. As febres palustres e a pobreza do solo fizeram a colônia regredir. Em 1890, no lugar denominado “Ponta dos Índios”, o governo republicano do Brasil mandou construir 12 casas de madeira para abrigar um contingente do Exército e colonos. Entretanto, o local foi mal escolhido e o projeto de povoamento da região não teve êxito. Transferida para a localidade de Santo Antônio, à margem direita do Rio Oiapoque, a Colônia Militar ali permaneceu até 1920, ocasião em que surgiu o Núcleo Colonial de Clevelândia. Nos anos de 1920 e 1921, várias casas foram construídas para abrigar colonos nordestinos flagelados pela seca.

O local dispunha de hospital, serraria, escola, estação radiotelegráfica, luz elétrica, armazém e capela. Em 1923, quando 30 famílias já atuavam na área, prisioneiros políticos e até 158 condenados por crimes comuns lá desembarcaram prejudicando a iniciativa. No período de 1925 a 1927, uma devastadora epidemia de desinteria bacilar ceifou a vida de 42% da população. Em 1935, o governo federal extinguiu o núcleo colonial e colocou Clevelândia sob jurisdição do Ministério da Guerra. Em 1949, quase seis anos após a criação do Território Federal do Amapá, o governador Janary Nunes distribuiu lotes de terras a 12 colonos nordestinos ao longo da estrada que liga a base aérea a Oiapoque. A partir de 1950, o governo territorial iniciou a elaboração de um projeto visando a criação de uma colônia agrícola entre as vilas de Porto Grande e Ferreira Gomes. Outra tentativa agropecuária foi realizada na região do rio Matapi, distante 120 km de Macapá.

A Colônia Agrícola do Matapi começou a funcionar em fevereiro de 1949 e em março de 1950 registrava a presença de cinco colonos. No mês de junho desse ano havia 17 casas abrigando 100 pessoas. Os lotes de terra tinham a forma retangular medindo 300 m de largura e mil metros de comprimento. Durante os dois primeiros anos cada colono casado recebeu Cr$ 500,00(quinhentos cruzeiros) mensais em forma de pecúlio. Quase todos os colonos vieram de sítios existentes ao longo da Estrada de Ferro de Bragança e plantaram arroz, milho, mandioca, feijão, macaxeira, batata doce, girimum, hortaliças e frutas diversas, mesmo enfrentando os ataques do “chupão”, da formiga-de-fogo e da saúva. O arroz produzido era beneficiado na usina que o governo tinha instalado no Posto de Experimentação Agropecuária da Fazendinha. As sementes eram distribuídas gratuitamente pela Divisão de Produção e o governo comprava toda a safra.

 

 

Celestine, evadido das prisões de Cayaene

 

Celestine, um cidadão francês traído pela mulher e pelo destino, viveu vários anos livre nas terras banhadas pelo Rio Oiapoque ao lado de uma nativa que tomou por esposa e que lhe deu alguns filhos. Nasceu em 1914, na cidade de Lille, no norte da França, fronteira com a Bélgica e com o Canal da Mancha. Por ocasião da II Guerra Mundial, a despeito de ser casado, Celestine foi um dos primeiros voluntários a se apresentar aos comandantes das tropas francesas envolvidas no conflito. Esteve em várias frentes de batalhas, porém, nunca deixou de mandar o necessário para o sustento da família que, obrigada pela guerra foi residir em Paris, hospedando-se na casa de parentes. Seu sonho era ver a guerra acabar e poder retornar para casa. Ao final do confronto, Celestine estava entre os soldados franceses que marcharam sob o Arco do Triunfo, em Paris, comemorando a vitória dos aliados contra os países do Eixo. Após a desmobilização das tropas foi procurar sua família, mas não a encontrou junto a seus parentes.

Os familiares demonstravam muito nervosismo porque Celestine era homem de temperamento forte e poderia cometer uma loucura se ficasse sabendo de algo comprometedor a respeito do comportamento da esposa. Disseram-lhe apenas que ela só aparecia para receber o dinheiro que ele mandava. Celestine saiu a sua procura, localizando-a numa casa de cômodos nos arrabaldes de Noisy lê Séc , longe do centro de Paris. Ao entrar no quarto encontrou-a nos braços de um homem. Dominado pelo ódio, Celestine investiu contra os dois, matando-os a golpes de punhal. Poderia ter fugido para a Bélgica, mas preferiu apresentar-se as autoridades policiais. Tinha esperanças de que devido às circunstancias do ocorrido, o caso fosse melhor compreendido e a pena mais suave. Ledo engano. Celestine foi condenado “au bagne” (galés perpétuas). Inicialmente ficou recluso em Paris, na prisão de La Santé (a saúde), sendo transferido posteriormente para Maison Carrée (Casa quadrada), na Argélia, donde foi embarcado num “convoi” (comboio) para a Guiana Francesa. Entre os transportados Celestine encontrou Pierre le Grand, um sujeito de estatura avantajada que impunha respeito aos demais, do qual se tornou amigo. Ao desembarcarem em Cayaene, Celestine e Pierre permaneceram no mesmo grupo que passou a cumprir pena na “Route Zéro”, uma estrada sem destino específico que estava sendo aberta na região de Saint Luarent du Marroni (São Lourenço de Marroni). A estrada servia para manter ocupados os condenados e não havia pressa em concluí-la. Não foram poucas as vezes que Celestine e outros prisioneiros tiveram de enfrentar jornadas exaustivas no terrível campo de Kourou le Roche (coser a rocha). Aí os presos cortavam enormes troncos de árvores sem nenhuma utilidade. Recebiam minguada ração e dormiam acorrentados.

Em Kourou, Celestine, Pierre le Grand e mais quatro companheiros planejaram a primeira tentativa de fuga. A maneira como ela aconteceu foi narrada pelo próprio Celestine ao Tenente Alfredo Gama, oficial do Exército Brasileiro que desde 1940 ia com regularidade ao Oiapoque e o entrevistou. “Todos tínhamos economias guardadas com segurança, cada um no seu Plan (tubo de dez centímetros de comprimento, mais ou menos, feito de alumínio, prata, ouro, segundo as posses, em que os forçados guardavam seus valores, dinheiro, etc., introduzidos no anus e alojados no intestino grosso. Os seis compraram uma canoa de uns nativos e empreenderam a fuga numa noite escura seguindo o curso do rio Marroni no sentido do Oceano Atlântico. Seguiram navegando sempre com terra à vista rumo ao norte. Entre os fugitivos estava o Michel, que tinha sido marinheiro e aconselhou aos demais que seria melhor rumar para terra e seguir a pé pela praia no rumo da Venezuela. A canoa era frágil e as águas do oceano estavam encrespadas demais e infestadas de tubarões. Mal a canoa se aproximou da terra uma onda lançou-a contra as pedras, destruindo-a. A jornada a pé favoreceu a alimentação do grupo, haja vista que havia muitos mariscos e pequenos peixes entre os recifes . Somente no quarto dia de caminhada encontraram uma aldeia de pescadores e souberam que estavam na Guiana Holandesa, atual Suriname.

 

Os seis fugitivos passaram dois dias entre os nativos, recebendo muita atenção e respeito. Utilizando outra canoa, que não estava preparada para enfrentar a força do mar, aventuraram-se sobre ele tendo a Venezuela como ponto de chegada. Eles sabiam que naquele país estariam livres dos tormentos das prisões francesas. Pouco navegaram, porque a canoa fazia muita água. Entraram no rio Suriname, a fim de calafetá-la ou adquirir outra bem sólida. Á noite chegaram a Paramaribo e sorrateiramente se dirigiram a uma casa que lhes parecia ser uma hospedaria. O creôlo que os recepcionou informou-lhes que seria humanamente impossível chegarem à Venezuela e sugeriu que ficassem por mais tempo na cidade para negociarem uma boa canoa. O creôlo não perdeu tempo em denunciá-los à polícia. Presos, foram recambiados para a Guyana Francesa e metidos na prisão da ilha de Saint Joseph (São José), onde cumpriram seis meses de reclusão “au cachot” (cubículo subterrâneo para insubordinados), a pão e água. Cumprida a penalidade, seis criaturas esqueléticas foram retiradas dos cubículos e recambiadas para Saint-Laurant du Maroni e entregues aos tormentos de construir a “Route Zéro”. Do grupo de seis fugitivos apenas Celestine e Pierre, le Grand conseguiram sobreviver aos trabalhos forçados. Pouco tempo depois os dois amigos foram separados.

Embrutecido pelo sofrimento, Celestine isolou-se dos demais presos, cumprindo resignadamente sua desdita. Isso fez os gendarmes e diretores das prisões o considerassem um preso disciplinado. Acabou sendo transferido para Cayenne após dez anos de peregrinações por diversos lugares medonhos. Seu novo destino foi a Usina Elétrica de Cayenne, onde reencontro o velho amigo Pierre. Novamente os dois passaram a planejar nova fuga, desta feita para o Brasil. Trabalhavam na Usina: Celestine, Pierre, Louis le Corsé (Luis, o consistente) e le vieux Gilôt (o velho Gilôt). Este disse que ajudaria seus companheiros, mas a idade não permitiria que ele se aventurasse às jornadas estafantes. Tidos como comportados, os presos cumpriam com exatidão suas jornadas. Um dia souberam que um veleiro deixaria Cayenne com destino a Saint George (São Jorge) transportando víveres para os mineiros e exploradores franceses que andavam a procura de ouro no rio Oiapoque. Logo ficaram cientes de todos os detalhes sobre o veleiro: tamanho, tripulação, dia e hora exata da saída e a rota a ser seguida. Souberam também que o comandante era um aventureiro capaz de qualquer patifaria por argent (dinheiro). Isso, Celestine, Pierre e Louis tinham bastante em seus Pans.

Na tripulação do veleiro havia seis “liberés” (forçados com relativa liberdade, obrigados a permanecer na Guyana para cumprir integralmente a pena recebida). Enquanto o comandante almoçava os três forçados embarcaram no veleiro com a ajuda dos “liberés”. Em alto mar a tripulação foi rendida e o comandante obrigado a seguir as orientações de Louis. Depois de dois dias de viagem os fugitivos pediram para desembarcar num ponto deserto do litoral brasileiro, onde construíram um carbé (choupana). Todos estavam bem armados e possuíam boa quantidade de alimentos comprados no veleiro. Livre, Louis le Corsé quis impor autoridade absoluta, com o que Pierre não concordou. Os dois não tardaram a entrar em litígio. Armado de um fuzil, Louis desferiu um tiro no peito de Pierre que, mesmo ferido de morte ainda teve forças suficientes para usar um sabre tomado de um gendarme e trucidar o antagonista. Celestine, acometido de malária a tudo presenciou. Decorridos dois dias, um pouco melhor da febre, Celestine deu sepultura a seus companheiros de fuga com todos os seus pertences.

Não teve coragem de extrair os Plan dos anus dos comparsas mortos. Celestine queimou o carbé e embrenhou-se na mata seguindo o curso do rio Oiapoque no sentido da nascente. Tinha consciência de que estava perto de obter a felicidade almejada. Foi estabelecer-se numa ilhota pertencente ao Brasil, próximo à boca do rio Maropi, no alto rio Oiapoque. Casou com uma índia brasileira, de cuja união nasceram cinco caboclinhos dos olhos azuis. Celestine nunca foi importunado, até morrer. Militares brasileiros sediados em Clevelândia, que conheceram os filhos de Celestine, afirmavam que as crianças tinham pele clara, cabelos louros e olhos azuis. Por causa deles, dizia-se que no alto rio Oiapoque existia uma tribo com essas características, cujos membros procuravam manter-se isolados dos civilizados.

 

Visita da Virgem de Nazaré à Amazônia

EAntes dos Abarés (aba=homem e ré=diferente), ou seja, os Padres Jesuítas, iniciarem seus trabalhos de catequese na Amazônia, nossos indígenas possuíam belíssimas lendas sobre a criação do mundo, dilúvio, origem da noite, o justiceiro jurupari, etc. Os personagens dessas lendas eram naturalmente elementos da cultura silvícola. Eles acreditavam que dentro da carcaça de cada ser vivo existia um espírito ou alma, ao qual denominavam de Anga. Se o ser vivo, principalmente o índio fosse cordial, solidário e amigo, dentro do seu corpo habitava uma Angacatú, isto é, alma boa. Caso ocorresse o contrário, no interior do corpo existia uma Angaíba (alma ruim). Uma vez inseridos no meio dos gentios, os religiosos católicos introduziram preceitos cristãos em suas lendas. As divindades femininas dos índios eram: a Iara (senhora das águas) e Jacy (a lua). O índio usava o vocábulo ibaca para identificar o céu, a abóbada celeste, onde residia Tupã. Por influência dos sacerdotes católicos adotaram os neologismos Jandé Jará e Iandeyara para se referir a Deus. Os dois vocábulos significam Nosso Senhor (Jesus Cristo). Aangara ou Anhangá era o tentador, o diabo, o demônio. Quando queriam falar Nossa Senhora ou nossa mãe, usavam o vocábulo Nhandé Cy. Depois que a alma deixava o corpo ela ia habitar o Anguendaba, lugar onde deve estar a alma. A alma que necessitasse passar por expiações de falhas e ficava vagando no plano terrestre era denominada Anguera, alma que está fora do corpo, assombração. A alma cheia de pecados graves ou mortais ia direto para o Anhanguara, buraco do diabo, o inferno. O relato da morte de Jesus Cristo e da vida atribulada da Virgem Maria fascinava os índios. Muitas lendas surgiram sobre as aparições da Mãe de Jesus, notadamente na Europa. Porém, a que público nesse espaço é uma das mais interessantes que conheço e foi recolhida pelo médico e etnólogo Ary Tupinambá Pena Pinheiro, notável homem de letras que viveu no Território Federal de Rondônia.

“A Virgem de Nazaré, após a morte de seu amado filho, morto por incompreensão dos homens, subiu viva para a Mansão Celestial, para ficar ao lado dos seus entes queridos. Passaram-se anos e a Santa, sentindo saudades da terra, quis vir até este vale de lágrimas, mesmo porque teve conhecimento de que os ensinamentos do Divino Mestre não eram obedecidos. O ódio, a inveja, o rancor, o egoísmo e a hipocrisia continuavam com a mesma intensidade das épocas passadas. Entretanto, não quis descer em seu país natural, porque as chagas de seu coração ainda sangravam devido àquela tarde de amargura e de terror, quando foi martirizado, torturado e crucificado o filho de Deus. Escolheu a região banhada pelo rio Tocantins, lugar em que os homens não haviam profanado a fauna e a flora, onde as plantas e os animais falavam. Certo dia, quando o sol brilhava com muita intensidade e o céu parecia mais azul, a Santa desceu incógnita em uma belíssima praia localizada entre os rios Jamundá e o Tapajós. Ficou extasiada quanto ao volume das águas, o esplendor da floresta, a alvura das areias das praias, as cachoeiras imponentes e continuou na sua peregrinação rendendo graças a Deus pela oportunidade que lhe dera de ver uma região tão bela e majestosa. À tarde, antes de regressar à Mansão Celestial, fez uma prece ao Senhor do Universo e prometeu que dentro de duas luas viria de novo continuar as suas andanças. Nossa Senhora pensava que estava incógnita, mas um peixinho amazônico, denominado Aramaça, que devido às suas inúmeras indiscrições, ficou com deformação na cabeça e estrábico, acompanhava todos os passos da Mãe de Jesus. Logo que a Santa subiu aos céus, o linguarudo Aramaça participou a todos os animais, às plantas e aos insetos tudo quanto tinha visto e ouvido. Foi um alvoroço. Imediatamente foram constituídas comissões de quadrúpedes, aves, peixes, répteis, insetos, plantas, para a recepção de Nossa Senhora, daí a duas luas…

Foi construído na praia a que a Santa deveria chegar um grande altar, aromatizado com as essências mais perfumadas, tais como: sândalo, cumaru, e o pau rosa. A bicharada, sob a regência do maestro Jabuti, “doublé” e filósofo, ensaiara um hino sacro para saudar a Virgem Maria. Tudo foi preparado com carinho e amor. No dia marcado para a visita da Santa postaram-se nas nuvens o urubu-rei e o gavião real, cujas dispersões de vôos são incomparáveis, para dar notícias da aproximação de Nossa Senhora. Era uma bela manhã de sol. O Céu, sem nuvens, brilhava intensamente. A natureza compartilhava com a bicharada, com sua beleza, para receber a Mãe do Divino Mestre. E, às nove horas da manhã, ouviu-se um grasnar do gavião-real e o crocitar rouquenho de urubu-rei, anunciando a descida da Mãe de Deus. A Santa chegou suavemente e pisou nas areias branquíssimas da praia. Imediatamente partiu da mata uma belíssima e significativa procissão de quadrúpedes, répteis e ofídios tendo à frente, portando um vistoso estandarte, o tamanduá-bandeira. A confraternização dos animais era impressionante. Via-se a onça pintada de braços com a sua fidagal inimiga, a anta; a suçuarana e o veado vinham abraçados; a jararaca, toda risonha estava enrolada no pescoço do queixada; o jacaré, lado a lado com a paca. Bandos de macacos saltando nos cipós balançavam-se nos galhos. Viam-se os macacos: barrigudo, o guariba, o da noite, o do cheiro, o cuxiú, o coatá, comandados pelo prego, que pulava de alegria, chegando até a perturbar o ambiente. Bela confraternização universal que deveria ser imitada pelo homem. Revoadas de bem-te-vis, arapongas, andorinhas, canários-da-terra, pipiras, anus, coleiros, tangarás, tico-ticos, ferreirinhos, urutaus, anambés e tanguruparás coloriam o ambiente como também as borboletas azuis, amarelas, brancas, pardas, furta-cores e listradas. Outra revoada chegava cada ave procurando ansiosamente uma nesga de chão ou galho desocupado. Eram sanhaçus, arapapás, gaivotas, jaburus, guarás, garças, cojubins, pica-paus, maçaricos, mergulhões, surucuás e piaçocas. Das águas mansas do rio saltaram o boto, o peixe-boi e o pirarucu, seguidos por toda a fauna fluvial. Vinham cantando o hino sacro ensinado pelo maestro Jabuti, que compenetrado empunhava a batuta.

Santa Maria, deslumbrada, sentou-se ao trono e a manifestação dos animais foi iniciada. O jacaré-açu, relações públicas, deu a palavra ao intelectual dos sáurios amazônicos, o jacaré-de-lunetas, que proferiu uma belíssima oração de louvor à hóspede, causando lágrimas a todos os presentes. O jacaré-açu abrindo a bocarra, deixou correr pelos olhos grossas bagas de lágrimas, lágrimas de crocodilo. O peixe-boi depositou aos pés da Virgem Santíssima uma esplendida corbelha de flores de mururé, cuja flor lilás condizia o hábito da Santa; o boto, esquecendo por instantes as suas conquistas amorosas, depositou aos pés da Mãe de Jesus uma magnífica vitória-régia, trazida do lago “Espelho de Lua”, em Faro, o lago mais bonito da Amazônia; o pirarucu, representante dos peixes, pediu a palavra; porém, não pôde continuar com a sua oração em virtude da sua língua óssea e de ser gago; miríades de andorinhas grifavam ao redor da Divina Santa; os beija-flores trouxeram nos bicos minúsculos e cheirosas flores: violetas, jasmim, mirtos, e pulverizaram a coroa de Mãe de Jesus. Durante a manifestação o cauim, a tiquira, a manicuera e a caussuma corriam em profusão entre a bicharada. E o macaco-prego, na sua euforia e saliência, dava saltos imponentes igual a um atleta de circo, perturbando cada vez mais a reunião. O quati-mundéu, delegado de polícia, que não brincava em serviço, imediatamente o prendeu na sapopema de uma sumaumeira. Entardecia. Nesse ínterim, ouviu-se uma linda música saída das capoeiras. Era uma banda regida com maestria pelo mutum, que tocava o seu bombardino; as aracuãs tocavam os pistões; os papagaios, os periquitos, os clarinetes e as requintas. Que música eloquente e inebriante dedicada à Mãe mais sofrida do mundo. A festa estava no auge! A Virgem carinhosamente olhava com ternura e amor toda aquela bichara alegre, ruidosa, feliz e mais uma vez, fez uma prece ao Senhor do Mundo, por ter povoado a Amazônia com toda aquela maravilha. A algazarra era imensa, a euforia contagiante, a confraternização emocionante. Nessa ocasião, apareceram os poetas da mata, para prestarem também a sua homenagem. Cantaram as patativas com suas vozes de soprano; depois o mavioso rouxinol, com voz de tenor; em seguida o sabiá-da-mata, com sua voz de barítono, cantou, interpretando a tristeza do entardecer das matas amazônicas. A algazarra continuava hilariante. A Santa pouco podia escutar. E foi nesse momento que se ouviu o trinar docente, e, como por encantamento, toda a algazarra cessou. Todos escutavam enlevados o Orfeu ornitológico amazônico. Era um passarinho feio, pardusco, o Uirapuru, que parecia ter na sua privilegiada garganta de cristal todas as rimas e todas as estrofes comoventes e arrebatadoras existentes no Universo. O Uirapuru passava do alegre ao grave, do pitoresco ao dramático, da canção à sinfonia. A bicharada imóvel e Nossa Senhora risonha, prestavam viva atenção à música daquela garganta de ouro, que soltava acordes tão inebriantes, tão sedosos, tão sentidos. Ouviu-se um sussurro. Era Nossa Senhora, emocionada até as lágrimas, que se levantou do seu trono e conferiu ao passarinho cantador o condão de pássaro da sorte. E é devido ao presente da Mãe de Jesus que a tradição conta que o indivíduo que possuir um bico, uma pena ou mesmo uma patinha do Uirapuru, a sorte lhe será perene.

A Virgem Santíssima, apesar de estar imensamente comovida e apreciando toda aquela admirável manifestação, tinha de regressar aos céus. Fez uma prece por todos, abençoou toda a bicharada e prometeu voltar brevemente”. É provável que algum jesuíta tenha concebido essa narrativa, que foi sendo passada de geração à geração. Há quem afirme ter sido organizada pelos animais da Amazônia a primeira grande homenagem a Virgem de Nazaré, embrião do círio organizado pelos homens, que começou na cidade de Vigia e atualmente também ocorre em outras cidades amazônicas, inclusive em Macapá.

 

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Falta-nos um Sistema de Cultura

Embora o lema da Bandeira Nacional seja “Ordem e Progresso”, pinçado da frase concebida pelo Frances Augusto Comte: “O Amor por principio e a Ordem por base; o Progresso por fim”, o Brasil continua sendo um país que tem suas leis, códigos e normas, mas seus mandatários não gostam de cumpri-las. O absolutismo que prevaleceu na nação brasileira, desde a sua descoberta até o fim da Monarquia, continuou marcante no período republicano e parece não ter fim. Ainda não conseguimos implantar um Sistema Nacional de Cultura porque os governantes preferem posar de “Mecenas”, embora, no serviço público, com aplicação de dinheiro do Tesouro Nacional esse tipo de protetor cultural não existe.

O mecenato é próprio dos que usam recursos advindos de suas atividades empresariais ou de quem reserva parte de seus ganhos para estimular os cultores das artes. O Brasil andou perto de implantar um sistema cultural há cerca de quatro anos, mas não o fez, a conta do apadrinhamento que os políticos usam para manter produtores das artes sob suas asas. No Amapá, seguindo os estudos realizados pelo Governo Federal, também elaboramos nosso Sistema de Cultura.
O Executivo Nacional reuniu, em Brasília, em 2010, gente de todas as vertentes culturais, dispensando total atenção para os que se mostraram coniventes com a condenável prática de submissão aos chefões do Partido dos Trabalhadores exercida no país. A bola bateu na trave, foi pela linha de fundo e ninguém quis ir buscá-la para dar reinicio ao jogo. Uma prova cabal dessa verdade está no fato dos governantes terem extinguido os Conselhos de Cultura, normativos e fiscalizadores por natureza.

Os governantes que não o extinguiram o transformaram em singelos Conselhos Deliberativos, principalmente para acomodar agentes culturais de sua preferência, muito mais militantes políticos do que cultores das artes. Recentemente, no decorrer da campanha política para a Presidência da República, o consagrado compositor/cantor Chico Buarque de Holanda declarou seu irrestrito apoio à candidata Dilma Rousseff. Imediatamente, surgiram nas redes sociais diversas postagens afirmando que a declaração de Chico Buarque decorria do apoio financeiro dado pelo Ministério da Cultura a uma irmã do cantor, algo em torno de oitocentos mil reais. No período em que Gilberto Gil foi Ministro da Cultura, o cantor Caetano Veloso disse que estava sendo discriminado pelo governo, que lhe negou recursos para a realização de um trabalho musical. No Amapá, um parlamentar conseguiu arrancar do orçamento federal a importância de 600 mil reais para contemplar apadrinhados, entre eles um irmão que completava 50 anos de idade. Dentre os governantes amapaenses, o Waldez Góes foi o que mais se aproximou da implantação de um Sistema Cultural. Reinstalou o Conselho de Cultura, que havia sido jogado no abismo por João Capiberibe, instituiu a Lei de Incentivo à Cultura e deu ao Silogeu uma estrutura normativa e fiscalizadora invejável.

Os bajuladores e submissos não gostaram. Os que exerceram controle administrativo da Secretaria Estadual de Cultura declararam guerra ao Colegiado e se negaram a fornecer-lhe os documentos que a lei lhe assegurava o direito de exigir. Ao final do mandato dos conselheiros prevaleceu a vontade do parlamentar, que prometeu imorredouro apoio ao Waldez caso ele nomeasse apenas seus escolhidos. O tal parlamentar abandonou com a parceria, já no governo do Camilo, assim que nuvens negras pairaram sobre a cabeça do ex-governador. Agora, a partir do dia 1º de janeiro de 2015, Waldez Góes vai governar o Amapá pela terceira vez.
Os membros do setor cultural que almejam ver o Estado trilhando a rota do mérito e não do favorecimento, aguardam medidas saneadores em todos os sentidos. Se isso não acontecer, o Amapá estará ferrado e desamparado da esperança. Basta de tantas festas sem objetividade alguma. Vamos recuperar o Parque do Forte, tornar atrativa uma visita à Base Aérea de Amapá, apoiar as entidades culturais que podem engrandecer as ações de governo e mandar as favas os oportunistas. Agora, em 2018, configurada a vitória de Waldez Góes nas eleições, resta-nos esperar que o tal sonhado Sistema Cultural se torne realidade. Waldez encerrará o quarto mandato em dezembro de 2022, mas nada mudou.

 

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