Delegacia Ambiental não tem estrutura para fiscalizar área liberada para mineração
Segundo o delegado do Meio Ambiente, Sávio Pinto, além da dificuldade de acesso, falta logística e pessoal para evitar a previsível degradação ambiental com a exploração de minérios na região e diz que a polícia judiciária está sucateada

Em entrevista concedida nesta terça-feira (29) ao programa LuizMeloEntrevista (DiárioFM 90.9) o delegado do Meio Ambiente da Polícia Civil, Sávio Pinto, afirmou que o Amapá não dispõe de estrutura logística e de pessoal para fiscalizar a área da extinta Reserva Mineração do Cobre e Associadas (Renca), sem condições, portanto, de evitar a previsível degradação ambiental com a exploração de minérios na região.
De acordo com Sávio Pinto, a polícia judiciária está sucateada em todo o Amapá, e no Amapá não é diferente: “A Renca lança luz sobre um terreno de sombra; temos que deixar bem claro não quero fazer análise política com quem quer que seja, mas a realidade é que a polícia judiciária brasileira como um todo está desassistida desde 1988; tive contato com delegados de outros estados e tomei conhecimento que em alguns lugares do Brasil eles só não fecharam as portas porque o trabalho é feito com muito amor; para se ter idéia do tamanho do problema”.
No Amapá, de acordo com o delegado, a situação não é diferente: “Os cinco pilotos de aeronaves que trabalham no GTA (Grupamento Tático Aéreo) só se formaram porque eles pegaram dinheiro do bolso deles e foram pra fora fazer cursos, por isso temos esses cinco pilotos; quando eu fiz concurso (para a Polícia Civil) nós tínhamos que contar com uma logística própria; estou falando de 10 anos, que é o tempo que tenho como policial civil; fiz uma operação na semana passada em um desmatamento aqui no Rio Pedreira, bem nas nossas barbas; pedimos ajuda ao GTA e juntos fizemos uma operação inédita, por água, terra e ar; nunca ninguém tinha feito aqui, na área do meio ambiente; não é fácil, porque além de outras dificuldades, uma hora de sobrevôo de um helicóptero custa aproximadamente 5 mil, 6 mil reais”.
Com todas essas dificuldades, Sávio Pinto alerta que, com a pouca estrutura disponível, a fiscalização da área da extinta reserva será inviável: “Trata-se de uma área enorme extensão territorial e de dificílimo acesso, o que exige uma logística muito considerada, com caminhonetes potentes porque as estradas ficam intrafegáveis; tem que se levar em conta que é uma área do tamanho do estado do Espírito Santo; na realidade não é só a Renca, não, a Renca veio agora trazer a luz, porque aqui no garimpo do Cupixi, que é bem perto da Capital, estão acabando com tudo lá; tem turma grilando terra, legalizando terra, invadindo, apresentando plano de manejo fajuto pra tirar madeira, tudo isso na maior cara de pau”.
O delegado disse que o Brasil recebe muitos recursos internacionais para serem aplicados na Região, mas reclama que esses recursos não chegam à Amazônia: “A Noruega se não me engano, a Alemanha e vários outros países da Europa têm mandado bilhões para cá, mais exatamente para Fundo da Amazônia, que tem dinheiro demais, mas para acessar isso é muita burocracia intrincada de normas, que requer a apresentação de projetos; ora, ou eu paro minhas atividades oficiais para fazer projeto ou exerço minha função de delegado; claro, eu fico como delegado, não tem como fazer outra coisa”.
Na opinião de Sávio Pinto, o excesso de burocracia impede a execução de projetos, principalmente para melhorar a área de segurança: “Aqui a gente tentou acessar recursos através de um projeto apresentado à Eletronorte, com o objetivo de adquirir duas caminhonetes, uma embarcação e um Jet Sky, mas eu fiquei durante cerca de anos tentando, mas cada vez mais o projeto afundava na burocracia e acabou não havendo efetividade, porque lamentavelmente o dinheiro não chega à conta de quem precisa”.
Perguntado se com o novo texto do decreto que extinguiu a Renca haverá possibilidade de preservar o meio ambiente com exploração mineral, o delegado se mostrou reticente: “Eu não acredito em mudança de rumo; se tem alguém que exerce o papel de fiscalizar, de investigar, somos nós da polícia judiciária civil, da polícia federal e do Ibama, mas se a gente não tem condições de chegar a essas áreas, não tem como fiscalizar; oficialmente há 28 pistas naquela área da Renca, mas me parece que no total, incluindo as clandestinas, tem mais de 40 pistas de pouso naquela região; eu não conheço um garimpo, e não é só no Brasil, que não deixe uma ferida irreversível; é inevitável que o desmatamento ocorra; com todo o aparato de leis e normas, que temos demais, o que temos que fazer é dar efetividade, mas infelizmente o governo federal não está interessada nisso, tanto que o Ibama está sendo sucateado”.
Lembrado que a exploração mineral ordenada valoriza a economia e ajuda o estado, Sávio Pinto concordou, mas disse que essa exploração tem que ser feita por brasileiros, e não por empresas internacionais como vem sendo denunciado por políticos e organizações não governamentais:
– Temos que criar vergonha na nossa cara, nós temos que amar o país e estado, porque quem tem que explorar é os brasileiros; mas para isso temos que instalar indústria para vendermos essa produção beneficiada, não bruta; toda exploração mineral traz dano ao meio ambiente, é claro se paga um preço, mas fazer do jeito que está sendo feito traz atraso, miséria e desgraça social; tirar riqueza daqui e levar para fora do país, deixando meia dúzia de pessoas ricas, enquanto que os daqui ficam cada vez mais pobres. Temos, como exemplo, os peixinhos ornamentais de Barcelos (AM), que são saem de lá custando 3 reais, 4 reais no máximo cada um, mas no exterior custam mil vezes esse valor – analisou.
Ampliação do debate
Também ouvido pela bancada do programa, o engenheiro Edir Pacheco, profundo conhecedor da realidade regional, pediu a ampliação do debate sobre a liberação da exploração mineral na extinta Reserva. Na opinião dele, a edição do novo decreto é uma repetição do anterior, que foi revogado pelo presidente Michel Temer.
“Pelo que eu sei esse decreto só veio clarificar mais um pouco o decreto anterior; está se questionando muito a área de preservação, mas a Renca foi criada como área de preservação mineral, só depois é que ocorreram áreas indígenas e de preservação ambiental; eu não vejo tantas mudanças, nem tanta coisa, porque o que é de competência do governo fiscalizar deve ser fiscalizado; as leis estão feitas, e se o governo não tem estrutura para fiscalizar tem que criar essa estrutura; em grande parte dessa área já existem garimpos clandestinos há bastante tempo, ali tem mais de 80 garimpos; entendo que esse decreto não veio acrescentar grandes coisas não”, comentou.
Edir Pacheco defendeu a ampliação do debate sobre a exploração da área: “O que é precico fazer, na prática, é trazer universidade para discutir, a geologia, trazer pessoas competentes, com idéias novas para discutir a questão mais amplamente, com maior densidade, porque o que não era viável dez anos atrás hoje é, como por exemplo a exploração de petróleo na Costa do Amapá, que antes era impensável, mas agora começa a ser viabilizada. A questão econômica passa exatamente pela fiscalização que detecta onde o minério está sendo extraído ilegalmente, sonegado. E sabe-se que há uma sonegação imensa; só de Oiapoque saem 8, 10 quilos de ouro por semana, que é levada para São Paulo, Rio de Janeiro, para os grandes centros onde compra ouro, que vai bater na Índia e outros países, mas aqui não fica absolutamente nada, nem 1% que é obrigatório fica para a União”.
Para Edir Pacheco, o receio de que mineradoras estrangeiras possam monopolizar a exploração do ouro não pode ser levado em conta: “/eu defendo o empresário legalizado, não o garimpo anônimo que está lá no mato, não as madeireiras que agem sorrateiramente; temos empresas organizadas como a Vale do Rio Doce, a Icomi, a própria Jarí… Sempre se pensou que estrangeiros querem tomar conta da gente, da Amazônia, mas isso faz parte da incapacidade da gente administrar; quando se administra bem a sua casa ninguém entra. Cabe aos órgãos competentes fazerem a fiscalização, para que o país possa arrecadar e aplicar naquilo que é direito, onde tem que ser aplicado”.
Sobre as críticas a grandes mineradoras que já exploraram grande quantidade de minérios na Amazônia, em especial a Icomi, no Amapá, sem deixarem um legado econômico e social para o estado, Edir Pacheco rebateu: “O Amapá não seria o Amapá hoje se não fosse a Icomi, trazida para cá pelo doutor Augusto Antunes; a empresa trouxe para Amazônia duas vilas interligadas por uma estrada de ferro com estrutura que em todo o país não tinha naquela época; o problema é que fomos incompetentes para administrar e também por pura incompetência perdemos royalties importantes, mas é preciso lembrar que foram os royalties pagos pela Icomi que bancaram a construção da Usina Hidrelétrica do Paredão”.
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