“É brutal o nível de concentração de renda no Brasil.”
Dívida pública drena R$ 75 bilhões dos cofres da União em recorte parcial de 2025. Para Paulo Kliass o montante do dinheiro destinado ao rentismo em apenas um mês equivale à “economia” do corte de gastos das políticas públicas.

Cleber Barbosa
Da Redação
Professor, o que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), publicada recentemente, aponta sobre a desigualdade brasileira?.
Paulo Kliass – Os dados divulgados pela última edição da PNAD, em maio de 2025, apontam para uma ligeira redução dos níveis de desigualdade no Brasil. Ainda que sejam mudanças bastante marginais, residuais, o resultado aponta uma melhora nos níveis de desigualdade. O problema maior é que esse tipo de informação acaba não tratando um problema que é central, estrutural da economia e da sociedade brasileira: o brutal nível de concentração de renda, para não dizer de patrimônio, porque a PNAD não trabalha com patrimônio, apenas com a informação dos rendimentos. De qualquer maneira, ainda que haja uma redução pequena da desigualdade, a renda, por exemplo, dos 10% mais ricos do Brasil, é 13,4 vezes maior do que a renda dos 40% mais pobres. Ou seja, a condição de vida e, portanto, de renda daqueles que se situam no topo da nossa pirâmide da desigualdade é acentuadamente melhor, não apenas dos 10% mais pobres, mas do que os 40% mais pobres. Eles são 13,4 vezes menos recebedores de rendimentos em relação àqueles do topo.
Gabriel Galípolo já foi visto como uma alternativa socialmente mais responsável, no entanto, todos seus gestos até agora apontam para uma continuidade da condução de Campos Neto. Um exemplo é a elevação para 14,25% da taxa Selic. Como isso afeta a desigualdade brasileira?
Paulo – A posse do presidente Lula em janeiro de 2023 ocorre já na vigência de uma importante mudança que havia sido feita na institucionalidade do Banco Central na gestão do Bolsonaro e Paulo Guedes: eles encaminharam e o Congresso aprovou uma Lei Complementar que oferecia mandato aos presidentes e aos diretores do Banco Central. Isso fez com que o Lula começasse a sua gestão com nove membros da diretoria do Banco Central, portanto, integrantes do Comitê de Política Monetária – Copom, indicados por Bolsonaro. Essa sistemática previa que com o tempo eles fossem sendo substituídos, mas a substituição da maioria dos diretores só veio acontecer no início do terceiro ano do presidente Lula. Ele conseguiu colocar Gabriel Galípolo como presidente e iniciou o governo em 2025 com sete indicações do total de nove diretores. Lula passou dois anos, em 2023 e 2024, criticando abertamente o Roberto Campos Neto, principalmente pela política de juros elevados, com a Selic bastante alta, e a expectativa que se tinha com a mudança para o Galípolo é que isso teria uma alteração. Lembremos que o presidente Lula fez questão se pronunciar, dizendo que dava todo apoio ao Galípolo. Ele trouxe nessa entrevista os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, que ficaram apenas como figurantes, mas ele apareceu dando todo seu apoio ao novo presidente do Banco Central.
Quanto à dívida pública, há um detalhe de rubrica contábil que inviabiliza que os recursos destinados a esse fim sejam incorporados às políticas de controle de gastos, aos cortes. Que tipo de racionalidade econômica está implicada nessa estratégia?
Paulo – As estratégias mais gerais daquilo que hoje chamamos de austeridade fiscal remontam a mais de quatro décadas. Na década de 1980, tem início um processo de renegociação das dívidas dos países do terceiro mundo, que eram basicamente dívidas junto a bancos internacionais privados. A chamada crise da dívida, à época, passa a ser coordenada por instituições multilaterais baseadas na capital dos Estados Unidos. Esse processo, que é os primórdios daquilo que passamos a chamar de neoliberalismo, recebeu o título de Consenso de Washington. Era a ideia de estimular a privatização das empresas estatais nesses países, a liberalização mais completa da economia, principalmente na parte de comércio internacional e de fluxo de capitais, e também o maior controle da austeridade fiscal. A ideia era evitar que esses países tivessem outras dificuldades com o pagamento do compromisso das suas dívidas externas e, com isso, se propôs que a contabilidade separasse despesas financeiras e despesas não financeiras, daí essa diferença em despesas primárias e não primárias.
Seu artigo “Bolsa Família e Bolsa Banqueiro”. Do que se trata uma e outra coisa? Quais os efeitos dessa dicotomia nas condições de vida da população?
Paulo – Esse artigo é um retrato de como funciona o quadro de agravamento das desigualdades sociais e econômicas que caracterizam, infelizmente, a sociedade brasileira. O que me levou a escrever o texto naquela semana foram as notícias que começaram a ser veiculadas, e depois confirmadas, de que a área econômica do governo estava buscando encontrar mecanismos para “resolver” a questão do equilíbrio fiscal primário por meio de redução de valores de rubricas nas áreas de políticas sociais e públicas.
Perfil
Paulo Kliass é graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas – FGV/EAESP, mestre em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor na mesma área pela Université de Paris 10. Desde 1997, é integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
BREVE BIOGRAFIA
-Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas – SP (1985), mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em economia pela UFR – Sciences Économiques – Université de Paris 10 – Nanterre (1994) e pós doutorado em economia na Université de Paris 13. Desde 1997 é integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
DOUTORADO
– Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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