Para especialista, evento da Unifap sobre acidente no Porto de Santana é tendencioso
Geólogo e advogado especialista na área do meio ambiente, Antônio Feijão critica evento e diz que a II Semana de Engenharia da Universidade Federal é um “desrespeito” ao Amapá

O geólogo e advogado especialista na área do meio ambiente, Antônio Feijão, criticou duramente na manhã desta segunda-feira (05), no programa LuizMeloEntrevista (DiárioFM 90.9), a realização da II Semana de Engenharia Civil que está sendo realizado em Macapá pela Universidade Federal do Amapá (Unifap). Segundo ele, o evento, que é patrocinado pela empresa Anglo America, é um “desrespeito” à população do estado porque tenta tirar do foco as “irresponsabilidades e crimes” praticados pela mineradora no Amapá.
“Esse evento promovido pela Unifap é, na realidade, um enxerto científico, porque quem está financiando o seminário é a própria Anglo, que defende a tese ilusória que o Porto da Icomi caiu por castigo de deus; vejo com muita tristeza o uso da nossa universidade federal, que é uma academia, um palco da ciência, para tirar do foco a irresponsabilidade e os crimes praticados pela Anglo sem oportunizar à população e à comunidade científica local o direito do contraditório, tanto que a Unifap não convidou ninguém do Amapá para fazer o contraponto, não convidou nenhum cientista daqui, nenhum parlamentar, nenhum técnico; o Sebrae é de alta credibilidade, mas está sendo palco desse lamentável evento; não tenho absolutamente tenho nada contra os técnicos que estão participando, mas, veja bem, nós temos que repor as coisas como elas são; eu fico triste, me sinto amapaense duplamente, amo esta terra, por isso lamento que não haverá nesse seminário um debate questionando nada, tudo estando programado de forma tendenciosa”, reclamou.
Para o especialista, a responsabilidade total do desabamento do Porto da Icomi, no município de Santana, é da Anglo: “Ela (Anglo) tem a tese dela, mas eu, o doutor Manolo e outros cientistas e técnicos do estado temos a nossa tese; inclusive nós já estivemos na delegacia de Santana para acompanhar o inquérito, que é presidido pelo delegado Torrinha, sobre o desabamento que a Anglo matou com sua inoperância seis pais de família, sendo que dois ainda estão debaixo d’água; o Ministério Público está acompanhando, vai se manifestar; é importante dizer neste programa, que é o mais importante do radio amapaense, que dois defuntos estão lá embaixo do rio, além dos quatro corpos que foram encontrados, com seis famílias chorando, sem que absolutamente nada seja feito para pelo menos minimizar essas perdas”, disparou.
Na opinião de Antônio Feijão, os prejuízos causados pela Anglo têm que ser cobrados diretamente do Governo do Estado: “Acabaram com o patrimônio do estado na área da mineração, porque entregaram para uma empresa, a Zamin, que recebeu do Eike batista (dono da MMX) e fizeram reparos só para exportar o minério; me dói muito, na condição de pós graduado da Unifap ver a instituição ser usada para um evento desse; o porto caiu dia 28 de março de 2013, e a Anglo vendeu tudo para a Zamin só no final de outubro do mesmo ano; portanto, toda essa desgraça que sofremos por causa da ganancia da empresa de vender minério é de responsabilidade da Anglo, que patrocina esse evento, porque foi com o CNPJ da Anglo que o minério foi exportado, e por causa disso aconteceram todos esses prejuízos humanos e materiais; a Anglo América deve ao amapá a reposição do porto, a reconstituição e recondicionamento da ferrovia e a indenização das famílias dos trabalhadores que morreram; e o governo do estado tem que cobrar isso da empresa”, pediu.
Antônio Feijão pondera que a Anglo abandonou “a sucata e os prejuízos que deixou pra trás” e agora tenta consolidar uma tese para se livrar dessa responsabilidade: “A Anglo deixou tudo abandonado, inclusive sem colocar um só vigilante para proteger o patrimônio, que é do Amapá, mas foi sucateado por ela, inclusive deixando roubarem até as fiações das locomotivas; trata-se na realidade de uma quadrilha indiana… É um grupo criminoso; temos instituições no estado, temos o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, a Justiça Federal, o Ministério Público, enfim, temos como cobrar esses prejuízos; inclusive o Ministério Público Federal tem feito suas ações, mas isso tem um compasso, é demorado, e há outros meios mais velozes de agir; então o Estado do Amapá tem que chamar a policia, porque isso não é mais caso de justiça, é de policia; agora só falta uma daquelas barragens que tem uma camada fina de ferro romper para o minério descer no Igarapé do William, ir para o Rio Araguari e destruir as três hidrelétricas”.
Por telefone, o Pró Reitor de Extensão e Ações Comunitárias da Unifap Rafael Pontes Lima, afirmou que o II Seminário de Engenharia Civil é um evento “técnico e sério”, e durante toda a semana vai discutir, de forma técnica, as causas e os impactos do desabamento do Porto da Icomi. Segundo ele, a não participação de técnicos do Amapá se deve à “questão de agenda”, mas prometeu que um relatório será elaborado ao final do evento para que a sociedade tenha conhecimento do que foi discutido.
“Os cursos de graduação têm autonomia para discutir seus eventos, e com relação à II Semana de Engenharia, assim como todos os demais eventos, será revestida de estudos e debates técnicos; eu li a reportagem no jornal Diário do Amapá reclamando da não participação de técnicos locais; conversei com os coordenadores do evento e sugeri que fosse feito convite ao doutor Antônio Feijão justamente para fazer esse contraponto, mas me informaram que isso não seria possível porque a agenda já estava fechada; porém, eles me garantiram que o debate será totalmente técnico, científico, e que vão estudar a possibilidade trazer outros técnicos para fazerem o contraponto, e que ao final do evento eles irão produzir um relatório; e eu mesmo vou conversar com a coordenação para divulgar, ou promover entrevistas com a imprensa”, pontuou.
Tema polêmico
Com texto do jornalista Douglas Lima, o jornal Diário do Amapá publicou matéria em sua edição de domingo sob o título “Desastre do Porto de Santana – o que está por trás da Anglo”, em que aborda a realização, pela Unifap, da Semana de Engenharia Civil “para tratar de tema polêmico sem diversificar participantes”, tendo como foco o desabamento do Porto da Icomi, no município de Santana, que matou seis pessoas, além do sucateamento do patrimônio mineral do estado, incluindo a ferrovia e as locomotivas, que atualmente estão abandonadas entre os municípios de Serra do Navio, Macapá e Santana.
A reportagem relata que a Anglo America, de nacionalidade inglesa, participou de uma transação no “mínimo suspeita” com a indiana Zamin sete meses depois do Porto de Santana ruir. O acidente resultou na paralisação da atividade minerária no Amapá, porque além da destruição do único porto de escoamento da produção, o estado também passou a sofrer com a desativação da estrada de ferro para o transporte de minérios dos locais de extração ao embarque em navios.
Ainda segundo a matéria, com base em relatos de especialistas, a Anglo, ao comprar a mina de ferro da MMX em Pedra Branca do Amapari, sabia por meio de informações técnicas confiáveis que a qualquer momento o Porto de Santana poderia desabar com consequências incalculáveis, mas a empresa não tomou providências. “Ao contrário, acelerou a extração e a exportação de ferro, desgastando, sem qualquer manutenção, tanto a ferrovia como o porto”, que não aguentou “o excesso de uso e o paradoxal abandono”, e “apenas se rendeu à instabilidade do solo com grande carga sobre ele”, pontuando que “depois de ganhar muito dinheiro no Amapá, sem praticamente nada retribuir, fechando os olhos para o porto desabado dentro do rio Amazonas e a estrada de ferro aos poucos se deteriorando até à exaustão, a Anglo American vendeu esse caos para a mineradora Zamin”.
O jornalista destaca que “a empresa indiana, por sua vez, não colocou um parafuso na rodovia nem moveu um dedo para reerguer o porto de exportação de minérios. Mesmo assim, ainda conseguiu exportar ferro, faturar altos financiamentos e ainda ganhar o prêmio de ser protegida por um outro conglomerado indiano que até agora ainda não liquidou a dívida trabalhista deixada pela antecessora, não pagou as empresas prestadoras de serviços e tampouco mostra ânimo de recuperar a estrada de ferro e o porto”.
Com todo esse histórico, prossegue a matéria, “o Curso de Engenharia Civil da Unifap fecha os olhos e aceita incluir num evento de grande importância para o seu currículo, uma programação visivelmente a favor da Anglo American. Todos os palestrantes e apresentadores pertencem ou são ligados por algum motivo à empresa inglesa”, ressaltando que nenhum técnico “com pensamento e posicionamento contrários aos interesses da Anglo American foi convidado” para participar do evento.
Ao final, a matéria questiona: “Por que toda essa omissão num assunto de tão alta importância, e ainda mais vindo de uma instituição que acima de tudo tem o dever de primar pela busca do conhecimento em todas as vertentes, jamais abordando-as de forma unilateral e suspeita?”.
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