Cidades

Ensino Médio Integral: Amapá é o único estado do norte com modelo em todos os municípios

Estudantes relatam benefícios e resultados positivos do ensino médio integral, enquanto o país enfrenta o desafio de alcançar as metas educacionais estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação


 

O Amapá vem nos últimos anos assumindo posição de liderança entre os estados do Norte do país, com todos os seus municípios oferecendo escolas de tempo integral na rede estadual desde o ano passado. Esse avanço reflete a importância crescente do ensino em tempo integral como estratégia para melhorar a qualidade da educação e enfrentar as desigualdades no Brasil. Neste contexto, o desafio do ensino em tempo integral no país ganha destaque, principalmente na busca por alcançar as metas educacionais estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE).

 

Em breve, o sistema educacional brasileiro será posto à prova. O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela Lei 13.005/2014, estabeleceu na sua meta 6 que, até 2024, pelo menos 50% das escolas públicas ofereçam ensino em tempo integral, atendendo a 25% dos estudantes. No entanto, a menos de um ano do prazo final, estamos distantes de atingir esses objetivos.

 

Apenas cerca de um terço das escolas de ensino médio da rede estadual do Brasil adotaram a proposta pedagógica do Ensino Médio Integral (EMI), o equivalente a 6.400 escolas, de um total de 19.870. Segundo os dados do Censo Escolar 2022, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em fevereiro, essa adesão representa apenas 32,2% do total.

 

A pandemia agravou as desigualdades já existentes no país. As regiões Norte e Nordeste foram as mais afetadas, e os indicadores revelaram disparidades socioeconômicas entre estudantes das áreas rurais e urbanas, entre escolas públicas e privadas, assim como entre negros e brancos.

 

Mas o Censo Escolar de 2022 também apresenta indícios de recuperação na educação básica no Brasil. Mesmo antes da crise do Covid-19, o número de matrículas em tempo integral no ensino médio estava em alta, com um crescimento de 9,9% na rede pública nos últimos cinco anos – indo de 5,5% (372.507 estudantes) em 2016 para 17,7% (1.133.627 de estudantes) em 2022.

 

O Ensino Médio Integral emerge como uma resposta promissora para garantir o bom desempenho escolar e a permanência dos jovens nas escolas. Ao passarem mais tempo nas unidades de ensino, – pelo menos, 7 horas de atividades escolares – os estudantes têm um ambiente propício para o aprendizado, que é acolhedor e estimulante, resultando em melhores resultados acadêmicos.

 

Escolas estaduais de São Paulo que adotaram o Ensino Médio Integral apresentam uma taxa de evasão 10,6 pontos percentuais menor em comparação com as escolas regulares, com impacto ainda mais positivo para estudantes com atraso escolar, com uma taxa de evasão 19,4 pontos percentuais menor. O estudo, realizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes), analisou o desempenho de estudantes em escolas estaduais de Ensino Médio, comparando aquelas que aderiram ao Programa de Ensino Integral (PEI) entre 2012 e 2019, com jornada diária de 9 horas, com as escolas regulares.

 

Inspirados por bons exemplos como esse, estados da região Norte – que registram os menores índices de matrículas e as maiores taxas de evasão escolar no ensino médio do Brasil, de acordo com dados do Censo Escolar – estão adotando a política pública de Ensino Médio Integral como estratégia para combater o abandono escolar e aceleração de aprendizagem.

 

Nos últimos anos, o Amapá tem se destacado em posição de liderança, sendo o primeiro estado do Norte do país a oferecer escolas de tempo integral em toda a sua rede estadual desde 2022, abrangendo 16 municípios. Em relação ao número de matrículas no Ensino Médio Integral, o Amapá ocupa o 5º lugar no ranking nacional, com 21,0% (ou seja, 5.986 matrículas integrais), superando a média nacional que é de 17,7%.

 

Mas se compararmos com os estados líderes do ranking, o Amapá ainda tem um percentual menor de escolas integrais que os vizinhos do Nordeste. O Amapá conta com 24 escolas integrais, enquanto o Ceará possui 401 escolas integrais, a Paraíba possui 300 escolas integrais e Pernambuco possui 513 escolas integrais.

 

Aprendizado para além da sala de aula

Para Ana Brígida Carvalho, de 18 anos, ex-aluna da Escola Estadual Maria Carmo Viana dos Anjos, em Macapá (AP), o ensino médio em tempo integral ajudou a criar laços, tanto com os professores quanto entre os colegas de classe, uma vez que ela passava a maior parte do tempo na escola. “É praticamente uma família. A gente ficava mais tempo dentro da escola do que fora, porque gostava. Nem percebia o tempo passar”, afirma.

 

A estrutura curricular do Ensino Médio Integral (EMI) foi projetada para se conectar à realidade dos estudantes e desenvolver suas competências acadêmicas e socioemocionais. Essa abordagem inclui o “Projeto de Vida”, que busca estabelecer uma ligação entre o futuro dos estudantes e seu processo de aprendizagem, além das “Tutorias e Orientações de Estudos” e outros oito pilares educacionais. O objetivo é preparar os jovens tanto para o mercado de trabalho quanto para o vestibular e o ingresso no ensino superior.

 

No Ensino Médio Integral, a abordagem vai além do turno escolar tradicional. Nessas escolas, a carga horária de ensino é ampliada, com os estudantes permanecendo até nove horas e meia na unidade no ensino médio integral, incluindo pelo menos três horários para alimentação entre lanches e almoço.

 

Ana Brígida descobriu seu interesse pela pedagogia ao participar de um trabalho de pré-iniciação científica sobre o uso da água em comunidades ribeirinhas e agora sonha em seguir uma carreira nessa área. “Tem uma frase do Paulo Freire que eu gosto muito, que diz que quem faz a escola são as pessoas que estão ali. O ensino médio integral ajudou a descobrir o que eu quero ser, me deu direção”, afirma a estudante, recém-aprovada no curso de Pedagogia na Universidade Federal do Amapá.

 

Recuperação da educação na pós-pandemia

De acordo com um estudo recente realizado por pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), investir em escolas em tempo integral pode contribuir para uma redução significativa das taxas de homicídio. A pesquisa comparou municípios de Pernambuco com escolas em tempo integral versus aqueles sem esse modelo, resultando em uma diminuição de 37,6% nos homicídios de jovens homens. Além disso, a comparação entre cidades de fronteira com e sem educação integral revelou uma redução ainda maior, de 50,8%.

 

Estudos anteriores demonstraram que a ampliação da jornada escolar, aliada a um modelo pedagógico integral, está relacionada a uma melhor aprendizagem para os estudantes, resultando em maiores salários para os formados e uma maior empregabilidade, especialmente, entre as mulheres.

 

“O ensino regular é um sistema em que você entra, recebe as informações e volta para casa. Não há um acompanhamento próximo dos professores nem uma proximidade entre estudantes e professores. Já no integral não vemos apenas um professor, mas sim um amigo, alguém em quem podemos confiar e que realmente se importa”, afirma Jadson Costa, de 22 anos, ex-estudante do Ensino Médio Integral (EMI) da Escola Lourenço Filho, em Rio Branco (AC).

 

Os clubes juvenis têm desempenhado um papel fundamental na vida escolar de Jadson, proporcionando autonomia e aumentando sua autoestima na adolescência. Nesse modelo, são os próprios estudantes que assumem a responsabilidade pelas atividades dos clubes. Através do Ensino Médio Integral (EMI), Jadson teve a chance de se reconectar com a vida acadêmica, assumir liderança e desenvolver habilidades que o levaram a seguir uma carreira em consultoria para organizações do terceiro setor.

 

Acima de tudo, Jadson guarda a lição de união que aprendeu na escola quando, no mesmo dia, perdeu sua avó e sofreu um ataque cardíaco aos 18 anos de idade. “O tempo que fiquei no hospital, nunca me senti sozinho. Minha família e os amigos da escola estavam presentes”, afirma.

 


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