Nilson Montoril

São José de Botas


Algumas imagens de São José, pai putativo de Jesus Cristo, mostram o humilde carpinteiro usando botas. Acredita-se que a inovação pretende lembrar a condição de caminhante que ele desempenhou ao fugir para o Egito, levando sobre o lombo de um burro sua esposa Maria e o menino Jesus. O ato, revestido de invulgar magnitude, mereceu ser lembrado através de pinturas, nas quais São José usa um tipo de calçado próprio dos seres triunfantes. Acredita-se que o homem passou a usar calçado entre 26 mil a 40 mil anos atrás. A proteção dos pés pode ter ocorrido há cerca de 500 mil anos. No tempo em que José viveu, na Palestina, as pessoas simples usavam sandálias fabricadas com solado de madeira e tiras de couro, similares as que hoje ainda são fabricadas em diversas partes do mundo. Apenas as pessoas portadoras de bons recursos, principalmente entre os romanos, protegiam os pés com calçados de sola grossa e alta, feitos com apurado requinte. Em Roma, os sapatos eram indicadores de status social e riqueza. Os ricos patrícios usavam calçados com sola de prata ou ouro sólido. O soldado romano usava a caligae, uma espécie de sandália com uma grossa sola de couro com pregos e tiras que a prendiam às pernas. Em campanhas bélicas os generais cobriam os pés com o campagus, uma bota feita de peles, cujo cano era adornado com pérolas e pedras preciosas e chegava até no meio da perna. Os plebeus calçavam sandálias rústicas similares às utilizadas pelos judeus.

 

Na antiga Grécia, os deuses eram retratados usando este tipo de calçado, denominado Kóthournos. Ele era atado pela frente através de tiras de couro macio e usado, sobretudo pelos atores trágicos. Os Kóthournos eram uma espécie de calçados simbólicos de alta dignidade, destinados aos deuses, semi-deuses e heróis lendários. Os romanos, notadamente os militares de alta patente, os magistrados e os nobres os adotaram, denominando-os cothurno. Os franceses também agiram da mesma forma, imitando os neerlandeses, que se referiam ao calçado como brozekem, evoluindo, no francês antigo para brosequim. Em português a palavra passou a ser escrita borzeguim, isto é, uma botina cujo cano é fechado com cordões.

 

A ideia de perpetuar a imagem de São José trajando botas decorre do costume grego e ganhou reforço nos quartéis militares portugueses, onde se exigiam dos frequentadores, bilhetes denominados santo e senha, em que se anotava a senha com o nome de um santo para reconhecimento do portador. O bilhete funcionava como sinal previamente combinado para se conhecer, sem indiscrição, quem era partidário e quem era adversário. Assim, muitos adotavam a palavra botas como senha e José, como santo. Em decorrência do hábito surgiram as expressões São João de Botas, São Miguel das Botas etc. Vale lembrar que os arcanjos Rafael, Gabriel e Miguel também são retratados usando coturnos.

 

Segundo relatam antigos moradores de Macapá, havia uma imagem de São José de Botas no frontispício do portão principal da Fortaleza.  No altar da capela havia outra imagem regularmente confeccionada. Conta-se que, depois que a Fortaleza foi desativada, na década de 1920, a imagem de São José de Botas foi retirada do frontispício do portão principal e transferida para a igreja matriz, sendo colocada no altar mor, na primeira banqueta à frente de São José padroeiro da cidade. Por obra de alguém que não suportava ver a fachada do forte sem a presença do santo de botas, a imagem sempre reaparecia no espaço tradicional. Muitos devotos tomavam este fato como milagre, menos o Padre Júlio Maria Lombaerd que teria descoberto o autor da marmotice e lhe passado uma descompostura federal.

 

A comunidade católica de Macapá reverenciava São José desde a formação do povoado, em 1751. Inicialmente a festa do padroeiro acontecia no dia 19 de março. No ano de 1955, o Papa Pio XII instituiu a festa de São José Trabalhador com realização no dia 1º de maio. Nesta segunda data é evidenciada a condição de operário de São José. A Igreja Católica tomou esta decisão para mostras a seus integrantes que as profissões mais humildes também facultam aos trabalhadores os meios para manter seus dependentes com altivez e dignidade. Foi exercendo a profissão de carpinteiro que José conseguiu promover o sustento de sua família. Mesmo não sendo o pai biológico de Jesus Cristo, José aceitou com resignação a missão que lhe foi confiada por Deus. Em sua rústica oficina, José manuseava a serra, a enxó, a plaina, o compasso, o formão, o prumo, o martelo, o esquadro, a régua, o grampo e a vara com as medidas similares as adotadas mais tarde no sistema métrico decimal. José era sobejamente conhecido na Galiléia, notadamente em Belém e Nazaré. Alguns pesquisadores acreditam que José também exercia a profissão de construtor, sendo bastante requisitado para desenvolver trabalhos de boa qualidade.

 

Nossa cidade de Macapá, inicialmente identificada com Lugar, pelos portugueses, foi denominada São José de Macapá em homenagem ao santo e ao Rei D. José I, vigésimo quinto monarca de Portugal, filho de D. João V e da rainha D. Marianna de Áustria. D. José nasceu em Lisboa e governou a terra lusitana e seus domínios entre 1750 e 1777. Fortificou sua administração ao nomear como Primeiro Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, que passou aos anais da história como o todo poderoso Conde de Oeiras e Marques de Pombal. Pombal dirigiu os negócios públicos da coroa realizando formidáveis reformas e devolveu a Portugal alento e vida. No reinado de D. José, o Governador do Grão Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marques de Pombal, fundou o povoado de Macapá, em 1751 e o elevou à categoria de vila em 1758, com o rótulo “São José de Macapá”. Com o passar do tempo o nome do santo foi suprimido e o vocábulo indígena evidenciado. Se tivesse sido mantida a denominação original, a capital do Estado do Amapá seria São José de Macapá, a exemplo de outras cidades brasileiras como São José dos Barreiros (São Paulo), São José da Boa Vista (Paraná), São José dos Campos (São Paulo), São José da Laje (Alagoas), São José de Matões (Maranhão), São José do Mipibu (Rio Grande do Norte), São José do Norte (Rio Grande do Sul), São José do Paraytinga (São Paulo), São José do Paraíso (Minas Gerais), São José dos Pinhais (Paraná), São José das Piranhas (Paraíba), São José do Rio Pardo (São Paulo), São José do Tocantins (Tocantins) e São José do Rio Preto (São Paulo).

 

*********************************************************************************************************